Por Germano Xavier
(Cepe, 2015)
Quem é daqui sabe que o terreno é áspero, é rugoso, aberto em fendas. Quem é daqui sabe que planta morta, na verdade, é planta viva. Vivíssima. Sabe que o sertão é uma espécie de Deus, onipresente. Uma grande autoridade no meio do Tempo. Que o que se empurra para o passado é apenas um esboço do futuro, de um futuro que às vezes demora em chegar. Mais distantes dos olhos ficam os homens dos acolás, que nem suspeitam da beleza virginal das caatingas. Os homens dos acolás rodeiam o mundo de cá com seus olhos secos de amor e enxergam apenas o que esperam. E suas esperas são tão curtas que nem.
Sertão-nós.
Ser tão só e somente ser o verdume dos xiquexiques, extremo rompimento e sabedoria de convivência com tudo aquilo que há de mais amargo nas andanças nossas de cada dia. Senhor, imperai por nós destinos mais azuis cor de céu chuvoso em cinzas líquidos! Somos criaturas pós-solares sem inverno de alma. Somos as alquimias torrenciais dos abraços calorosos. Caudalosa é a nossa matéria em humanidades. Miragem é só a revivente vontade de que se viceje o que não for de ordem efêmera e que seja, sim, perene, o ir: rio que desanda.
Titã desassombrado é o sertanejo.
Cria resistente de uma Canudos que nunca se abandona, que nunca se retira, que jamais dá para trás. Conselheiro é Hércules do Sertão. Não morre a vida quando a morte é injusta, quando o abalo é sem sentido, quando a paisagem se desnuda em brotos de sangue nem quando o carcará plana sobre os cadáveres sem luta a mais, abatidos em chão silvestre. Quem é daqui sabe que umbuzeiro vivo é esperto a ponto de se permitir várias mortes, pra adoçar depois as fomes dos meninos e das meninas que correm léguas de brincar. Canudos não se rendeu nem vai.
Canudos resiste e ainda é o último sonho possível.
Nada aqui neste regaço esturricado é noite vulgar. Guardamos a esperança em baús de enfrentamentos. Franzinos são os corpos, adamastores são as almas. Sertão é tormento só na cabeça dos homens de lá, dos de acolás, dos homens que não. Morre quem não se cansou de lutar, vive quem soube sobreviver. Por isso o gigantismo, a força descomunal, a saúde de cacto, todo um manual de como escapar. Por isso nossa severina sanha de querer lugar. Deus está aqui, conosco. Impávido. Colosso. Quem é daqui, sabe. Quem é daqui, sabe.
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