segunda-feira, 19 de setembro de 2022

O ALQUIMISTA, de Paulo Coelho


 

A escritora luso-angolana Luísa Fresta comenta o livro O ALQUIMISTA (L'Alchimiste), de Paulo Coelho. Romance alegórico do escritor brasileiro, a trama segue um jovem pastor andaluz em sua viagem ao Egito, após ter um sonho bastante misterioso. O Alquimista já vendeu mais de 150 milhões de cópias mundo afora, um verdadeiro fenômeno editorial. Ainda neste vídeo, mais uma participação preciosa de Angélica Carem.

#oalquimista #paulocoelho #romance #romancealegórico #oequadordascoisas

Sobre quem coleciona baleias



Por Germano Xavier


Fico imaginando o Rômulo César Melo acordando, ligando seu computador e saindo logo em seguida para colecionar suas baleias particulares. Todos nós temos as nossas baleias particulares, de estimação, fardos pesadíssimos até. E são tantas... Violências, perdas, dúvidas, mistérios, dores, pequenas felicidades e curtas alegrias, extensões nossas de um cotidiano cada dia mais cruel. As baleias são os nossos fantasmas, que não costumam avisar quando irão surgir no meio do nada e causar aquele espanto de brotar brava taquicardia.

Nessas horas é que passamos a entender um pouco mais sobre a grande fúria acometida ao Capitão Ahab... Moby Dick era o seu destino, sua redenção, seu modo de vencer a vida. “Eu não conheço tudo que vem pela frente, mas seja o que for, vou enfrentar gargalhando”, diz Ahab em uma das passagens clássicas da obra-prima de Herman Melville. E quando não conseguimos lidar com os nossos cachalotes, que tipo de mergulho é para se dar?

O livro O COLECIONADOR DE BALEIAS (CEPE, 2018), do autor recifense Rômulo César Melo, desafia nossa visão acerca de nossas rotinas e de nossos respectivos sensos comuns. Faz, com uma serenidade filosófica, com que entremos todos (nós leitores) numa mesma barca e nos sintamos singrando mares nunca antes navegados, apesar das temáticas e das problemáticas tratadas no livro serem bastante comuns e, por conseguinte, deveras verossímeis.

Um livro de contos ao bom molho, onde a ordem dos fatores não altera a soma de todas as nuances lítero-linguísticas, como tem de ser, creio. Um livro de perspectivas, calmo até certo ponto: o de mutação. Climático, improvável, uma obra aberta, como preconizava Eco. Rômulo não aborta os não-ditos, os interditos, afere o desconhecido como quem calcula sem o uso de postuladas e já vencidas fórmulas. Rômulo: pescador de inquietações massacrantes, de perturbações silenciosas, de belezas recônditas, um fabricante de redomas transparentes, ensinador de caminhos tortos.

O COLECIONADOR DE BALEIAS é composto por 17 narrativas. Rômulo César Melo é pai também dos livros “Minimalidades” e “Dois Nós na Gravata”, este um dos vencedores do II Prêmio Pernambuco de Literatura de 2014. É muita água, bucaneiros, muita água que há no mundo, muita água que há n’O COLECIONADOR DE BALEIAS, livro feito o sal que nos mata lentamente, que nos resseca por dentro, que nos faz inchar, que aumenta a nossa pressão. E feito o remédio (des)controlado dos nossos futuros, também.


entrevista com o autor...



Germano XavierRômulo, responda-me, por gentileza: o que o seu livro de contos O COLECIONADOR DE BALEIAS (CEPE, 2018) não quer mostrar ou não ousa dizer?

Rômulo César Melo – Não quer mostrar o rosto do autor e nem ousa dizer suas opiniões sobre os temas ali elencados. O Colecionador revela algumas impressões sobre o mundo, a sociedade, as nossas misérias, sob a perspectiva de seus narradores, que não são eu; mas, não sou eu, sendo. Parece confuso, todavia acho que existem duas formas de entender a expressividade do autor por meio da escolha de seus personagens ou narradores. A primeira, a consciente, quando se quer contar uma história que traz um juízo de valor ou uma bandeira de uma causa importante ou o desejo de mostrar a indignação com um fato real acrescido das tintas da ficção. Isso aconteceu, por exemplo, no conto "Bárbara", que trata do linchamento e morte de uma mulher numa comunidade carioca apenas por se parecer com uma criminosa. A segunda, a mais intrigante, a inconsciente, suscitada nos consultórios de Psicologia. Dizem que tudo que colocamos nos nossos narradores é parte da gente, ao menos de uma forma neutralizada, subvertida, adormecida. Então, posso ser um assassino, um estuprador, posso ser mulher, um leão, um inseto como elaborou Kafka, claro, falando aqui de traços simbólicos da psique. É quando se escuta depois de certos acontecimentos, "nossa, nunca pensei que fulaninho fosse capaz de fazer isso ou aquilo". Nem ele, pode acreditar. Mas de alguma forma fazia parte da natureza de fulaninho, adormecida nele. Embora essa tese me amedronte, acho que faz sentido.

