terça-feira, 13 de outubro de 2020

“SIGAMOS, BUCANEIROS!” – uma viagem histórica com Germano Xavier

Eu e as Frestas (Zeza e Luísa).
Lisboa, Janeiro de 2020.

 

CEM TEXTOS/SEM CENSURA


Quando, há sete anos, tomei contacto com o blogue O Equador das Coisas, eu não podia imaginar o que poderia nascer de uma parceria que ainda nem estava no horizonte.

Na altura dava os primeiros passos no mundo da escrita (publicada), sobretudo na imprensa. Queria participar em projetos literários em vários países lusófonos, para além das minhas duas mátrias: Angola e Portugal.

Se por um lado existem afinidades naturais com outros países dos PALOP[1], por partilharmos língua, aspetos históricos e culturais, por outro lado há uma ligação muito forte ao Brasil, país ao qual nos unem igualmente laços seculares e que para mim sempre foi uma referência em termos de literatura, desde criança. Já o mencionei noutros contextos mas relembro aqui que durante a minha infância e adolescência, mesmo não tendo muitas vezes água, eletricidade ou acesso a bens de primeira necessidade, por via da guerra, em Angola, tínhamos livros de bolso entre os quais se contavam obras de Jorge Amado, Érico Veríssimo ou José Mauro de Vasconcelos. Essas obras são parte da minha identidade como leitora.

Foi em 2013 que Germano Xavier me abriu as portas da sua casa literária, denominada O Gazzeta, uma vez que O Equador das Coisas era um blogue pessoal que eu continuo, aliás, a seguir com o maior interesse, dada a sua qualidade e multiplicidade de temas e géneros. Não nos conhecíamos mas a reação foi muito calorosa, de tal maneira que não me senti escrutinada nem censurada e comecei a enviar-lhe regularmente alguns textinhos meio rudes e com fragilidades, mas que ele aceitou de coração aberto. Sobre livros, cinema, pintura, música, algumas criações próprias também (ficção), em prosa. Assim nasceram, nomeadamente, as séries dedicadas ao cinema africano, ao cinema lusófono, contos-crónicas agrupados com a designação genérica de Memórias Inventadas e Ficha de Leitura, a mais recente das séries, sendo que todas estão ainda em aberto.

Percebi depois que Germano é o tipo de pessoa que ensina sobretudo pelo exemplo. Professor, escritor e jornalista, de um dinamismo singular, tornou-se ao longo do tempo num parceiro literário inestimável. Mostrou-se um colega experiente e original, sem medo de arriscar, porém prudente e sensato, coerente e persistente. Com o tempo tornou-se um amigo ímpar, mais novo na idade e mais velho no saber, capitão de uma frota de navios: não sei, sinceramente, como consegue capitaneá-los com tanto equilíbrio, segurança e destreza.

Sinto-me orgulhosa por estar incluída em várias iniciativas com a sua assinatura. Neste caso, falando de O Gazzeta, o motivo da celebração é o facto de contar agora com cem textos meus no blogue, prova de grande generosidade do seu criador, que abriu o espaço inicialmente dedicado à Chapada Diamantina para outras regiões e países, estimulando a diversidade de estilos, saberes, assuntos e pontos de vista.

Na verdade o centésimo texto é “Americanah, de Chimamanda Ngozi Adichie (Ficha de Leitura)”, publicado no blogue a 3 de outubro último. E o primeiro? “O mundo de Vinicius”, editado a 25 de novembro de 2013, assinalou o início de uma já longa e feliz colaboração.

Pelo meio temos desenvolvido outras experiências divertidas, quer no blogue coletivo quer no pessoal. Atrevi-me a traduzir algumas séries de poemas de Germano para francês (As árvores amorosas, O homem encurralado, As coisas minhas de Sophia e finalmente Trompetes para Ennio, entre outros textos poéticos sem etiqueta). São traduções não revistas que resultam apenas da forte vontade de tentar outra orquestração para poemas fundamentalmente belos e densos, joias únicas que me inspiram particularmente. Criámos também um projeto que ainda tem sementes para frutificar, pois alimenta-se do quotidiano: Entre Mares e Marés, Conversas Epistolares: trata-se de uma troca de missivas ao longo dos últimos cinco anos, entre dois personagens (Clara e Viana, nossos outros antropónimos) que nos representam, a mim e Germano; cartas magnificamente ilustradas pela Cristina Seixas, desenhadora/ilustradora ligada à corrente Urban Sketchers e professora luso-angolana, que agora é também parceira no blogue e no canal do Youtube O Equador das Coisas.

