sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Minhas melhores leituras em 2021


 

Por Germano Xavier


Bem como o 2020, o ano de 2021, definitivamente, não foi fácil. E não tem como escrever algo diferente do que escrevi há 1 ano. O fluxo continua o mesmo... “No Brasil, a situação de penúria foi ainda mais amplificada e visível. Desgovernado desde os saguões de Brasília, o Trem-Brazil, vendido às incertezas de um neoliberalismo irresponsável, descarrilou e assim continua ribanceira abaixo. O real povo brasileiro penou. E penará. Presenciamos tragédias novas a cada dia, muitas delas advindas de um bestial antipresidente eleito. A sirene tocou mundo afora. Uma pandemia! (Sim, a pandemia não acabou...) Muitos foram para dentro de seus aposentos. Muitos, por não terem aonde ir, forçados pela própria necessidade e outros por negacionismos infames de ordens diversas, preferiram as ruas. Ao cabo de todos esses meses, o cansaço, a estafa mental. Todavia, algumas coisas foram fundamentais para me manter vivo. Falo por mim. Para além das aulas ministradas à distância, que se mostraram duras e ineficientes, foram os livros os maiores responsáveis pela manutenção do ar nos pulmões. Li razoavelmente bem durante todo o ano”.

No mais, agradecer preciso a todos os amigos e todas as amigas que fazem comigo o canal literário O Equador das Coisas, no Youtube, aos colaboradores do portal O GAZZETA, ao espaço concedido a mim no portal SÓ SERGIPE. Dizer também um muito obrigado para aqueles que apostaram suas fichas literárias em meu mais recente livro, intitulado de O Homem Encurralado (Penalux, 2021) e que contou com tradução para o francês realizada por Luísa Fresta. 2022 nos reserva grandes emoções. Sigamos, bucaneiros!

E, de novo, ninguém solta a mão de ninguém.

 

Poesia

  1. ELOGIO DO CARVÃO, Marcus Vinicius Quiroga;
  2. RUA DA PADARIA, de Bruna Beber;
  3. CIDADE FINADA, de Thiago Medeiros;
  4. ARAME FARPADO, de Lisa Alves (releitura);
  5. POEMAS RUPESTRES, de Manoel de Barros (releitura);
  6. 26 POETAS HOJE, org. Heloísa Buarque de Hollanda;
  7. SENTIMENTAL, de Eucanaã Ferraz;
  8. EM NOME DOS RAIOS, de João de Moraes Filho (releitura);
  9. CARTAS DE NAVEGAÇÃO, de Nuno Gonçalves (releitura);
  10. ARIEL, de Sylvia Plath (releitura).

Prosa

  1. A IMENSIDÃO ÍNTIMA DOS CARNEIROS, de Marcelo Maluf;
  2. O ALIENISTA (EM CORDEL), Machado de Assis/Rouxinol do Rinaré;
  3. PANDEMIA: COVID-19 E A REINVENÇÃO DO COMUNISMO, de Slavoj Žižek;
  4. O MENINO GRAPIÚNA, de Jorge Amado;
  5. TORTO ARADO, de Itamar Vieira Junior;
  6. O GARIMPEIRO DO RIO DAS GARÇAS, de Monteiro Lobato;
  7. EVANGÉLICOS E PANDEMIA, de Pierre Salama;
  8. TODO DIA A MESMA NOITE, de Daniela Arbex;
  9. PARAÍSO PERDIDO, de John Milton/ Versão em quadrinhos de Pablo Auladell;
  10. LULA (Volume 1), de Fernando Morais.

OBS. A ordem de numeração dos livros não quer dizer absolutamente nada.


* Imagem: Google

PORTUGUÊS DE PORTUGAL E PORTUGUÊS DO BRASIL - A MESMA LÍNGUA OU LÍNGUAS IRMÃS?, por Luísa Fresta


 

Neste vídeo, a escritora luso-angolana Luísa Fresta nos convida a conhecer um pouco mais sobre as semelhanças e sobre as diferenças envolvendo o uso da Língua Portuguesa em Portugal e no Brasil. Você ainda confere mais uma participação inédita da graduanda em psicologia Angélica Nunes, em sua coluna Fala & Escuta.

#línguaportuguesa #portugalxbrasil #luísafresta #conexãoáfricaeuropa #falaeescuta #angélicanunes #canaloequadordascoisas

segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Canções de Uni e Rume (Parte I)


 

O FOGO


abanar o fogo

que brota da terra que

nasce como uma serpente amorfa

de dentro da floresta sagrada


apanhar a faísca nos olhos da noite

a rusga e o cisco em chamas 

a labareda que sementeia a alma na roda

da vida


fazer crepitar o som de nossas fúrias

para curas momentâneas ou eternas


amar o vermelho-amarelo predominante 

a cor-fogo

o corpo-fogo

puro sentimento 


* Inicio aqui uma série de poemas em consequência de minha primeira vivência ao lado de integrantes do povo Yawanawa, ocorrida na Aldeia da Vida (Aldeia/Recife-PE), no último dia 18 de dezembro de 2021. Meu respeito e minha admiração à sabedoria das medicinas sagradas e à tradição Yawanawa.

* Imagem: Google

quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

NICK CAVE E OS GÊNIOS EM CONSTRUÇÃO, por Cristina Seixas


 

Neste vídeo, a professora e artista visual angolana Cristina Seixas continua a nos levar para o fabuloso mundo das ideias de Nick Cave. Você ainda confere mais uma participação inédita da graduanda em psicologia Angélica Nunes, em sua coluna Fala & Escuta.

#nickcave #cristinaseixas #falaeescuta #angélicanunes #canaloequadordascoisas

segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

OS MATIZES DA LÍNGUA PORTUGUESA - CONTRIBUIÇÕES DAS LÍNGUAS BANTU, por Luísa Fresta


 

Neste vídeo, a escritora luso-angolana Luísa Fresta fala sobre a íntima relação existente entre as Línguas Bantas (Bantu) e a Língua Portuguesa. Você ainda confere mais uma dica inédita da psicóloga Angélica Nunes, em sua coluna Fala & Escuta. Hoje o tema é Hábitos Saudáveis.

#línguasbantu #línguasbantas #línguaportuguesa #luísafresta #fala&escuta #angélicanunes #hábitossaudáveis #canaloequadordascoisas

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Sobre "Onde todo tempo é breve", de Sonia Marques




Por Germano Xavier


(Cepe, 2017)


Breve é querer ir onde já estamos. Mundo pequeno demais para anseios de se ir além. Além de quê? Para onde trilhamos? Para onde apontamos nossas proas? Remada fixa em prol do Nada é a Vida? Quem sabe se? Onde todo tempo é breve: alma descoberta. Alma desnuda. Mulher que se abre feito flor, repleta de espinhos, mas doce pois Teu é o reino. Palavras de quem já viveu de verdade. Coisa rara. Palavras de se aprender. De se ensinar. De se ensaiar, também. Uma mulher que se coloca diante dos quandos, das incertezas, das brevidades. Uma mulher que se eterniza nela mesma, em sua plena condição feminina. Extremamente.