Germano Xavier O seu livro de contos poderia ser locucionado como sendo um livro de contos “de ideias”, por trabalhar com personagens bastante articulados e, respectivamente, cada um com pensamentos muito claros e/ou definidos. É papel do contista direcionar ao máximo os caminhos de suas personas ou a aporia ainda é a melhor solução para um texto ficcional, Rômulo?

Rômulo César Melo – Curioso você ter observado o lance das ideias. Tenho extremo cuidado na seleção dos contos de um livro porque desejo que as histórias ali contadas possam levar emoções diferentes ao leitor e, em certos casos, conduzi-los a uma determinada reflexão. Nessa toada, busco não repetir as temáticas que servem de pano de fundo aos contos, quando elas existem. Afora isso, não tenho a pretensão de conduzir os caminhos daquelas personas que habitam as páginas do livro, de forma a engessá-las ou fazer dos personagens meros robozinhos do senhor-autor-de-controle-na-mão. (Abaixo a ditadura do autor e todas as ditaduras, ainda mais as que nos querem fazer crer inexistentes!) Até mesmo nos contos em que já vou escrever sabendo do começo, meio e fim (são as exceções) há sempre algo novo que o personagem me mostra, pede ou exige. Acho que o papel do artista é ser o instrumento, o canal para que essas entidades abstratas, essas vozes querendo sair do plano do etéreo, possam se expressar da forma mais liberta, como bem quiserem, gritem o máximo e mais amplamente possível lá no papel. Eis a fantasia da escrita, senão vira um relatório, receita de bolo, petição jurídica. A aporia faz parte, sim. Gosto também dos contos em que se propõe uma dúvida, um não-fim, nos quais o leitor ficará se perguntando, mas e aí, o que aconteceu com o personagem? Fiz isso no conto "Claro escuro", então, aquela mãe comprará o remédio ou não? É uma forma de chamar o leitor para dançar, compor o texto conosco, entende? Amigo leitor, pense, dê o seu final, o que acha que aconteceu dentro da sua ótica? A gente precisa deixar de ser mãe do leitor, de dar a comidinha mastigada na boca dele. Eles sabem mais do que nós, são muitos; nunca devemos subestimar a capacidade do outro de criar e agregar a seu texto. Quantas vezes alguém me deu uma interpretação bem melhor do que a minha para um texto meu? Inúmeras. Fica um texto nosso, de todos, plural. Isso me agrada.

Germano Xavier Quais são as motivações mais comuns para seus contos, Rômulo?

Rômulo César Melo – São tantas e tão diferentes. Notícias na imprensa, cenas do cotidiano, o conto "A bonequeira" tirei de uma cena do carnaval no desfile do Galo da Madrugada, aquilo ali aconteceu, ao menos a senhorinha com o boneco entrevistada na TV. Outras vezes, cenas que vemos quando caminhamos no parque ou vamos comprar pão na fila do caixa. A capacidade de observar aliada à curiosidade são ingredientes basais do escritor. Gosto de escrever sobre situações que me causam espanto ou chateação. É como se precisasse por para fora a indignação, mas o faço com a roupagem ficcional, transformo algo feio e cru em um manufaturado estético. Há os contos que fazem parte da minha vida pessoal como a morte prematura de um grande amigo narrada em "A valsa". Existem os que apresentam discussões atuais, dou o exemplo da questão de gênero e adoção de crianças por casais homoafetivos exposta em "Aos três", que reputo um conto para reflexão muito mais do que qualquer coisa, tem essa função na obra. Os saídos dos livros de história como a vida do acendedor de lamparinas de Londres na época da Revolução Industrial que dá título ao livro. Portanto, são muitas as motivações.

Germano Xavier De acordo com David Lodge, toda ficção implica em uma constante troca, envolvendo estruturas formais e todas as aberturas que a vida possibilita. O que você pensa sobre?

