segunda-feira, 28 de novembro de 2022

LONGE DA MULTIDÃO, de Thomas Hardy


 

Neste vídeo, a artista visual e professora angolana Cristina Seixas fala sobre o livro Longe da Multidão, do escritor inglês Thomas Hardy. Fique atento!

#thomashardy #longedamultidão #cristinaseixas #canalliterário #oequadordascoisas

Sobre Março entre Meridianos, de Luísa Fresta



Por Germano Xavier


MARÇO ENTRE MERIDIANOS (EAL, 2018) é o terceiro livro de Luísa Fresta - ou melhor, de Muhatu (seu pseudônimo) - e foi o vencedor do Prêmio de Poesia no Feminino "UM BOUQUET DE ROSAS PARA TI", organizado pelo MAAN - Memorial Dr. António Agostinho Neto, em Angola no ano de 2018. O livro é dividido em três "cadernos": Caderno 1 (Cartão-Postal), Caderno 2 (Versos natalinos e outras histórias de (en)cantar) e o Caderno 3 (Palavras pintadas na tela).

Em Cartão-Postal, percebemos uma autora preocupada em revelar os centros de pequenas coisas, os núcleos sísmicos de elementos que fazem a vida de todas as pessoas, mesmo que estas fontes interiores e, por vezes, ulteriores de e acerca da vida sejam ou estejam integradas à própria faculdade vital do ser humano: o viver, o estar vivo-e-além. Neste Caderno 1, a poeta fotografa o caos, registra os medos de nós-gentes e articula a madeira que fará o fogo-máximo de nossas idas e vindas, de nossas descobertas e de nossas decepções. O soneto é a porta de entrada formal para a voz quase maternal da autora, que nos ensina a sentir mais, mais e mais. 

Os versos são dotados de uma maior liberdade no Caderno 2, intitulado de Versos natalinos e outras histórias de (en)cantar, Muhatu nos questiona se a felicidade é um bônus ou uma guilhotina. É a hora de tombarmos por cima das farturas e das fraturas dos símbolos mundanos, referenciar o sagrado nas coisas triviais e bulir com o absurdo das naturalidades cotidianas oriundas de convenções sociais e institucionais. Tudo isso, regado com uma boa dose de maturidade artística e pessoal. Aliás, ensinagens não faltam nas páginas do livro e na obra geral escrita por Luísa Fresta.

Já em Palavras pintadas na tela, a escritora quase ignora o real para nos abrir um mundo de percepções suavemente surreais, quando no tempo das intermitências e das incertezas da vida, colocando-nos numa posição de combate e, também, de respeito perante o tempo futuro. Afinal, o que faremos da vida que nos resta? O que estamos fazendo com o nosso Hoje, com o nosso Agora? Aquela velha batalha já por demais esgotada e profética: cada dia que passa é um dia a menos, não um dia a mais. Luísa Fresta é, por fim, a voz de uma infância revista e ressonhada, cheia de memórias e refundada em anunciações. 


* Imagem: Acervo Luísa Fresta

domingo, 27 de novembro de 2022

A CIRANDA DAS MULHERES SÁBIAS, de Clarissa Pinkola Estés


 

Neste vídeo, a economista alagoana Rebeca dos Anjos fala sobre o livro A Ciranda das Mulheres Sábias, da psicanalista e poetisa Clarissa Pinkola Estés, autora do já consagrado Mulheres que Correm com os Lobos. Uma jornada permeada de metáforas que tem como mote principal homenagear a força e a beleza das mulheres. Fique atento!

#acirandadasmulheressábias #clarissapinkolaestés #rebecadosanjos #canalliterário #oequadordascoisas

sexta-feira, 25 de novembro de 2022

O sol na cabeça (da literatura?)



Por Germano Xavier


MARTINS, Geovani. O sol na cabeça. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.


Visitei o Rio de Janeiro por duas vezes até hoje. Da última vez, o motivo maior foi o de prestigiar um show de Maria Bethânia no espaço Vivo Rio, evento por pouco cancelado devido a uma chuva torrencial que caiu sobre a cidade durante aqueles dias. A primeira vez foi no ano de 2012. Sozinho atravessei em voo os céus brasileiros e, através de um convite de uma amiga, daquelas da gente guardar para sempre no coração, pude conhecer de perto a Cidade Maravilhosa, segunda capital do país e berço de muita cultura desses nossos rincões tupiniquins. 