Uma mulher e sua voz. Voz embargada, por vezes. Voz dialética. Voz de rio. Voz nativa de si. Águas fundas: Sonia Marques. Que enaltece a Palavra. Que respeita a Palavra. Que se entrincheira. Que sangra desatadamente. Mulher com roteiros prontos na cabeça. Cabeça de sair. Que além de escrever, diz. De ideias simbióticas. Com dores alarmantes, que nos machucam. Que nos apresentam o fosso, ou sua possibilidade escura, gélida, esquizofrênica. Uma mulher-cuidado.

Onde todo tempo é breve: Carpe diem. A fuga para. E depois a Trégua. As tréguas. As esperas bordadas sobre a superfície das faces. As coisas que fizemos que não voltaríamos a fazer jamais. Tudo o que vira apenas carnaval. Os meses de abril em Paris, a lâmina afiada para o próximo corte. O pulso pulsando. Corpo quente em alumbramentos. O descaso de se deixar-paixão. A boniteza que há também no sofrimento. Os poetas. Os poetas. Ah, os poetas! A lua em nós todos. A velhice chegada. Recorte novo para velhas horas. A fruta estranha que brota no asfalto. A grande náusea. 

Suspeitas tantas e tantas outras crises. Medos e devaneios. Os equívocos dos emboras. A expertise. Visão horizontal. A ponta da agulha que é a ponta da escolha. Via Crucis: nascimento. queda. operância. visagem. mácula. castigo. redenção... Mulher de tantas estações em poemas compostos de circunstâncias e de exatidões terríveis. O vazio que também é virtude. O saber ser evidência, fazer barulho, manter a calma mesmo diante dos truques, dos mistérios, das palavras já ditas, das encruzilhadas do outono, da morte. Mesmo diante da vida.


O SOL É PARA TODOS, de Harper Lee


 

Neste vídeo, Cristina Seixas fala sobre um dos maiores clássicos da literatura norte-americana de todos os tempos: O SOL É PARA TODOS, de Harper Lee. Você ainda confere mais uma dica inédita da psicóloga Angélica Nunes, em sua coluna Fala & Escuta. Hoje o tema é Dependência Emocional.

#osoléparatodos #harperlee #porfavornãomatemacotovia #mataramacotovia #fala&escuta #angélicanunes #germanoxavier #canaloequadordascoisas

domingo, 5 de dezembro de 2021

Poemas estranhos e estrangeiros (Parte XIV)


 

Por Germano Xavier


Em busca das sereias do Reno


cedo parti para um último dia de descobertas.

por cima de uma enorme ponte, no oeste alemão,

atravessei o rio Moselle em tom de rápida despedida.

a Alemanha era já uma vontade conquistada.


em Boppard, aportei na Renânia depois de varar alta floresta.

uma região belíssima e com uma deliciosa cerveja de trigo.

logo, a proximidade com o Vale do Rio Reno

e todas as suas entidades lendárias.


atinei para Loreley em minha vã expectativa passageira.

seria mesmo possível ser tragado por seus encantos e cantos?

apostei para ver, e durante todo o percurso fluvial,

entre um e outro castelo medieval à margem daquelas frias águas,

agucei os ouvidos para, quem sabe, viver um momento desafiador.


todavia, como suspeitado, Loreley fez questão de se disfarçar

entre ruídos tidos como menos normais.


certo mesmo é que a minha última primeira visão 

de uma Alemanha quase rural e quase antiga e quase

menos desenvolvida do que realmente é me encantou olhos

e também ouvidos.


"sorte a minha não ter sido tragado por Loreley", pensei.


P.S. Após isso, uma parada em Frankfurt am Main. 

A noite apontava. 

Dormir e voar de volta ao Brasil...


(Colônia, Vale do Rio Reno e Frankfurt, 17 de junho de 2017)



Imagens: Acervo pessoal.

O PERIGO DE UMA HISTÓRIA ÚNICA, de Chimamanda Ngozi Adichie


 

Chimamanda Ngozi Adichie é uma escritora nigeriana e ativista feminista de fundamental importância na atualidade. Em O PERIGO DE UMA HISTÓRIA ÚNICA, a autora nos alerta sobre um grande mal da humanidade. Neste vídeo, você ainda confere mais uma dica inédita da psicóloga Angélica Nunes, em sua coluna Fala & Escuta.

#operigodeumahistóriaúnica #chimamandangoziadichie #companhiadasletras #angélicanunes #germanoxavier #canaloequadordascoisas

sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

ANTES QUE O MUNDO ACONTEÇA, de Daniel Baz


 

Falar de poesia é sempre mais complicado, pelo menos para mim. Por isso, hoje resolvi fazer a leitura de três poemas do camarada Daniel Baz, presentes em seu primeiro livro publicado pela Concha Editora (2016). Você ainda confere as dicas da psicóloga Angélica Nunes, em sua coluna Fala & Escuta.

#antesqueomundoaconteça #danielbaz #conchaeditora #angélicanunes #germanoxavier #canaloequadordascoisas

quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Todas as ilhas nos deixarão partidas

*

Por Germano Xavier


(ou Um olhar sobre a poética de cosimentos de Daniela Delias)

O quê fazer para que se “entenda os desertos” de uma geografia poético-atemporal criada à beira dos silêncios universais de uma casa-mulher que abriga a liberta narrativa espacial das várias bonecas russas que continuam a se desdobrar entre mistérios e simples segredos em nossos locais-de-mais-dentro? De onde beber onde não há o vinho-fonte, a bebida em si nem o lacre, a taberna, mas somente a ilha que banha o imaginário sublime do que é humano? A ilha de Odisseu de onde partimos e aportamos numa viagem vital, única e amaldiçoada pelas brumas do destino que nem sempre manipula... E se bêbados, arautos das insones perturbações, para onde levar as embarcações que podem sofrer, à deriva, a constatação da inexistência das rotas? Para Feácia? A quem esperar, para quem todos os esforços dirigir quando a busca é a fuga possível?