Rômulo César Melo – Preciso reler David Lodge para contextualizar a frase no texto inteiro. Compreendo da assertiva o sentimento de que os textos ficcionais mais completos, se é que podemos chamar assim, tendem a fazer a junção do amplo espectro que a vida nos permite, toda a gama de possibilidades e experiências humanas a serem trazidas ao foco narrativo, que seria o conteúdo, com um arcabouço estrutural mínimo de forma, uma linguagem, uma estética própria do autor. Essa simbiose entre matéria e forma faria com que se oferecesse um produto de qualidade ao leitor, um texto literário que não se afastasse da vida real, aquela enfrentada por todos no dia-a-dia, mas também agregasse a beleza estética e as particularidades técnicas da escrita hábeis a suavizar e tonificar a narrativa. Uma Literatura apenas de fatos da vida pode se tornar um relato, uma notícia de jornal, uma carta. Ao mesmo tempo, aquele jogo de palavras vazio de emoções ou conteúdos, ausente de alma, planificado e sem sentido humano, que se propõe a inovações de linguagem e formas, pode se resumir a um ensaio ou um mero exibicionismo linguístico-acadêmico. Assim penso.

Germano Xavier Fale-nos um pouco sobre o processo de escrita de O COLECIONADOR DE BALEIAS, a importância dos prêmios literários no cenário nacional e sobre seus planos literários futuros.

Rômulo César Melo - O "Colecionador de Baleias" é irmão do livro de contos que o antecede, o "Dois Nós na Gravata". O pensamento de elaborar uma obra que pudesse oferecer aos leitores textos de diferentes matizes foi o mesmo. Quis dar aquilo que gosto de receber, ou seja, emoções variadas, do riso ao choro, da repugnância à poesia. Por isso não há uma temática una. A partir dessa premissa, chegou a hora de escolher os contos e dar a ele a sequência devida na obra.

Considero os prêmios literários importantes como meio de autoafirmação do escritor. Sempre bate uma insegurança, será que estou no caminho certo, será que escrevo bem mesmo, tenho ideias boas? Se bancas de jurados de vários lugares do país premiam diferentes textos seus é um bom sinal disso. Ademais, um prêmio faz seu nome circular, empresta a projeção necessária para que possa aparecer nas rodas literárias, na mídia, receber resenhas e perguntas tão bem elaboradas e desafiadoras quanto essas suas, Germano, abrem portas.

Planos, tantos, muitos, sempre. Que bom! Estou trabalhando em duas frentes neste momento. Um livro de poemas que será diferente do "Bad Trip", meu primeiro livro de poesias temático e soturno. Tem o título provisório "Delicatessen" e a ideia é a de que seja, de fato, sortido, cheio de prateleiras e mercadorias poéticas distintas. E ainda um livro temático de contos, que visitará o insólito, o horror e o fantástico. São esses os projetos iminentes.




* Imgens: https://www.kobo.com/us/en/ebook/o-colecionador-de-baleias 
e http://agendaculturaldorecife.blogspot.com/2018/11/a-editora-cepe-comemora-10-anos.html

terça-feira, 13 de setembro de 2022

A ARTE DA QUARENTENA PARA PRINCIPIANTES, de Cristian Dunker


 

Vídeo sobre o livro A ARTE DA QUARENTENA PARA PRINCIPIANTES, de Christian Dunker. O livro é mais um compêndio de curtos ensaios sobre os avanços da pandemia do novo coronavírus e suas consequências no Brasil e no mundo, tendo como mote central a análise geral de seus efeitos sobre a mente humana em todo o planeta. Este livro é mais um exemplar da Coleção Pandemia Capital, da Editora Boitempo.

#aartedaquarentenaparaprincipiantes #christiandunker #ensaios #pandemiacapital #editoraboitempo #oequadordascoisas

