terça-feira, 5 de novembro de 2019

Sobre "Paulatim", de Paulo Gervais




Por Germano Xavier



(Cepe, 2017)


"Tulerunt clavem?"


Peguei a chave. Mas a chave para abrir a Poesia não é uma qualquer-chave. Tem de ser chave-mestra, com várias possibilidades. Dentro ou fora, das duas: uma. A Poesia é Hydra de Lerna. Corta-se, envereda-se, mas ela se amplia. Não há esgotamento. Não há fim, só interstício. Para abri-la, é necessário delicadeza e tempo. Assim se levanta o pó enquanto o vento dura, já dizia Antônio Vieira. Tulerunt clavem? Sim, peguei a chave. Ou teria sido o contrário? Para onde ir depois que entramos? Há saída?

Fugiremos deste mundo ao menor envolvimento com a morte. A morte pode estar em qualquer parte ou em parte alguma. A morte é um Touro. Touros pastoreiam nossa verdes esperanças. Os Touros não morrem nunca, por mais que os espetemos com adagas ou com sabres ou com estiletes seus respectivos e grossos dorsos. Haverá sempre um Touro a ser enfrentado, na vida. A morte nunca deixará de ser. O chão da Terra faz brotar novos Touros, enfurecidos e vingativos. Correr será sempre uma proposta para quem.

Para nossas mortes e para nossos momentos de não-morte, escolheremos nomes. Convencionaremos, como assim o fazem majoritariamente. E dentro dos vasos que nos amparam serão aparados apenas os licores sem arrependimentos, a lágrimas que nunca foram vertidas, as dores que jamais foram gritadas. Para além das raízes, o Nome, assim justo, assim Belo. O Nome, para que fiquemos apenas nele, enluarados, feito linguagem máxima da existência. Feito "Paulatim", de Paulo Gervais. 

Paulatim: poesia de quem já andou. Pés para cima e para baixo. Itinerários. Poesia que serve para abrir as portas dos céus e dos infernos, nossos. Para abrir as portas da Percepção. Tudo planejado: como não ter planos. Homem X Solo X Sagrado. Do jeito que admiro e outros muitos, também. Uma poesia sem marcas, dormida ao sol do meio dia e fria como a madrugada mais gélida. Para pensarmos sobre nossos cálculos vitais, sobre o que importa realmente ou não. Pois até mesmo este discurso aqui pode não durar o suficiente para mover algo.


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