NUNCA ESTIVEMOS EM ÍTACA (Patuá, 2015) é o título da mais nova provocação em forma de livro escrita por Daniela Delias, extrema poetisa do sul extremo brasileiro. Em sua mais recente obra, como que “tocada pelo fogo”, a mão que teceu o belíssimo BONECA RUSSA EM CASA DE SILÊNCIOS (Patuá, 2012) agora dedica a voz de sua poesia ao encontrar-se dos centros e dos inícios das margens que abotoam as nódoas que calcinam toda uma pele do tempo. E ainda que haja ao menos uma centena de olhares possíveis para a obra, é sobre a nívea e augusta dor de ser que Delias embrulha seus indestinos de agora. Deslumbra-se, a palavra, nas mãos alvas de seda da autora nascida em Pelotas-RS, psicóloga e professora universitária. Com a mesma sutileza dos curtos poemas de seu primeiro compêndio, mas repetindo os exageros de consciência poética, Delias definha-se outra vez em confissões ínclitas as mais relevantes possíveis para nos alertar de que tudo neste nossa vida “é quase uma ilha”.

Tal qual a romana deusa Voluptas, “nos olhos antigas ternuras” são repassadas até a fronte do leitor a partir de uma poesia que se inscreve muito diante de um nunca-estar, mas que demonstra um autoconhecimento de impressionante relevo. Delias, num ofício de pescadora, escolhe o mar “e oferece a única face” possível: “um céu de onde se ir” na direção do puir das azuis durezas e das mínimas alegrias que nos formam caminhantes inveterados e incansáveis. O verbo torna-se cigano, ente errante, morador das rústicas torres e gigantes muralhas. A memória de trajetória presente em NUNCA ESTIVEMOS EM ÍTACA não contempla uma parcimônia de Penélope, pois é antes a dança das ondas de uma odisseia por demais particular.

Se “as coisas são o que são”, como escreve a poetisa no poema PLANO ABERTO, forja-se a ideia de que dor e beleza, coevos elementos, bifurcam-se logo no começo das estradas para terminarem sendo os rajares e as estrias que nos impulsionam as pernas peregrinas. Posto que, apesar de “as dores mesmas ainda que belas” não ajudarem a identificar os planos das experimentações e dos limites, “nada sabemos sobre deuses”, já que “não há certezas” nem oferendas místicas que nos impulsione acolhimentos de uma dada eternidade real, tão somente “há essa palavra aberta” onde “duramos além do gesto” e que nos oportuniza a dissecação do sensível.

Às moras do contexto, eis que “o amor deu de nomear as coisas”, todas elas, até as imprestáveis – estamos aqui a falar de crescimentos e maturações. E tal qual um maná que nos chega em formato de chuva divinal, ao sentir “a infância traída pelo deserto” fecundar o solo daninho e fazer “dobrar o riso” dos sorrisos tristes, “o barro antes das mãos” modela um fenômeno lauto de amor nos corações de todos os nossos mergulhos. O afetuoso canto das sereias é dado íngreme, mas reconfortante, pelas linhas de costura da maviosa imaginação da escritora.

Zéfiro, este vento que nos move para-além, ensina-nos que é necessário “morrer de amor” em ênfase diuturna, com força de provação, sem medos nem deludires. Delias, por sua vez, “toma a palavra exército” para alquebrar e alar-nos e “guardar os olhos de Aldebarã” para o ritual das iluminações profundas, já que o sentido mais rude de nossa estelar cegueira “é quando creio em tudo que fere”, como ela escreve em A NOITE.

E diante de abissal pélago, a poética de cosimentos de Daniela Delias encaminha-nos a escolher entre “um beijo de água-viva” ou “uma dança antes do salto”. Como que a lograr a imensidão das descobertas, abrasar toda espécie de desvio, afugentar histórias de perfídia ou impostoras bases... “e seríamos qualquer coisa entre o belo e o absurdo”, definidas dríadas enraizadas ao pé de nossas fomes mais possessas. Diante das adversidades, manter perto a calma, já que “de nossa sede não diremos”. Sê firme, “repara nas fendas”, pois “é só um desfiladeiro” a mais para que vençamos o desafio das nossas travessias.

Em NUNCA ESTIVEMOS EM ÍTACA, a poeta diz “eu gosto dos vermelhos”, “como se toda leveza pedisse janelas” ou fosse “um haicai de Bashô”. Confessa: “eu traçava pequenas cartografias” e tal ato “abrasa equívocos”, como se unicamente desejasse “um gesto que engolisse a boca” ou que tudo findasse livre como em “uma varanda de flores lentas”. Ah, “mas você veria diamantes”, espanta-se, amorosa a voz das intimidades sedutoras, com “uma letra selvagem” a vontade de “despertencer” dos equadores náufragos que dificultam as mais finas especiarias para, como a achar-se hipotenusa, “molhar teu nome” e ir, e ir.

Costureira das redes maternais de seu tempo-instante, Delias sugere: “é preciso respirar pela raiz” e ser “promessa de flor”. Insiste em abrir nossos olhos: “é preciso tão pouco”; “à altura de meus segredos” um “céu aqui” seria o monumento maior das gratidões: seu Zepelim que tudo transpassa. Após contemplar-se na saudade, reflete: “já não quebro espelhos”. Cacos de nós todos “à pedra não pese a palavra”, nem tudo são senões, “há esses rios que secam” e “meu bailar sem peso algum” pode não significar coisa alguma. É “o tempo vestido de antes”, “a desrazão ordenada” e “dessa falta que leva ao fundo” ou “aos desejos do fundo”, “a moça tece embaraços” para “surpreender os vazios” e para tornar “os silêncios mais sentidos”, mesmo “soprando a noite pelas bordas”.

Aparelhada em dedais, poetiza à la Manoel de Barros: “cato minúcias”, “que a madeira cansada contrai” e assim, para sempre em-sempres, “lá vai o homem” que somos, que nunca seremos, que descartamos ou que ainda esperamos ver nascer. O sentido de Ulisses, em NUNCA ESTIVEMOS EM ÍTACA, reforma sua alma ao ver escrito que “a vida coabitava janelas” e que “a fúria dos calendários” é o novelo das “linhas que intentam frágeis costuras”. Por sua vez, Penélope, que há anos o esperou, “pensa na reta que liga” o “tudo ali inexistindo”, “o inventário de uma fuga” num estatuto onde “não há cercas nem cárceres” de onde “não dançamos aquele blues” nem foi preciso “repetir domesticidades”. Penélope é a própria Ítaca desabitada, assim como Ulisses, como eu e como você. Ítaca é a manjedoura que aquece o dorso das crianças que nunca deixaremos de ser.

Ao fim da jornada impressa em suas páginas, NUNCA ESTIVEMOS EM ÍTACA simboliza o grito de uma Penélope ameaçada pelas falácias do mundo, mas que não desiste de enxergar o que o mar pode lhe trazer no próximo leque de espuma branca. Como a beber em Konstantinos Kaváfis, Delias enaltece o caminho, como a dizer-nos QUE VIVAMOS TUDO O QUE FOR POSSÍVEL VIVER!, pois mesmo que o caminhar siga “repetindo aquelas doces mentiras” que ora nos travam ou nos emparedam, “há um nome dentro do meu nome”, um nome feito de esperança - “e dançamos à margem do dia”, estás a lembrar? -, e “há que tomar as vendas” e “alimentar os dragões” da bondade para que os meninos de todas as dinamitadas Gazas nasçam sem o horrível medo do mar. Afinal, todas as ilhas nos deixarão partidas.