As lápides musguentas de Helder Herik



Por Germano Xavier


Estava eu ali andando por Garanhuns, Pernambuco, quando desço a antiga Rua dos Cajueiros (creio que é assim que se fala) a pé, em busca de um sebo que me indicaram. Avistado o local, fui buquinando desde já. 10 reais a peça, em geral. Literatura estrangeira, contos, literatura brasileira, poesia... Bati os olhos num livrinho vermelho: sobre a lápide: o musgo, de Helder Herik, professor e poeta ligado à turma da confraria u-Carbureto, da qual descendem também os escritores Mário Rodrigues, Nivaldo Tenório e outros. Fininho, poucas páginas, maior parte de poemas esguios, feito poema-faca, de se enfiar mesmo. Terceiro livro do sujeito, lançado em 2010. Aí fui lendo. Pancadinhas. Livro ferino, sim. Dose certa. O Helder é um bom poeta. (O que é um bom poeta?) O cabra começa burilando a infância, dita-cuja-de-nós-quase-todos-artesãos-das-palavras. Burila. Infância grudenta, imunda, lesmenta, farpante, cortadeira, ossuda, curvada, úmida, embutida em multiplicações, chuviscada nas poeiras pueris do Homem. A gente meio que se recolhe, depois de tanto a gente se encontrar nos versos do poeta. Depois o Helder reforma as coisas da casa dele com o verniz do novo olhar. Destapeta tudo, tempera, conserva, arma, põe fogo, cobre mesa, assenta, mija e caga, ara e dorme. Aí na terceira parte do livro, o poeta vira parteiro e faz brotar um broto, um novelo de luz. Na quarta e última fagulha, Helder lapida um músculo novo batedor dentro do corpo, salga o mar, aquenta o sangue, desenterra, semeia, coça, fratura, parte, mina, até tudo virar alma, ou melhor, musgo. Porque o musgo permanece, mesmo depois dos finais. Feito o sol. Essa coisa tão.


* Imagem: http://www.helderherik.com.br/2011/01/lapide-e-musgo-ou-poesia-escatologica_21.html

domingo, 4 de setembro de 2022

À CIDADE, de Mailson Furtado


 

Vídeo sobre o livro "à cidade", escrito pelo cearense Mailson Furtado. O livro teve produção independente e foi agraciado com dois Prêmios Jabuti em 2018 (categorias poesia e livro do ano), algo inédito até então. "à cidade" é um poema-elogio ao interior dos brasis mais profundos e originais.

#àcidade #mailsonfurtado #literaturabrasileira #oequadordascoisas

sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Nossos desacontecimentos

*
Por Germano Xavier

"Nesses anos todos testemunhei muita gente se alienar da própria escrita 
para não sofrer. É uma alternativa. Bem cara. Para mim essa escolha 
nunca foi nem desejo nem possibilidade. Eu era o que escrevia. Sou."
(Eliane Brum)

Nascemos e morremos várias vezes durante nossas vidas. Eis uma grande verdade cuja escapatória o homem ainda não soube descobrir. A vida assim é constituída, de ressurreições e falecimentos diários, cotidianos. A memória se serve de algumas porções de história e guarda o que é mais urgente. Mas nem tudo sobrevive às intempéries do tempo, que tritura e dilacera.

Nascer, como podemos suspeitar de antemão, não é uma tarefa das mais fáceis. Morrer dói. Renascer pode doer mais ainda. Desta forma, em pedaços, nossos corpos e corações são feitos para durar até o limite da dor que não podemos suportar. A fronteira entre o que podemos e o que não podemos aguentar está diante do que parece simples, como uma página em branco pousada sob um lápis ou um mero olhar sobre o comum.

Escrever pode ser a salvação quando os nossos nascimentos passam a se confundir com nossas mortes. É sobre a invenção da vida a partir da palavra que trata o livro MEUS DESACONTECIMENTOS a história da minha vida com as palavras, da renomada jornalista Eliane Brum. Um livro nada singelo - e até rude - sobre a menina quebrada ou o menino quebrado que pode existir dentro de cada um de nós.

Nossos desacontecimentos podem imperar a qualquer momento, podem nos sufocar, mas também são a partir deles que podemos retirar a maior parcela dos aprendizados que nos conduzirão por toda a nossa jornada vital. Nossos desacontecimentos acontecem todos os dias, ininterruptamente. Enxergá-los com serenidade pode significar a condenação brutal ou o fértil arremate em prol de um futuro melhor, mais digno e justo.

E a palavra, onde entra em tudo isso?

A palavra, como ser-de-fazer-ser, sacrifica-se para produzir a vida que nos falta. Escrevendo somos mais do que sabemos ser. A palavra nos ponteia, transporta-nos para além do que somos ou pensamos ser. A palavra ajuda a fazer travessias. Mas, cuidado: a palavra fere, macula e pode matar. O mundo sem palavras é escuridão, como nos diz Brum. Para sair de local tão funesto, saber ler o banal que nos transforma é talvez a provável saída mais inteligente.

Autobiográfico por excelência, MEUS DESACONTECIMENTOS não fica só na área da crônica acerca da infância da autora. É mais um apanhado sobre paixão e amor pela palavra escrita e/ou oralizada/contada do que qualquer outra coisa e merece a atenção do cuidadoso leitor. Brum encanta e desencanta nos encantando, coisa que só os bons escritores conseguem fazer.