Por Luís Osete Ribeiro Carvalho
É possível que não haja epíteto mais preciso para definir a ventura humana do que o título deste livro de Germano Xavier: O Homem Encurralado, que Luísa Fresta verteu para a língua do bicentenário poeta Charles Baudelaire como L’Homme Acculé. Quinze anos depois de seu primeiro compêndio poético, intitulado Clube de Carteado (2006), Germano se firma na busca obstinada por desvelar o porto dos disfarces da sórdida engrenagem social onde ancoramos a nossa indubitável condição de náufragos do caos.
A matéria que enlaça os cinquenta e um poemas sequenciados em algarismos romanos, desde o anúncio de Nulla até o crepúsculo de L (ou Um fim), corporiza as várias dimensões cotidianas do encurralamento contemporâneo. Imerso em um rude cenário pandêmico, o poeta avista da janela o mais fundo das nossas retinas e sintetiza a rija paisagem que sobra de alguma coisa móvel que se desassossega no ar.
Invisível, imprevisível, frio e febril, o novo coronavírus é o cavalo ensinado do nosso gigante Nada sobressalente, do nosso imenso Tudo inquietante. É, na metáfora poética que o presente faz desver, a gota d'água da grande catástrofe que desveste as cercanias do curral e, no murmúrio seco das vistas sem fé, atualiza o desamparo telúrico do dilúvio universal.
Como resultado da inundação suprema, inscrita em tantas narrativas míticas, resta uma humanidade purificada e preparada para renascer sobre rastros desmanchados, paisagens desfiguradas, povos exterminados, memórias apagadas. Mas, antes de girar a manivela do fim, há o sopro divino no ouvido de alguém que possa contar | e cantar | o lugar em que se forma o silêncio, preenchendo de sentido | um texto de dúvidas | um novo mundo desenterrado pela palavra.
E é aí que toma alma e carne o osso temporal da orelha interna de alguns poetas, como Germano, que se lançam a certa prática de escritura, ao trazer notícias do dilúvio, ao iluminar o arquétipo da sombra, ao experimentar o dentro/fora do vazio e ao converter a trama em desejo, o caminho em leitura, o trajeto em relato. São esses vates que atravessam a devastação terrena como se mergulhassem, intrépidos, no mar aberto do existir.
A experiência poética que aqui submerge, em meio à perplexidade da descoberta das nossas múltiplas fragilidades, revela os destroços coletivos na praia de todos os naufrágios, como Regina Correia escreve no luminoso posfácio desta obra. Em inspirada mirada crítica sobre o Eu-Nós do Homem Encurralado, Regina reúne as tábuas do cercado e edifica uma arca de sentidos para uma precisa navegação na imprecisão dessa vida confinada que Germano poetiza.
Há salvação para a grande catástrofe no horizonte da linguagem. E o convite é para você, ser vivente encurralado, sem exceção alguma, adentrar as páginas desta estrada literária e essencialmente inconclusa: entre o céu e o poema // entre a terra e o poema // entre a viagem e o poema // entre // e tente ficar.
O Homem Encurralado - Edição Bilíngue.
Tradução para o Francês: Luísa Fresta
(Primeira parte da Trilogia do Centauro)
Editora Penalux - 2021.
Pré-venda disponível em: https://www.editorapenalux.com.br/loja/o-homem-encurralado
Germano Xavier nasceu em Iraquara, Chapada Diamantina-Bahia, em 1984. É jornalista pela UNEB e mestre em Letras pela UPE. Publicou o livro Clube de Carteado (Franciscana, 2006). Seu livro de contos intitulado Sombras Adentro (ainda não publicado) foi finalista do IV Prêmio Pernambuco de Literatura (2016). Em 2021, publicou o livro O Homem Encurralado (Penalux), que compreende a primeira parte da Trilogia do Centauro. Escreve para encontrar o equador de todas as coisas.
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