Nesta oportunidade, tive o prazer de conhecer a cidade histórica de Paraty em dias de FLIP - Feira Literária Internacional de Paraty, cujo homenageado do ano era nada mais nada menos que Carlos Drummond de Andrade, um de meus escritores diletos. Em Paraty, fiquei hospedado numa pousada bastante aconchegante na Ilha do Araújo, rodeado de muito verde e azul. Já na metrópole carioca, lembro que fiquei hospedado no Sesc Copacabana, ali pelas imediações da Rua Domingos Ferreira, a alguns passos de distância das praias mais famosas do lugar. 

Entre um ou outro passeio, em deslocamentos bastante saudosos, via, ao atravessar a pé os entroncamentos e as esquinas daquelas ruas, o horizonte próximo ser pintado em cores vivas de comunidades/favelas por todos os lados, numa dissonância bastante peculiar e já traço definido da terra que hospeda a sede do meu time do coração, o Clube de Regatas do Flamengo. Andando pelo centro ou caminhando em direção à barca que nos levaria à Niterói, também deu para ver, ainda com mais clareza, o tamanho real de tantos contrastes sociais, estampados fielmente nos semblantes das pessoas e na toda-matéria visual que meus olhos absorviam. 

Conto tudo isto para dizer que o Rio de Janeiro das favelas não é o Rio periférico, não. É o Rio orbital. O Rio solar, mesmo. O Rio-Astro-Rei. O Rio que impera sobre os outros Rios. Esta foi a minha primeira constatação, quando num pensativo instante me prostrei diante da estátua de Drummond ali pelo Posto 6 da orla de Copacabana. Todo um sistema planetário, onde pessoas transitam em massa, com suas sedes e suas fomes universais é o Rio de Janeiro. Um mundo contado com bastante simplicidade e honestidade através das letras do jovem escritor Geovani Martins, que sambou suas palavras às vistas do leitor num misto de oralidades com pandeiros mambembes acompanhados de retratos gravemente sérios de um sistema de sociedade de escanteamentos e opressões/repressões. 

Para o autor supracitado e motivo destas minhas impressões, o Rio é o próprio centro das atenções, das ações e das reações. O Rio do sol que aquece a cabeça das centenas e das milhares de pessoas dali, e que nos projeta para além via holofotes globais. Uma literatura onde não há o que supor, o que imaginar, o que solicitar. Só sentir, o clima, a barra que é viver. Só viver, viver-com, a Vida, mesmo sabendo que tudo é ainda em maior intensidade do que o narrado. Nas pouco mais de 100 páginas de seu livro inaugural estão os cariocas, as favelas, as drogas, as relações sociais, a realidade, a violência, o presente e o futuro repleto de passados. Pecado de um escritor em início de carreira esta falta de potência narrativa? Não vem ao caso tal discussão. O livro teve uma campanha de marketing exagerado? Melhor deixar isso para outro momento. Leia O SOL NA CABEÇA, de Geovani Martins, e se sinta na pele de um carioca da gema, armado até a tampa de um olhar nada trivial.


* Imagem: https://racismoambiental.net.br/2018/07/10/a-inspiracao-por-tras-do-livro-aclamado-de-geovani-martins/

sábado, 19 de novembro de 2022

A FELICIDADE CONJUGAL, de Ben Jelloun


 

A escritora luso-angolana Luísa Fresta comenta o livro A Felicidade Conjugal, de Tahar Ben Jelloun.

#afelicidadeconjugal #luísafresta #benjelloun #oequadordascoisas

Os amarelos olhos mortos de Bruno Liberal



Por Germano Xavier


Autran Dourado, prestigiado escritor brasileiro nascido em Minas Gerais, dizia que “a única coisa que um autor tem de verdadeiramente próprio é o corpo” e que “em cada autor há uma série de pequenos autores”. Se pensarmos que o “corpo” ao qual o autor supracitado se refere nada mais é que o texto, o “seu” texto, isso ganha de chofre um tom de necessidade e, por conseguinte, de requisito básico para a atividade literária dita de excelência. Encontrar a tal da “pulsação narrativa”, a citar aqui o conceito tão difundido pelo grande pernambucano Raimundo Carrero, autor de romances  muito respeitados pela crítica literária nacional, é deveras um desafio enorme para quaisquer escritores. Na maioria das vezes, demora-se uma eternidade para encontrá-la e, quando encontrada, mostra-se fugidia e arisca ao menor dos ventos.