Ou chegadas.

NUNCA ESTIVEMOS EM ÍTACA (Patuá, 2015), de Daniela Delias.

Daniela Delias escreve em Sombra, Silêncio ou Espuma

sábado, 20 de novembro de 2021

O MASSACRE DA GRANJA SÃO BENTO, de Luiz Felipe Campos


 

Saiba mais sobre a história de como um traidor e um torturador se aliaram num dos crimes mais bárbaros da ditadura militar brasileira, em um livro escrito pelo jornalista Luiz Felipe Campos. Você ainda confere as dicas da psicóloga Angélica Nunes, em sua coluna Fala & Escuta.

#omassacredagranjasãobento #luizfelipecampos #angélicanunes #germanoxavier #canaloequadordascoisas

quinta-feira, 11 de novembro de 2021

CONFORMA-TE; VOCÊ NUNCA IRÁ SE CONFORMAR, de Urbano Leafa


 

Urbano Leafa é uma das vozes da poesia marginal caruaruense e organizador do Slam Caruaru. Neste vídeo: impressões sobre seu primeiro livro, uma produção independente e que revela um pouco de sua verve de rebeldia. Você ainda confere as dicas da psicóloga Angélica Nunes, em sua coluna Fala & Escuta.

sexta-feira, 5 de novembro de 2021

ARQUITETURAS DE VENTO FRIO, de Walther Moreira Santos


 

Confira neste vídeo minhas impressões sobre o livro vencedor na categoria Poesia do II Prêmio Cepe Nacional de Literatura. Você ainda confere as dicas sobre ansiedade da psicóloga Angélica Nunes, em sua coluna Fala & Escuta.

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domingo, 31 de outubro de 2021

O menino antigo drummondiano




Por Germano Xavier


(José Olympio, 1973)


Livro velhinho, ultrajado pelo Tempo, datado dos idos de 1973. Capa verde, rasgada na lombada, mas com um grande detalhe. Autor: Carlos Drummond de Andrade. Não tem como não ler, desse jeito. Título: MENINO ANTIGO. Uma espécie de continuação de Boitempo I - Memória e base para o Boitempo III - Esquecer para lembrar. Hospedeiro incógnito é o Drummond das mil infâncias ancestrais, mais que suas sete faces tortas. O gauche, ainda, em revisitações e revelações numa poesia inaugural. Não sabe, ele, rever sem mexer nas feridas acortinadas de sua vida, também nossa. O grande poeta maioral do Brasil. Meu muito obrigado, Drummond.

Em PRETÉRITO MAIS QUE PERFEITO, o poeta justifica os nascimentos e os desnascimentos que sofrera, que vivenciara. Espetaculariza a anta dos homens passados, a jacutinga dos ferros mineiros. Enfim, consagra, por si só, o malogro de uma pacata vida de Nadas profundamente admiráveis. Poetiza, ele, antigo num instante que não possui mais, os heróis em regresso, sua terra de gerações-Andrades. Quando nos insere na FAZENDA DOS 12 VINTÉNS OU DO PONTAL, brincante Drummond desqualifica o que temos de posses, avista grandezas miúdas, reitera afeições por naturezas amiúdes, combate o que tem parcimônia e vai. 

Em REPERTÓRIO URBANO, Drummond é menino antigo mais ainda. Conclui que não pertence ao acolá-além-dele-mesmo. Começa a pedregulhar as janelas dos futuros. Atira em tudo que não serve para viver de Verdade. Você sabe o que é viver de Verdade? Sei eu? Ruas o atingem, pessoas o agridem, o vento impoluto, a manhã cinza dos agoras, o frio envenenado das marquizes mortas esculpidas pelo dorso dos sem-teto. Todo um império de costumes mineiros-nacionais é desovado e logo averiguado com olhares legistas. Drummond nos ensina a desenterrar coisas vivas - talvez a coisa mais importante a se aprender. Não escapa viva'lma. Caem todos, por terra, atônitos. E o noticiário ainda vem pelos Correios. O sino das igrejas badala a hora gloriosa: somos uma só procissão que caminha sem saber para onde. Para onde, José? 

O cidadão sem voz, aquele esfomeado que está na correnteza, preso nos galhos invisíveis dos trânsitos num sol a pino que não para de assolar. Drummond é quem nos proíbe de proibir. Tudo parece começar nele. Esse ranço doído em se aceitar somente o vertiginoso-falante desmorona. Tem até espaço para o imortal "doido" das cidades interioranas. Incrível. Impossível não lembrar do "doido oficial" da minha cidade natal chapadeira. Saudade de você, Pequeno! - E Macuca? Ah, mas Macuca não era doido, meu senhor! Macuca era uma entidade, quase um druída! Quase um Deus que lutava contra toda forma de sobriedade humana. Salve, "doidos oficiais" do meu Brasil! Brindemos por vossas heresias!

Já O PEQUENO E OS GRANDES é um caderno sobre política familiar. Sim, invertido. Daquele que postula a favor de certos crimes ligeiros que nos apetecem paixões e desordens infantes. Aqui Drummond chega a debochar dos seus, mas tudo com respeito. Óbvio que não seríamos os mesmos sem a mão em benção diante de nossos pais. Óbvio que poderíamos desprecisar disso, também. Por tanta coisa a mais é que somos o análogo, a água parada da modernidade, que se agrega para romper em cachoeiras, batendo brutalmente contra a pedra mais dura. E quando nem se pensa, aí vem Drummond e corneta. E assim está selado. É trombeta ardendo sons sobre os fogos além-itabiranos. Queima os olhos dos que leem. Córneas em brasa. Íris em labaredas. Drummond é assim: castiga cegueiras que enxergam falsas visões.


sábado, 30 de outubro de 2021

AZALEIA PARA ERVA DE PASSARINHO, de Andréia Pires


 

Confira neste vídeo um pouco do cenário literário do extremo sul brasileiro, através da pena da escritora Andréia Pires. Você ainda confere as palavras de abraçar almas da psicóloga Angélica Nunes.

