segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Mariana Basílio, poeta de olhos queimados (uma entrevista)


Uma conversa sobre o livro Sombras & Luzes (Penalux, 2016)



GX – Quem é a Mariana Basílio de Sombras & Luzes?

MB – É uma poeta que aceitou sua condição. No primeiro livro, Nepente, eu ainda estava procurando o que seria o elemento propulsor que havia me movido nos anos anteriores – versar o inominável, dialogar com os detalhes, escavar os mistérios – então tive um insight. Publiquei o primeiro livro meses depois, aos 25 anos, procurando trajar este meu novo trajeto.

Com o próximo livro, Sombras & luzes, foi completamente diferente. Já não tentava me encontrar ou me adaptar, já me compreendia na realidade a que me propus. Projetei o livro de maneira mais madura, e passei a ter uma rotina diária bem mais rigorosa em relação às leituras e escrita – como consequência, passei a escrever com mais liberdade e confiança.


GX – Teus poemas são como buquês repletos de rosas densas, cujos espinhos do caule perfuram até o mais profundo lugar de nossa alma (ou consciência). De onde vem toda essa força?

MB – Fernando Pessoa dizia: “Viver é ser outro. Nem sentir é possível se hoje se sente como ontem se sentiu”. Está tudo na essência do sentir, sentir que o interior não é mais do que o exterior, nada nos salvará da morte, que então a poesia (ou o amor, como versava Neruda), nos salve da vida. Já Herberto Helder, num dos poemas que mais aprecio, parece me denunciar: “Algumas vezes amei lentamente porque havia de morrer / com os olhos queimados pelo poder da lua”. Os olhos queimados – olhos de poeta, da criatura que não sossega sem cavar as profundezas. Talvez o que eu seja cintile no bruto das palavras.


GX – No fim do livro, você esboça uma rota de construção de seu livro. Todavia, eu reforço a curiosidade sobre tal processo e lhe pergunto novamente, na expectativa de arrancar de ti algum “segredo” não revelado em suas considerações finais. Então, Mariana, como se deu a feitura do seu Sombras & luzes? Há semelhanças e/ou diferenças nele para com o seu Nepente?

MB – Me sinto nesse contexto como Júlio Cortázar: pareço mesmo ter nascido para não aceitar as coisas tal como me são dadas. Faço e desfaço, desfaço e faço. É sempre um tecer melodramático viver em minhas decisões. Fiquei realmente em dúvida sobre expor as tais observações gerais, o tal roteiro. Mas como o livro acabou se tornando um projeto de quase 300 páginas, acabei me decidindo por publicá-las em conjunto.

Se há semelhanças nos livros? Bem, talvez estejam na temática mais abrangente que ainda me recobre, envolvendo temas como vida e morte, humanidade e natureza, e ainda, alguns autores que são minhas influências em ambos os livros. Mas, sem dúvida, vejo e sinto muito mais diferenças do que semelhanças, já sou outra pessoa e poeta nessa época do Sombras & Luzes.

Tudo mudou, simplesmente.


GX – Mariana, existe alguma pergunta realmente necessária a se fazer a uma poeta como você? Alguém já a fez? Se não, qual seria?

MB – Não sei, talvez haja inúmeras, talvez não haja nenhuma. Não sei o que significa direito “uma poeta como você”. Mas vou tentar levar isso para um campo mais abrangente e traduzirei um pouco como me vejo no presente da poesia brasileira – deslocada das tendências mais contemporâneas. O que faço é bem particular e, por isso mesmo, um movimento muito solitário. Mas não me incomodo com isso, a minha única preocupação é estar focada e trabalhar muitíssimo no invisível dos invisíveis – perfurando o rumo das palavras em que realmente me encontro.


GX – Se todo escritor é um país estrangeiro, como diz um de teus versos, qual seria o teu lugar neste mundo, Mariana? E qual seria o lugar da poesia que teces?

MB – Meu lugar é o lugar universal, o lugar do vazio que recobre o todo (e talvez eu o encontre quando escrevo) – aqui sou uma inocência socialista abaixando as fronteiras dos países, unificando o que amo na humanidade: o total de nós.

Só me vejo no “eu” porque me propago em “nós”. Por isso “todo escritor é um país estrangeiro” – além de outros preâmbulos do verso.


GX – O que há para ser descoberto, ainda, na vida?

MBO que há para não ser descoberto? Só estou no começo, mesmo que eu morra amanhã, saberei, ainda é vago, ao mesmo tempo que intensa, a lâmina com que lapido minha voz e construo, exausta, as minhas espirais. Não sei precisar (e adoro isso). Mas como diz Mia Couto (e assumo em prévia do futuro): “grandes palavras escondem grandes enganos”.

Sigamos então, ainda mais humanos do que no instante que já se findou.






*Mariana Basílio (Bauru, 1989) é uma escritora, poeta e tradutora paulista. Licenciada em Pedagogia pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), campus de Bauru (2012). Mestre em Educação pela Unesp, campus de Rio Claro (2015). Autora dos livros de poesia Nepente (Giostri, 2015) e Sombras & Luzes (Penalux, 2016). Recebeu em outubro de 2017 o prêmio ProAC de criação literária do Estado de São Paulo, contemplando a publicação de sua terceira obra poética, Tríptico Vital (prelo, 2018). Escreve atualmente seus três próximos livros: Megalômana (poesia), Kairós (poesia) e A Revolução das Rosas (romance). É colaboradora dos portais Zonadapalavra e Liberoamérica. Possui poemas, entrevistas, resenhas e traduções publicados em diversas revistas do Brasil e de Portugal, entre elas: Alagunas, Diversos Afins, Escamandro, Efémera, Garupa, Germina, InComunidade, Inefável, Limbo, Mallarmargens, Oceânica, Odara, O Garibaldi, O Equador das Coisas, Raimundo e Vida Secreta. Site para contato: www.marianabasilio.com.br