...

Um homem velho que não aguenta mais a vida, um outro homem que mata a enfermeira e tudo parece permanecer normal, uma mulher solitária que afoga suas mágoas em uma piscina, o sonho interpretado por quem sonha o sonho, o desamparo de personagens várias... tudo isso há no livro de contos OLHO MORTO AMARELO, de Bruno Liberal, goiano radicado em Petrolina-PE, onde morei durante 5 anos. A obra, vencedora do I Prêmio Pernambuco de Literatura, realizado no ano de 2013, facilmente pode não entrar para a lista dos melhores compêndios de contos dos últimos tempos, porém revela o encontro do autor com o domínio de seu próprio texto, de sua própria verve ou veia literata. As estórias pulsam sobre uma ponte de brandas sensações e a narrativa, ao fim da leitura, ergue-se envolta em uma nuvem de mistérios e suspeições, o que para um conto é quase sempre um ponto positivo.

Tal ligação é feita com singular destreza que todas as pequenas narrativas presentes no texto se entendem com o leitor prontamente, pontualmente. Há um estilo, uma forma de amar as palavras e os olhos de quem lê não se perdem no vazio das páginas. Liberal conhece a intimidade de cada cena e comanda com talento as personagens. Vozes se entrecruzam, verbos agem com sutileza, as frases se harmonizam. Um problema é então criado, sempre ao término dos contos. Um problema ousado, disfarçado de sobriedade na escrita, que se alarga silenciosamente pelos campos da representação. Pequenos dramas são indefinidos, para o bem geral dos leitores. Como se Liberal tocasse um sax contemporâneo de som instantâneo e tão oculto, mas tão oculto, que somente com ouvidos bem treinados poder-se-ia evitar o inevitável das significações.





* Imagens: https://pixabay.com/pt/olho-parede-horror-arrepiante-3383682/
http://editora.cepe.com.br/livro/olho-morto-amarelo

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

5 poemas do livro EVANGELHO BANTU, de Kalunga (João Fernando André)


 

A escritora luso-angolana Luísa Fresta lê 5 poemas do livro Evangelho Bantu, de Kalunga (João Fernando André).

#especialjaneiro #joãofernandoandré #angolaecaboverde #oequadordascoisas

sábado, 5 de novembro de 2022

Três vezes Mariana Basílio (ou Impressões sobre o livro Tríptico Vital)




Por Germano Xavier



"Um final não se responde,
Ainda que finde."
(M.B.)


Mariana Basílio, autora do livro Tríptico Vital (Patuá, 2018), é também a mãe-voz dos livros Nepente (Giostri, 2015) e Sombras & Luzes (Penalux, 2016). Mariana é a pintora e a pintura de um universo poético muito particular e, ao mesmo tempo, coletivo, pelo qual orbita sua palavra e todo o seu poder de observatório: a Vida e tudo o que nela se inicia e/ou finda. Para que esta jornada se prostrasse de maneira mais sensível e palatável aos seus leitores, Mariana escolheu dividir seu mais recente livro em um objeto trifásico - daí a imagem de um tríptico.

De uma proposta que beira a absurdez, tamanho o gigantismo do percurso escolhido - nada menos que, como supracitei, a vida inteira de nós-todos, seres humanos. Em DA EXISTÊNCIA, primeira fase do tríptico, Mariana invade todos os úteros possíveis (Terra, Dor, Cor, Sentido, Homem, Mulher...) e caotiza o fenômeno da abertura inaugural da vida, e até de bem antes, quando ainda éramos/somos apenas uma ideia ou nem isso. E se não há esconderijos, se não há para onde fugir uma vez nascido, o negócio é viver. É assim o começo, que na verdade também é já um fim. Mas do que se trata "viver"? O que é "viver"? Há um sentido nisso tudo se a vida é também a certeza de uma morte próxima e até inesperada? Tal eclosão é dolorida, é sonora, é corada. Tem o sangue dos milênios. O nascer é também um grande sertão. Ser-tão vital.