#azaleiaparaervadepassarinho #andréiapires #contos #conchaeditora #germanoxavier #angélicanunes #canaloequadordascoisas

sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Como O HOMEM ENCURRALADO chega a L’HOMME ACCULÉ, omnipresente e atemporal


 

A série de textos que ora vos é apresentada, da autoria de Germano Xavier, poeta, contista, professor e jornalista, reflete as andanças atribuladas do homem pós-moderno, as suas incongruências e fragilidades. Na visão do poeta, este homem encurralado por um sistema do qual ele é também uma ínfima parte, simultaneamente vítima e cúmplice involuntário, tenta, a duras penas, desfazer-se das teias poderosas que o envolvem, como tentáculos. O materialismo excessivo e sufocante é parte da condenação deste personagem sem saída, moldado por angústias e dúvidas, como a grande maioria dos seres humanos; dir-se-ia que é um homem excluído, transparente, desenquadrado e inclassificável, que não se pode etiquetar.

Identifiquei-me plenamente com a poíesis de Germano Xavier, empolgante e reveladora, peculiar e depurada desde o primeiro verso, como se observa na atmosfera densa que rodeia este homem tão completamente cercado; por isso propus-me traduzi-lo para francês, atrevimento que rapidamente se transformou numa doce rotina até se converter numa necessidade pessoal ou inapelável tentação.

O maior desafio com que me deparei, para proporcionar uma viagem, entre a língua fonte e a língua alvo, e um destino condignos, foi garantir que a mensagem chegava intacta. Nem sempre terá sido o caso em virtude das singularidades de cada idioma e cultura mas o objetivo foi sempre, ao longo do processo, acercar-me desse ideal. Outro escolho – estimulante – foi o facto de eu não ser brasileira, embora falante nativa de português. Germano, como autor brasileiro com ligações a dois Estados, inclui também alguns regionalismos ou marcas culturais muito específicas e singulares. Todos esses aspetos se tornaram numa inesgotável e fascinante fonte de aprendizagem para mim, uma vez que a cultura do Brasil me é muito próxima, por via dos afetos, da literatura, da gastronomia, do cinema e da música, mas não me é inata nem intrínseca; e a nossa aproximação tem sido filtrada no decurso da vida, como é natural, por uma sucessão de eventos inclusive extra literários. Tampouco sou francófona não obstante ter começado a construir, na infância, uma relação de intimidade e respeito com a língua francesa, desenvolvida posteriormente pela via académica, profissional e social. Assim sendo, questiono-me frequentemente sobre o seguinte: será imperativo que o tradutor seja nativo da língua fonte ou da língua alvo? A primeira hipótese garantiria uma compreensão total do contexto e da mensagem, mas a segunda criaria a expetativa de um texto sem mácula, à chegada. Fazer as escolhas tradutórias mais sensatas e adequadas pressupõe também alguma sensibilidade, experiência, conhecimento dos ambientes e intuição por forma a assegurar que a beleza e a força de um texto não saem prejudicadas nessa metamorfose, que se pretende inócua, discreta, invisível ou pelo menos translúcida. No nosso caso, o conhecimento prévio do autor e de parte da sua obra facilitou a familiarização com o texto. Devemos ter sempre presente que uma tradução é uma leitura, uma interpretação, uma proposta, sujeita a ser polida, que não exclui outras soluções igualmente válidas.

Entendo que O Homem Encurralado, “desautor” da sua vida, é submetido à narração diagnóstica do poeta através de versos livres como de prosa poética, assumidamente “engagée”: começa por mostrar-se um homem esvaído de si, caracterizado pela falta de opções, pelas condicionantes externas, pela voz que lhe é roubada, pelos sonhos que não pode ter. Germano deu-lhe forma corpórea e uma condição estável dentro de um conjunto de poemas porventura biográficos. Mais do que um homem ele é sobretudo sociedade, despojos, mundo, presente, alterações climáticas, uma espécie de cicatriz na Terra, com um futuro incerto e muito nebuloso. Em francês procurei manter-lhe o significado, o ritmo, a música abrupta e áspera. Mas sobretudo a emoção, a voz surda, as pausas, os silêncios, a inação. Traduzir o dito e o não dito, os momentos de introspeção, a mágoa cansada da permanência orbital em torno de uma pobreza inconsciente e nua próxima da miséria humana. Ao traduzir procuramos outra voz para expressar o mesmo ambiente. Talvez as palavras não estejam todas lá, talvez algumas sobrem. Outras irão mancando pelo poema até chegarem ao término, que não é um desfecho, mas um recomeço intermitente.

É justificado e legendário o “medo” ou “desconfiança” de alguns autores em relação à tradução das suas obras. Todavia, Germano concedeu-me liberdade total para trabalhar os seus textos e prepará-los para esta viagem inaugural, deixando o homem encurralado à minha guarda com tal naturalidade que fez com que o sentido do dever se acentuasse, como sua primeira tradutora. Oxalá não tenha excedido os limites implícitos dessa liberdade. Se for o caso os leitores perdoarão as eventuais zonas textuais controversas, assim o espero, as derivações da tradução, que é tanto uma adaptação como uma recriação pontual. Ora literal, ora livre, tão dissemelhante ou inconsistente aqui e ali como este homem que agora se diz acculé, l’homme acculé, o tal cuja única esperança reside na força fraterna, indivisa, da empatia do leitor e da poesia.

 

Luísa Fresta

Queluz, 28/12/2020


Imagem: Marcel Gama

CORONAVÍRUS - O TRABALHO SOB FOGO CRUZADO, de Ricardo Antunes


 

O que será do trabalho e da classe trabalhadora após a pandemia do novo coronavírus? Esta e outras perguntas à luz do pensamento de Ricardo Antunes, professor, sociólogo e escritor brasileiro. Neste vídeo, você ainda confere as palavras de abraçar almas da psicóloga Angélica Nunes.

#coronavírus #otrabalhosobfogocruzado #ricardoantunes #germanoxavier #angélicanunes #canaloequadordascoisas

quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Poemas estranhos e estrangeiros (Parte XIII)


 

Por Germano Xavier


Uma espécie de Pequod


o Mar do Norte ainda me acompanhava em pensamento

desde que deixei Volendam para trás.

havia naquele momento uma espécie de chamamento acontecendo.


aí abri a tarde em Marken.

frio, muito verde nas casas de madeira

com janelas abertas e com seus donos nus

andando de um lado para outro em seus cômodos

sem nenhum tipo de preocupação ou pudor, 

como a habitarem um pequeno Éden.


no centro do pequeno condado,

avistei um Pequod ancorado na pequena orla.

fitei a embarcação por um bom tempo.

o frio me aquecia a alma.

recordei viagens que fiz em livros.

foi um instante simples e bonito, e eu precisava

contar isso a você.


(Marken, tarde de 16 de junho de 2017).




quinta-feira, 14 de outubro de 2021

NICK CAVE E OS LIVROS, por Cristina Seixas + A CIRCULAÇÃO DO LIVRO EM ANGOLA, por João F. André


 

A professora e artista visual angolana Cristina Seixas nos traz um relato sobre a relação do músico Nick Cave, seus fãs e a literatura. O escritor angolano João Fernando André fala sobre a produção e circulação do livro em Angola, na África. Neste vídeo, você ainda confere as palavras de abraçar almas da psicóloga Angélica Nunes.

