Por Germano Xavier
Em se tratando de crítica literária, todo olhar inteligente sobre algum texto ou alguma produção intelectual maior ou mais bem elaborada deveria ser, antes de tudo, um olhar ingênuo, possuir dentro de si e de seu campo de visão um primeiro foco baseado essencialmente na ingenuidade. É somente o olhar destituído de maquinações ou estratégias de ação mais contundentes que pode melhor construir toda uma esfera de complexidade crítica de que se necessita para o desempenho de qualquer atividade de investigação. A ingenuidade dos olhos é quem produz a mais verdadeira causticidade, elemento indispensável para o leitor profissional ou mesmo para qualquer tipo de pessoa que se legitime enquanto bom leitor. Deste modo, o caminho para o urgente distanciamento existível entre o leitor e a obra se abre de maneira facilitada, o que ajuda – e muito – no processo de construção do discurso crítico. Assim, o sujeito de criticidade invade o objeto com mais firmeza de análise e sobrepõe-se a ele, fazendo com que o objeto passe a estar inteiramente em seu domínio.
Hoje, nos mais diversos meios de comunicação, seja no Brasil ou no mundo, o que se enxerga é um bando de intelectuais (como eu poderia dizer?) maquinados, robotizados, manipulados por ordens expressas de método e técnica, capacitados para complicar o que muitas vezes é simples, habilitados para descomplicar o descomplicável com receitas baseadas numa estética do adorno calculado. Falta a eles – e a nós também, críticos por natureza – o redescobrimento da ingenuidade e de seu poder de persuasão. Falta-nos o primeiro olhar, mesmo que corrompido, mas o primeiro olhar. O olhar que é feito de espanto, de um susto irremediável, um olhar apaixonadamente lúcido, um olhar amante por excelência, que por sua vez é também um olhar de dúvida, de incerteza, um olhar perdido e com medo da multidão no objeto. Mas um olhar sem covardia, que olhe para o interior das coisas sem precisar descascá-las, um olhar mágico-mítico, ou melhor, um olhar corajosamente ingênuo.
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