DA EXPERIÊNCIA, segunda fase tríptica, é sobre a caminhada propriamente dita, sobre os passos, sobre a pujança amadurecida por dentro, sobre uma estagnação perceptiva: a de que estamos indo, mas para onde? Sobre uma pegada já instaurada socialmente ou sobre uma vontade de revolta. A esquina para a direita ou para a esquerda. Um estudo sobre o protagonismo e sobre a resiliência nossa de cada dia. Sim, assim mesmo, um lugar recheado de clichês, não da obra, mas os clichês das vidas que simplesmente vão sem rumo certo para lugar-algum-nenhum. O que perseguimos é colocado sobre uma mesa de discussão. Mariana anatomiza as sanhas, as iras, os recrudescimentos, os instantes de felicidade, as minúcias. Conclusões, decisões e argumentos são debatidos. Mariana põe a mão sobre o mundo e, feito uma ventríloqua, manipula com destreza de aranha tecedeira o não-manipulável, o que nos foge ao alcance dos olhos-nossos-nus de tudo para-sempre.

Na terceira fase, intitulada de DA EXTENSÃO, a autora faz jus ao título e expande todo o panorama normal sobre o fim ou sobre as possibilidades dos fins, pois há na poesia de Tríptico Vital um espaço exclusivamente destinado para o além-morte, mesmo que ainda em tons de segredo ou de uma outra gravidez místico-misteriosa ainda não inspecionada suficientemente. Há um passeio, um tour pelo fundo de todos os poços, um safári por todas as nossas de-composições e re-composições, um diálogo com os mais impressionantes círculos da existência e da resistência mundana. Mariana rompe o breu, amadurece o atordoamento e indetermina, sábia que é, todas as rotas. Tudo isto, com uma classe e um fundamento poético de densidade raríssima em nossos dias. 



breve entrevista com a autora


Germano Xavier: Mariana, desculpe-me, mas eu devo a você uma exclamação após a leitura do seu mais recente livro, o TRÍPTICO VITAL: Que livro, mulher! Fazendo uma alusão e retornando ao seu “Rebento”, poema do seu primeiro livro NEPENTE, eu lhe pergunto: sua intenção ainda é a pura essência?


Mariana Basílio: Não, pelo contrário. Vivo o que atualmente é a concretude do que desenvolvo, no sentido de contexto social e aporte filosófico. Penso que não há essência, ao menos como conceito permanente ou imaterial, que caiba na corpulência do que é a vida em sua materialidade. A pureza, no sentido da palavra, é então feita para ser desfeita. Voz-por-voz, a poesia tem essa função primordial: transformar o que existe em algo ainda inexistente – seja como sensação ou como ideia e resultado.


Germano Xavier: Tríptico Vital é uma imensa jornada pelo ser humano e pela vida dividida em três fases também amplas e complexas. Que fim temos (teremos), Mariana? Que trajetória seus versos implicam?

Mariana Basílio: Tríptico Vital foi meu primeiro exercício literário escrito em uma tomada só, um poema longo, escrito cronologicamente, apresentado cabralinamente: cada subseção e seção apresentam uma luta e uma disputa do eu-lírico, permeado de outras vozes e do passado e presente da humanidade em sua ideia de futuro (que sempre acaba por acontecer). Nesse sentido, é mesmo uma jornada. Como me disseram em janeiro, é uma espécie de épico pós-moderno. Eu gostei da observação, não tinha visto por esse lado. É também minha ideia poética que procura estabelecer diálogos com A Negação da Morte, de Ernest Becker – assim como com as indagações trazidas da morte, o canto pela morte, de Hilda Hilst.

Quem souber que fim teremos, por favor, se apresente em minha residência, a minha casa dos lírios. Será recebida(o) com festa!

Meus versos implicam, entre outras possíveis reflexões, um dos sentidos principais de todos os que já tentaram ou escrevem poesia: emancipar pela palavra os sentidos indizíveis da própria existência, a partir de nossa realidade social.


Germano Xavier: Mariana, a possibilidade de existência para além dos elementos que perpassam a ideia que sabemos/temos a respeito da vida e da morte sempre lhe foi muito ativa em tua poesia. Percebo que o Tríptico Vital também pode ser visto como um esforço seu em se aprofundar neste panorama. O que há de concreto neste meu pensamento?

Mariana Basílio: Tem muita verdade em sua observação. Mas o Tríptico Vital eu não vejo como um esforço, foi mais um processo naturalíssimo de estabelecer um diálogo com o silêncio da minha própria persona de uma forma mais filosófica e crítica, como se eu procurasse apontar para refletir o que seria, enfim, esse retrato da morte em mim. O que fui, o que sou, o que serei? O que, afinal, nós somos? São questões que me acompanharam durante toda a vida, e provavelmente ainda me assombrarão até o fim.