#nickcave #cristinaseixas #olivroemangola #joãofernandoandré #angélicanunes #canaloequadordascoisas

domingo, 3 de outubro de 2021

Ainda assim


 

Por Germano Xavier


se não houvesse mais nada
entre o Éden e o Caos
se o Jardim das Delícias fosse apenas 
uma imagem sem foco na direção do sol
sem bordas nem beiras
sem eiras nem destinação
ainda assim

haveria a Penumbra
a desafiar rotas de espera
caminhos sem futuro
dilemas e dissoluções
ainda assim

uma estrada e a memória
de um lugar sem Tempo
nem resolução



* Imagem: https://www.deviantart.com/poromaa/art/Urban-Objects-183429838

OS PRÊMIOS LITERÁRIOS EM ANGOLA, por João Fernando André


 

Neste vídeo, o escritor angolano João Fernando André fala sobre a problemática envolvendo os prêmios literários em Angola, na África. Você ainda confere as palavras de abraçar almas de minha conterrânea e psicóloga Angélica Nunes e, por fim, também fica sabendo quem foi o ganhador do livro referente ao 22º SORTEIO DE LIVROS aqui do canal.

#prêmiosliterários #angola #joãofernandoandré #sorteiodelivros #angélicanunes #canaloequadordascoisas

sexta-feira, 1 de outubro de 2021

Pelos mares da retranca



Por Germano Xavier


Quando conhecemos um poeta/escritor por indicação de um outro bucaneiro camarada ligado às artes, é lógico que a tendência é a boa surpresa, o contentamento, a boniteza do descobrimento. É quase uma regra isto, raríssimo dar errado. Quando o escritor Rômulo César Melo me falou sobre o Newton Messias, já fiquei naquele aguardo esperançoso. Aí com pouco tempo recebi em casa o livro EM MAR ALBERTO - 101 RETRANCAS (Mondrongo, 2019), e foi como eu ter colocado a bola na marca do pênalti. Estava tudo pronto. 

O livro do Newton é um evento completo. Palco, torcida, árbitros, jogadores (os versos), traves... Newton é o treinador, e por sê-lo escolheu a "retranca", forma poética invencionada e difundida em primeiras doses por Alberto da Cunha Melo, uma espécie de Telê Santana neste estilo de jogo poético. Mesmo eu, meio avesso às formas fixas na literatura em geral, não tive como esconder o engraçamento instantâneo para com as letras que estavam diante dos meus olhos quando da leitura do EM MAR ALBERTO... foi num zás e pronto, já havia lido o rebento do Newton. 

Primeiro: gostei deveras por estar ali aprendendo sobre uma forma de poesia ainda desconhecida para mim. Segundo: o Newton me provou que é um poeta que, apesar de escolher a "retranca", gosta mesmo é de jogar no ataque. E em time que está ganhando, meus nobres, não se pode mexer nem ousar falar mal. Encantado com aquele time de poemas logo de cara, coloquei-me como um torcedor na arquibancada. Fui torcendo, torcendo, torcendo, a cada novo poema, a cada novo terceto, a cada novo quarteto, a cada novo dístico, a cada nova composição. Resultado: o time de poemas que o técnico Newton Messias colocou em campo não só ganhou o jogo, como também se classificou para as finalíssimas do campeonato, universo em que só os bons ou muito aguerridos conseguem chegar. 

O livro está dividido em quase uma dezena de partes: espelho dágua (um poeta mais voltado para si, com toques narcísico-filosóficos bastante proeminentes); água no joelho (um poeta que prefere falar sobre táticas de guerra "literária" e adendos; arrecifes (um poeta livre em seus cotidianos de fé e de voragem); água nos ombros - retrancas de Peroba (um poeta dentro-e-fora do mar, perscrutando a sinfonia de Poseidon; água nos ombros - retrancas de Aldeia (um poeta ainda mais dentro dos chãos e mais perto das luas engaivotadas); sereias: mar aberto (um poeta com os seus, domando a Poesia - leoa marinha); água sobre a cabeça (um poeta ferido, salvo pela dor salina do viver). Ao todo, um bom e grosso apanhado sobre um pouco de todas as coisas do mundo embebido em uma forma estável, porém apta à causa das instabilidades gerais dos instantes.

O livro EM MAR ALBERTO - 101 RETRANCAS nos leva diretamente para os oceanos albertinos das primevas inovações, mas também possui a capacidade de nos revelar maduros traços senso-musicais e semântico-discursivos de um Newton Messias gaio, sabedor das errâncias, obra com águas de lastro suficientes para pousar em cabeceiras insones de leitores ávidos por uma voz de poesia realmente nova e firme. 



entrevista com Newton Messias


Germano Xavier – Newton, por que a Retranca?

Newton Messias – Porque tenho simpatia pelas formas fixas. Logo que conheci as retrancas do Alberto da Cunha Melo, comecei a escrever nessa forma muito interessante e mais na medida para a linguagem contemporânea do que o soneto.


Germano Xavier – Quem é Alberto da Cunha Melo para você e como anda o cenário poético ligado à produção de “Retranca” na poesia nacional? Há algum poeta que usa esta forma em outro país?

Newton Messias – Alberto da Cunha Melo foi um poeta pernambucano de Jaboatão dos Guararapes, falecido em 2007. Sua obra completa foi publicada pela Record em 2017, contendo seus livros lançados e uma grande quantidade de poemas não publicados em vida. Sua obra mais conhecida é o narrativo Yacala, de 1999, todo escrito em retrancas. Em 2018, a editora Mondrongo lançou a Antologia Brasileira da Retranca, com a participação de 35 poetas de todo país, mostrando que o poeta e sua forma não são tão desconhecidos quanto alguns, inclusive eu, achavam.


Germano Xavier – Por gentileza, Newton, fale-nos um pouco mais acerca do seu EM MAR ALBERTO - 101 RETRANCAS (Mondrongo, 2019)? Como foi o processo criativo da obra?

Newton Messias – Em Mar Alberto é o meu segundo livro de poesia, o primeiro, Passagem, foi uma edição pessoal. Comecei a trabalhar com as Retrancas no início de 2017. Estimulado pela Cláudia Cordeiro, grande divulgadora da obra do Alberto, seu companheiro, cheguei ao número de 101 poemas no final de 2018. O Gustavo Felicíssimo, dono da Mondrongo, que tem um livro só de Retrancas, e que conheci pela internet em 2017, topou publicar a coletânea. No livro, passeio por diversos temas: poesia, política, sociedade, religião, amor, etc. A influência da dicção albertina é bem evidente, mas procurei imprimir um estilo pessoal, o que espero ter alcançado. Foi assim.