A primeira carta data de 24 de abril de 2015 (Germano, sendo um cavalheiro, concedeu-me o pontapé de saída!). E começa assim:

“(…)Viana?

Sei que ficarás surpreendido com este primeiro recado. Nem ouso chamar-lhe carta. Sabes, a bem dizer, não escrevo uma desde os anos 80. Apenas notas, palavras dispersas, ideias caóticas amarradas à força umas às outras, letras ao vento. Mas não uma carta no sentido de relatar minudências, trivialidades, falar de coisas que só para mim têm algum relevo e que talvez te despertem também a atenção. Tu tens olhos de ver e não te ficas pela superfície. (…)”

Temos ainda a recordar com grande alegria uma pequena participação numa das edições físicas do jornal O Equador das Coisas, magazine de grande beleza e conteúdo que me leva a citar outra pessoa de raro talento, generosa e dedicada, que venho descobrindo através de Germano: Carol Piva.

Antes de começar a ficar chata (já vai tarde, não é?) tenho ainda que referir que Germano apresentou um livro meu de poesia (Março entre Meridianos) aquando do lançamento da edição lisboeta, em julho de 2019, junto com os poetas Manuel Iris (mexicano) e Cíntia Gonçalves (angolana). E como foi isso possível, uma vez que nenhum dos três vive em Lisboa? Resolvemos o “problema” de forma prática: esses textos foram lidos no local pela Carol (minha filha), pela Maria Fernanda Silva (poeta portuguesa) e pelo amigo Olímpio Neves, com o seu bonito timbre de rádio. Para mim foi muito importante ter todas essas pessoas que tanto estimo e respeito à minha volta, os autores dos textos e quem lhes deu voz. E também uma oportunidade de ouro para consolidar a aventura literária com Germano, que ao longo destes anos tem apresentado diversos textos críticos e vídeos com a sua leitura do meu trabalho. Após sete anos de convivência e troca de experiências tivemos a oportunidade de nos conhecermos pessoalmente e de estreitar laços com os respetivos familiares. É um privilégio dado a poucos, um presente da vida.

Para terminar, vou agradecer efusivamente não apenas a Germano Xavier, pela abertura e ensinamentos, pela tolerância, mas também a todos os companheiros/as e amigos/as que fiz ao longo destes anos através de O Gazzeta, aos colegas redatores, oriundos das mais diversas áreas. Os vossos textos e vídeos são fonte de aprendizagem e também de bem-estar. Aprender pode e deve ser prazeroso e divertido.

E também, necessariamente, a quem nos lê, vê e escuta, com paciência, curiosidade e mente aberta, no blogue e no canal. Caso contrário estaríamos a “falar para o boneco”, como se diz neste jardim à beira-mar plantado de onde vos escrevo.

Espero ter ocasião de contribuir durante mais sete anos, pelo menos, com a mesma alegria e energia, junto de companheiros de jornada e amigos tão brilhantes quanto surpreendentes, na sua humanidade e pluralidade cultural e geográfica.

 

Luísa Fresta

Lisboa, 9 de outubro de 2020



[1] Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa.

2 comentários:

Rozana Gastaldi disse...

Que declaração de amor! Aliás ouso dizer uma das mais belas e produtivas relações literárias que tenho acompanhado. Recente de minha parte é vero, umas bênçãos de 2020, ano totalmente atípico em todos os sentidos. Primeiro conheci Germano Xavier pelas redes sociais, convidando para conhecer seu canal e integrar um grupo de divulgação para o "Equador das Coisas" e depois, totalmente encantada pela parceria de vocês nas cartas: "Entre Mares e Marés, Conversas Epistolares. . Amei, amei! Parabéns aos dois, ganhamos todos nós, sem falsa modéstia!

Germano Viana Xavier disse...

Rozana, você também vem se tornando muito especial para todos nós. Muito obrigado por se manter presente até então e muito obrigado por nos ajudar em tantas coisas e além. Amizades assim são muito importantes.

Abraços do Equador.