O flerte entre vida e morte para mim é a forma natural do crescimento, a partir do momento em que eu soube que deixaria de existir. Eu me recordo até hoje da sensação, eu era uma criança de oito/nove anos. E fiquei espantada, de mover as nuvens pelos dedos.


Germano Xavier: Fale-nos um pouco mais sobre o processo de elaboração, de escrita e de publicação deste teu belíssimo e profundo Tríptico Vital, Mariana.

Mariana Basílio: A ideia do livro aconteceu após minha residência artística na Casa do Sol, da Hilda. Era outubro de 2014. Nomeei o livro e o projeto surgiu na sequência disso, como um sopro. Costumo escrever livros assim: primeiro o nome (o insight), logo o projeto do livro (o que também pretendo transmitir nele), e depois a escrita (e sucessivas lapidações).
Como o livro surgiu na Casa do Sol, pela inspiração do lugar e coisas que vi e lá vivenciei, além da descoberta da leitura de A Negação da Morte – um dos livros de cabeceira da Hilda – resolvi dedicá-lo a ela, que tanto se intrigava com a temática da elaboração e desenvolvimento (finitude) da vida humana como eu.

Em 2017, fui contemplada com o edital do Prêmio ProAC 32/2017 do Governo de São Paulo para criação literária e publicação dele em 2018. Assim, me aprofundei na escrita da obra, e acabei descartando mais de cinquenta poemas esparsos iniciais, porque percebi que não eram o que buscava com o sentido do livro.

Então, em certa noite de outubro de 2017, tive um insight derradeiro: meu livro seria um poema longo dividido em três partes, com início, meio e fim da vida da eu-lírico. Seria um diálogo entre problemas sociais, filosóficos, existências, particulares e coletivos, em meio a possibilidade da morte que nos pertence.


Germano Xavier: Por fim, quem é a escritora/poeta Mariana Basílio após ancorar no oceano da literatura um Nepente, um Sombras & Luzes e um Tríptico Vital? Há caminho de volta para quem se volta à poesia, Mariana? O que esperar da Mariana para o futuro?

Mariana Basílio: Sou apenas uma autora que vive para procurar a sua verdade, o que sou enquanto possibilidade, enquanto ainda existo. Ainda que seja completamente insuficiente procurar a vida a partir do teatro do absurdo que é fazer/ser literatura.

Mas diariamente continuo fazendo o que mais amo: lendo diferentes autores, traduzindo, construindo a minha verve autoral. Sinto que escrevi ainda pouquíssimo, tão pouco, isso me frustra.

Verdade seja dita: eu detesto meu primeiro livro (Nepente), o tenho como um esboço mal executado, mas necessário para que eu assumisse meu lugar no mundo; o segundo livro (Sombras & Luzes) eu acho até perdoável – em partes, pois ainda estava bastante influenciada pelos estudos dos movimentos literários que me envolvem na formação (como se eu ali buscasse a minha identidade); já no Tríptico Vital sinto que surjo mais regular e autêntica na autoria, pois amadureci mais o meu olhar do mundo, o meu trajeto pessoal também.

O que esperar da Mariana? Nada. Toda expectativa gera frustração.

Só posso dizer que trabalharei cada dia mais intensamente para trazer projetos diferentes. Tudo até aqui é apenas um começo do que espero publicar nos próximos anos, seja no que preparo no campo da tradução (Anne Sexton, Gabriela Mistral, Sóror Juana Inés de la Cruz), seja no romance (meu primeiro livro de prosa deve ser publicado em meados de 2020), ou na própria poesia (meu provável próximo livro, Megalômana, deve sair em 2021).






Mariana Basílio é prosadora, poeta, ensaísta e tradutora. Nascida em Bauru, interior de São Paulo, em 1989. Mestre em Educação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Autora dos livros de poesia Nepente (2015) e Sombras & Luzes (2016). Colabora em portais e revistas nacionais e internacionais, tendo traduzido nomes como May Swenson, Alejandra Pizarnik, Anne Sexton, Edna St. Vincent Millay, Sylvia Plath e William Carlos Williams. Com patrocínio do prêmio ProAC (2017) do Governo de São Paulo, publicou em 2018 seu terceiro livro, o poema longo Tríptico Vital (Patuá). O projeto também foi finalista do programa de Residência Literária do SESC (2018). Mantém o site www.marianabasilio.com.br.