Germano Xavier – Vou repetir a mesma pergunta que fiz recentemente para o escritor Rômulo César Melo: parafraseando e ampliando o pensamento de David Lodge, para o qual todo texto implica em uma constante troca, envolvendo estruturas formais e todas as aberturas que a vida nos possibilita, o que você pensa sobre a relação Forma fixa (Retranca) x Poesia x Contemporaneidade?

Newton Messias – nenhum poeta cria a partir do nada, apesar de alguns imaginarem poderem fazer algo bom sem partir de alguma tradição. Ilusão. Tenho muito respeito pelos poetas que me precederam, e reconheço no que faço a forte influência de vários deles e delas. Não acho que a forma fixa e o verso rimado morreram. Também não acho que faz sentido escrever sonetos como os parnasianos escreviam. Os temas e o estilo devem refletir as preocupações do complexo mundo contemporâneo, com sua fragmentação, angústias e crises. Valorizo igualmente tanto a tradição quanto a inovação, o passado e o futuro, o verso medido e o livre. As formas estão a serviço da poesia e do poeta, nunca o contrário.


Germano Xavier – Newton, você possui formação em Música. De que forma seus conhecimentos musicais perpassam o seu fazer literário? Há simbiose? Fale-nos um pouco sobre a importância da Geração de 65 para o cenário nacional, suas maiores referências e, se possível, fale-nos também sobre seus planos literários futuros.

Newton Messias - A música me deu um bom ouvido para o som e para o ritmo do verso, sem dúvida, vários leitores já me disseram isso. No mais, não sei como minha formação afeta minha poesia. Espero que você me diga.

A geração de 65 é milagrosa: além do Alberto, gosto e leio Paulo Gustavo, Ângelo Monteiro e José Mário Rodrigues. Também Marcus Accoly, José Luiz, Frederico Spencer, Terezinha, etc. É um grupo que todo poeta pernambucano que valoriza a tradição deve conhecer pela qualidade de seus trabalhos.
Minha influência mais óbvia é o Alberto da Cunha Melo, mais, e o João Cabral de Melo Neto, menos. Também não dá pra escapar do Drummond e da Bíblia.

O próximo livro deve conter mais poemas em versos livres, mas também retrancas, sonetos, redondilhas, haicais, etc. Eu gosto dessa versatilidade em poesia. Minha musa é multiversátil.






* Imagens: http://www.mallarmargens.com/2019/02/12-poemas-de-em-mar-alberto-101.html
http://www.albertocmelo.com.br/2019/03/10/epifania-prefacio-do-livro-em-mar-alberto-de-newton-messias/

quinta-feira, 30 de setembro de 2021

TRANS, de Age de Carvalho


 

Você conhece a poesia do paraense Age de Carvalho? Já dá para colocá-lo ao lado de Max Martins e de Benedito Nunes no panteão da poesia paraense? Neste vídeo, você confere o meu primeiro contato com a poesia de Age. Você ainda confere as palavras de abraçar almas de minha conterrânea e psicóloga Angélica Nunes.

#trans #agedecarvalho #cosacnaify #7letras #germanoxavier #angélicanunes #canaloequadordascoisas

sábado, 25 de setembro de 2021

Poemas estranhos e estrangeiros (Parte XII)


 

Por Germano Xavier


Odin e o Mar do Norte


a expectativa era bonita.

depois de muitos quilômetros, estaria eu

diante da possibilidade de tocar as águas

do Mar do Norte.


Amsterdam foi vista pelo retrovisor logo cedo.

a estrada era o meu caminho.


ao chegar em Volendam, após degustar queijos típicos,

o frio tomou conta da pele. era um primeiro sinal.

dobrei algumas vielas e corredores estreitos da pequena vila

e lá estava, o grande mar nórdico, o templo vivo dos vikings!


quando estou no centro de cosmos históricos,

consigo vislumbrar partidas e chegadas, gentes,

batalhas, alegrias e tristezas. não foi diferente ali.

o Mar do Norte me pareceu carregado de dores, 

suas espumas eram contidas, havia uma lamúria

na cor do que era líquido.


foi olhando para o Mar do Norte que descobri

que nem toda onda dança em festa de corais.


(Volendam, manhã de 16 de junho de 2017)




ALICE E OS DIAS, de Daniela Delias


 

Impressões sobre o terceiro livro de poemas de Daniela Delias, publicado pela Concha Editora. Ainda neste vídeo: as palavras de abraçar almas de minha conterrânea e psicóloga Angélica Nunes.

#aliceeosdias #danieladelias #conchaeditora #germanoxavier #angélicanunes #canaloequadordascoisas

sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Sobre Opusfabula, de Jonatas Onofre



Por Germano Xavier



(Cepe, 2015)



Portugueses em Igarassu. 

O Construtor constrói. A vida. A Boniteza. O Tudo. O Nada. No princípio, era o Vazio. Havia o silêncio. Havia o instante. O princípio mesmo. Uma árvore que estaria ali para ser frutificada, imersa no matagal das Coisas. Aí inventaram, de cara, a espada e a besta. Exalou-se uma amplidão perigosa por todos os muitos cantos. Foi preciso bússula. Começaram a andar de forma torta, os mistérios deixaram de ser resolvidos. Ninguém mais soube em que porta entrar. Todos os nomes se expandiram em místicos sinais. 

Andou-se no escuro.

Vestidos de sono, adentraram matas. Quem não acompanhou, ficou para trás, apagado na escuridão do caminho. Usaram a lâmina sangrenta como lume. Vestiram o futuro de dor, de lágrima, de choro, de lamentação. Índio dormiu quase-nada, quase-nunca. Aceso que nem fogueira, vigiou. Difícil lida. A grande Ausência vagueou. Vagabundos. Geraram amarras e gritos. Geraram prisões. A Linha do Equador não suportou o peso dos corpos. 

Rompeu-se. 

O oceano despenteou um mar de fomes, misérias. A Construção não cessava. Não cessaria, jamais. Era foice eterna. Cabeça nativa era a sede das guilhotinas. Ave Maria, cheia de Graça! O Senhor é convosco? Pernambuco penetrado. Dupla penetração. Gozo. Sagrado profanado. Portos singrados. A língua era a do mal. O entendimento era via única. Manipularam resultados. O exame deu um só: Corpo Morto. 

Embaraçoso. 

Emaranhou-se. Nau. Captura. Surpresa. Virgindades. Virilidades. Atrocidades. Mulher e cria em fuga. Tormento. A palavra, de que vale? De que vale um resto de linguagem? 