* Imagens: Acervo da autora e http://www.literaturabr.com/2018/12/10/triptico-vital-a-grande-aventura-humana-por-mariana-basilio/

JUNG E O TARÔ - UMA JORNADA ARQUETÍPICA, de Sallie Nichols


 

A economista alagoana Rebeca dos Anjos estreia no canal literário O EQUADOR DAS COISAS explanando sobre as percepções do Tarô, feitas a partir do pensamento de Sallie Nichols, autora do livro Jung e o Tarô - Uma jornada arquetípica. Rebeca irá nos apresentar, a partir de hoje, um mundo de possibilidades diversas e caminhos múltiplos em prol da iluminação humana. Fique atento!

E seja muito bem-vinda, Rebeca!
#jungeotarô #sallienichols #rebecadosanjos #canalliterário #oequadordascoisas

quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Sobre berços e memória: o testemunho de Selbor

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Por Germano Xavier

Demora muito para a gente nascer de verdade – se é que nascemos de mentirinha algum dia. Eis o lugar ao qual chegamos quando se termina de ler SATOLEP, de Vitor Ramil: o berço. O Barão de Satolep, travestindo-se de Selbor, fotógrafo que resolve voltar a respirar seus natalícios caminhos após 20 anos de sumiço pelo mundo, envereda-se por um álbum de memórias congelado, repleto de mornas dores e clandestinos espantos, com os quais objetiva uma sangria baseada no retrato das perdições de um simples ser humano, sensível por natureza.

Em determinado momento, Selbor refresca-se com uma frase do seu amigo Cubano (alusão ao escritor Alejo Carpentier), que diz: “Se tivéssemos viajado puramente através da intensidade da luz e do rigor da paisagem, estaríamos agora penetrando em seu detalhe. Desembarcamos na estação das coisas essenciais”. Percorrendo o que chamou de “grande círculo”, Ramil nos faz embarcar em nossas respectivas reminiscências, impactando novos descobrimentos aos olhos leitores e fazendo brotar flores em meio à náusea cotidiana de nossas existências. Chega uma hora que temos de aprender a ver, como requer seu irmão em determinada passagem do livro. Ver para ver além, ver para ver aquém, ver para simplesmente ver. Obrigatório aprendizado.

É realmente difícil conseguir chegar onde nunca se esteve antes e mais difícil ainda é chegar onde se imaginou ter estado outrora. Existem cidades construídas no solo das ilusões. Existem pessoas que viveram/vivem em cidades que nunca existiram na realidade. Talvez seja o meu caso com a pacata e chapadeira Iraquara, no interior baiano, com a qual mantenho uma relação dual que vai do amor ao repúdio em questão de dois ou três pensamentos. Satolep é um amargo doce para o fotógrafo do livro, que tenta captar uma existência incapaz de se materializar sob a luz vermelha de seu laboratório. “Às vezes, o lugar onde queremos chegar fica exatamente onde estamos, mas precisamos dar uma longa volta para encontrá-lo. O senhor foi na direção do mundo, eu vim para Satolep”, relata Selbor.

Sem se esquivar das trevas nem das luzes diárias, Selbor encara o tempo de frente numa escaramuça duradoura imprópria para corações imaturos. Tendo como sibila a figura do escritor gaúcho João Simões Lopes Neto, Selbor aponta a lente de sua câmera para as janelas de nossas almas e para as paredes de nossos corpos. O que se revela sob a luz vermelha de seu laboratório é antes a imagem branca do mundo, preenchida de nossos vazios tão sedentos, ancestrais e imorredouros. “De repente, sobreviver era insistir na busca de um lugar para pôr os seus restos”. Todavia, é em Satolep que Selbor irá encontrar as formas, cheiros e cores de que tanto precisa para seguir vivendo, mesmo sendo, por vezes, formas sem cantos, cheiros sem encanto e cores sem carinho. Não havia o que fazer, a não ser entrar naquele trem cujo destino era o calor geométrico das coisas.

Este texto foi escrito após a leitura do livro SATOLEP, de Vitor Ramil.


* Imagens: Google.

ELE, de Mailson Furtado


 

Impressões sobre o livro ELE, do escritor cearense Mailson Furtado. #ele #mailsonfurtado #poesia #oequadordascoisas