Máquina de escombros nascendo. Manjedoura.


sexta-feira, 17 de setembro de 2021

OS MITOS DE CTHULHU, de Esteban Maroto (H.P. Lovecraft)


 

O quadrinhista espanhol Esteban Maroto adaptou três contos do escritor norte-americano H.P. Lovecraft para os quadrinhos. Lovecraft é considerado um dos maiores escritores do horror/terror e criador de toda uma mitologia cósmica de dar calafrios aos mais corajosos leitores. Todavia, muito cuidado, Cthulhu pode estar vivo!

#osmitosdecthulhu #estebanmaroto #hplovecraft #germanoxavier #canaloequadordascoisas

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Palavras paridas


 

Por Germano Xavier e Leilane Paixão


as palavras estão cansadas

de comunicar. as palavras querem férias,

farão uma greve, reivindicarão

a presença do silêncio.


as palavras estão cansadas,

muito fatigadas de informar. as palavras querem

se esvaziar. as palavras odeiam repetição, 

estão fartas de bocas sujas

que profanam os seus sentidos.


as palavras querem silenciar, 

para se mostrarem quando necessário for, 

em suas esplendorosas

vocações de ser.


que se cancele a greve das palavras

apenas quando elas estiverem grávidas

de sentido!


| as palavras querem parir |


as palavras querem homens e mulheres

gestantes, homens e mulheres poetas,

capazes de enxergar a beleza das coisas.

as palavras querem servir ao Belo.

as palavras são divinas!


está feito. e que se decrete a greve das palavras!

registre-se. cumpra-se!



* Imagem: https://www.deviantart.com/slipperykarst/art/palavras-perdidas-87508000

sábado, 11 de setembro de 2021

RECOMENDAÇÕES PARA UM ANO IMPOSSÍVEL, de Germano Xavier


 

Leitura do poema "Recomendações para um ano impossível", presente na antologia SÓ A POESIA SALVA, da Editora Primata. Ainda neste vídeo, o colaborador James Wilker revela mais uma excelente dica de leitura.

#antologiasóapoesiasalva #editoraprimata #germanoxavier #canaloequadordascoisas

sexta-feira, 10 de setembro de 2021

Deriva perversa


 

Por Germano Xavier


o poema é o Grande Objeto

sobre o qual invisto,

obsessivamente,

minhas vias de afeto.


a palavra, imersa em poesia,

acentua o gozo e segmenta o prazer

numa trajetória sólida de sentidos

ou numa deriva perversa.


Imagem: https://www.deviantart.com/patrickleborgne/art/Eolienne-650708934

CRISE E PANDEMIA, de Alysson Leandro Mascaro + DICAS DE JAMES WILKER


 

Neste livro, o professor Alysson Leandro Mascaro, entoa sua voz sobre a crise global do novo coronavírus (COVID-19) e esboça possíveis caminhos para um final feliz (ou menos triste) em toda esta história. E ainda neste vídeo: nosso colaborador James Wilker revela mais uma excelente dica de leitura.

#criseepandemia #alyssonleandromascaro #germanoxavier #jameswilker #canaloequadordascoisas

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Sete de Setembro


 

Por Germano Xavier


o genocida

sobrevoa o golpe

as imagens em giro

sufocam o verde e o amarelo

da bandeira


formigas tontas formigam

na grande avenida

o conselho teme

o inconsciente investiga a tristeza


que país se manifesta

quando até mesmo a morte

vive com fome?


Imagem: https://pcdob.org.br/noticias/investimento-no-pais-retrocede-20-anos-com-golpe-bolsonaro-e-pandemia-2/

O PARATEXTO (AS ILUSTRAÇÕES NA LITERATURA), por Luísa Fresta


 

"No mês de junho apetece falar sobre literatura infantil, porque embora as crianças estejam sempre no centro das nossas preocupações, temos duas datas, o primeiro de junho e o 16 de junho, Dia Internacional da Criança e Dia da Criança Africana, que não passarão nunca em brancas nuvens...", assim nos recorda Luísa Fresta em seu texto "Livro Infantil - Texto e Paratexto". Neste vídeo, Luísa dá destaque em sua fala a um dos principais elementos paratextuais ligados à produção de textos infantis e infantojuvenis: a ilustração. Estejam todos atentos!

#paratexto #ailustração #literaturainfantojuvenil #luísafresta #canaloequadordascoisas

terça-feira, 7 de setembro de 2021

Sobre Miragem, de Socorro Nunes



Por Germano Xavier


(Cepe, 2015)


Quem é daqui sabe que o terreno é áspero, é rugoso, aberto em fendas. Quem é daqui sabe que planta morta, na verdade, é planta viva. Vivíssima. Sabe que o sertão é uma espécie de Deus, onipresente. Uma grande autoridade no meio do Tempo. Que o que se empurra para o passado é apenas um esboço do futuro, de um futuro que às vezes demora em chegar. Mais distantes dos olhos ficam os homens dos acolás, que nem suspeitam da beleza virginal das caatingas. Os homens dos acolás rodeiam o mundo de cá com seus olhos secos de amor e enxergam apenas o que esperam. E suas esperas são tão curtas que nem.

Sertão-nós.

Ser tão só e somente ser o verdume dos xiquexiques, extremo rompimento e sabedoria de convivência com tudo aquilo que há de mais amargo nas andanças nossas de cada dia. Senhor, imperai  por nós destinos mais azuis cor de céu chuvoso em cinzas líquidos! Somos criaturas pós-solares sem inverno de alma. Somos as alquimias torrenciais dos abraços calorosos. Caudalosa é a nossa matéria em humanidades. Miragem é só a revivente vontade de que se viceje o que não for de ordem efêmera e que seja, sim, perene, o ir: rio que desanda.

Titã desassombrado é o sertanejo. 

Cria resistente de uma Canudos que nunca se abandona, que nunca se retira, que jamais dá para trás. Conselheiro é Hércules do Sertão. Não morre a vida quando a morte é injusta, quando o abalo é sem sentido, quando a paisagem se desnuda em brotos de sangue nem quando o carcará plana sobre os cadáveres sem luta a mais, abatidos em chão silvestre. Quem é daqui sabe que umbuzeiro vivo é esperto a ponto de se permitir várias mortes, pra adoçar depois as fomes dos meninos e das meninas que correm léguas de brincar. Canudos não se rendeu nem vai.

Canudos resiste e ainda é o último sonho possível. 

Nada aqui neste regaço esturricado é noite vulgar. Guardamos a esperança em baús de enfrentamentos. Franzinos são os corpos, adamastores são as almas. Sertão é tormento só na cabeça dos homens de lá, dos de acolás, dos homens que não. Morre quem não se cansou de lutar, vive quem soube sobreviver. Por isso o gigantismo, a força descomunal, a saúde de cacto, todo um manual de como escapar. Por isso nossa severina sanha de querer lugar. Deus está aqui, conosco. Impávido. Colosso. Quem é daqui, sabe. Quem é daqui, sabe.