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quinta-feira, 14 de abril de 2022

Como escreve Germano Xavier

Germano Xavier é escritor, poeta, jornalista e professor.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?

Nos primeiros três dias da semana é uma correria. Acordo por volta das 05:40h, pego o carro e viajo por cerca de 1 hora para uma das cidades em que trabalho. Ganho a vida como professor. Assim, reservo as noites para ler e escrever. A partir das quintas-feiras já tenho as manhãs livres. Depois do movimento inicial do despertar, sempre que posso vou ao cômodo onde ficam os meus livros e a minha escrivaninha. Ler é sempre prioridade. Reviso algumas coisas por fazer, escrevo e deixo o texto dormir. Tenho muitos textos que ainda dormem, anestesiados pelo tempo que matura. Vou soltando aos poucos alguns textos em meu blog (O Equador das Coisas), mas ultimamente a maioria vai para a “câmara do adormecimento”. O futuro serve para reativar a maioria deles. Nos finais de semana, quando não viajo, dedico-me mais ainda à escrita. Geralmente é quando escrevo textos mais longos em prosa. Poesia sempre representou um fazer literário mais espontâneo para mim, porém não menos trabalhoso.

Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?

Eu prefiro as manhãs. Já me acostumei a escrever dentro das manhãs. Estar inteiro dentro das manhãs é uma dádiva para mim. Preciso estar com a casa em profundo silêncio. Preciso escutar o som do teclado, o som da palavra saindo de dentro de mim. Uma vez ou outra coloco uma música para tocar enquanto teclo, em baixo volume. A probabilidade de encaminhar bem um texto é consideravelmente maior se se cumprida a totalidade ou boa parte desse ritual.

Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?

Já consegui escrever um pouco todos os dias. Ultimamente, por conta de diversas demandas, escrevo quando tenho tempo suficiente para escrever com calma. Tenho escrito mais em períodos mais concentrados, intercalados com tempos de leitura. Não tenho meta de escrita por dia. Não trabalho assim. Pelo menos, por ora. A pandemia atual bagunçou muita coisa nesse sentido, também.

Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?

Às vezes, o mais difícil é anotar, pontuar, detalhar caminhos para a escrita acontecer como quero. Por vezes, o texto simplesmente desliza por meus dedos e nasce. É mais difícil, mas acontece com boa frequência. Poemas não são mais difíceis de começar quanto contos, crônicas ou textos em gêneros de maior fôlego. Os poemas são os meus amigos mais próximos, mas já houve uma fase muito difícil para poemas. Eu andava lendo muito, muitos textos acadêmicos, leituras mais técnicas e os poemas simplesmente deram uma pausa de mim. Tiraram férias. Tenho muitos projetos de escrita em mente. Não sei como será num futuro próximo. Minhas rotinas podem simplesmente mudar de uma hora para outra. Eu gosto de pensar que nada é estanque, principalmente no ato de escrever, tão particular e ao mesmo tempo tão amplo.

Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?

Quando percebo que o texto não está caminhando, simplesmente paro. Deixo para continuar em outro momento, em outro dia, em outra semana. Não fico triste por conta disso. Faz parte do processo. É quando me ponho a ler outros materiais, outros livros, escrevo outros textos e, de repente, percebo-me de volta ao texto que estava parado, que fiz questão de deixar parado. Os textos nos chamam, precisamos saber respeitar o chamamento dos nossos próprios textos. Alguns são preguiçosos, morosos, gostam de ficar por muito tempo em descanso. Com relação ao medo ou à ansiedade, sempre lidei bem com tudo isso. Sou muito calmo, muito tranquilo. Sei que não há como passar à frente do tempo das coisas. Sempre chega a hora certa. A hora certa é quando acontece ou quando deixa de acontecer. Se a gente ficar forçando a barra, talvez soframos mais. E isso não é bom, sabemos.

Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?

Quando escrevo poemas, reviso uma ou duas vezes. Textos em prosa demandam um maior tempo revisando, relendo, reestruturando. Costumo enviar meus textos para outras pessoas somente quando decido publicá-los em esferas outras que não o meu blog ou outros canais de comunicação em que faço parte. A leitura do outro é altamente recomendável em diversos casos.

Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?

Escrevo em meu notebook, 95% das vezes, eu diria. Já foi diferente. Tenho quatro ou cinco cadernos com aproximadamente mil poemas escritos à mão. Era outro tempo, auge de minha adolescência até os vinte e poucos anos. Hoje quase não consigo mais escrever longe do computador. E não sei até que ponto isso é bom ou ruim, até que ponto melhora ou enfraquece o meu texto. Certo mesmo é que minhas duas máquinas de escrever hoje decoram ambientes mais que antes. De lápis, nunca gostei. Para os outros 5% restantes, utilizo canetas. Pretas, de preferência.

De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?

Uma pergunta de difícil resposta. Penso que as minhas ideias são ideias de uma vida inteira, costuradas pelas mãos invisíveis do Tempo. Não sei se há uma raiz, um local de onde elas partem de um dado princípio para assim atingir um respectivo fim. É quase um mistério. Creio que a leitura é o melhor a se fazer para se manter pensante, ativo, em processo contínuo de análise. Para um escritor, então, eu diria que é fundamental. Exercitar o olhar também é de grande relevância. Sem falar nos inúmeros benefícios da paciência, do respeito, da empatia, da revolta, do sincerizar-se… Bons hábitos nada mais são que processos de libertação.

O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?

Mudou a maneira de enxergar o texto, de ver a palavra, de escutar o ritmo e de lamber o sentido daquilo que pretendo burilar. Hoje, percebo que tenho mais paciência para lidar com as angústias do texto, com as agruras do escrever. Quando mais jovem, a palavra era explosão. Escrevia muito e quase sempre muito desordenadamente. Não que a desordem também não tenha o seu lado positivo, mas eu consigo conquistar um modelo de equilíbrio na escrita que me parece mais saudável hoje em dia, apesar das mil tarefas diárias que tenho de cumprir. Não tenho tantos espaços para falhas como tinha antes. A espada de Dâmocles hoje vive sobre minha cabeça. Finjo que ela não existe, mas sei que ela está acima de mim. Sabedoria é saber rir de tais situações.

Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?

Um romance cuja personagem principal seja a minha cidade natal (Iraquara-BA/Chapada Diamantina) ou personagens marcantes dela. Tenho uma coleção de crônicas e outra de contos sobre o assunto que funcionaram como uma espécie de treinamento. Sei que vai acontecer, mais cedo ou mais tarde. Tenho dois livros de poesia publicados e em 2022 lançarei mais um. Todavia, um dia minha mãe veio me perguntar quando eu iria escrever um livro de verdade… fiquei matutando sobre o dizer dela. É mais ou menos assim, não? Só vale se for em prosa, um romance, um livro grosso, de preferência que se sustente em pé nas estantes (risos). É óbvio que discordo disso… O livro que eu gostaria de ler e que ainda não existe está em minha cabeça. Tenho todo ele pronto. Preciso escrevê-lo.


Entrevista concedida originalmente ao projeto www.comoeuescrevo.com

sexta-feira, 6 de março de 2020

Entrevista com Stenio Erson, autor de CERCO




Estrevista para o Blog O EQUADOR DAS COISAS
LIVRO: CERCO, de Stenio Erson.


Germano Xavier – O que a literatura significa para você?

Stenio Erson – A literatura significa uma possibilidade que o ser humano encontrou para poetizar a vida real. É uma manifestação artística que utiliza-se das diversas possibilidades que a comunicação, através da linguagem e criatividade, permite. Nesse sentido, a literatura é um instrumento de liberdade e expressividade, capaz de despertar sentimentos diversos e transformações infinitas.

GX – Em sua jornada como leitor e professor ligado à difusão da literatura, qual a experiência de leitura que mais te marcou? E por quê?

SE – Sempre busquei em minha trajetória enquanto professor, criar estratégias de apreciação e disseminação da arte literária. Nesse processo, o trabalho que mais me marcou foi a ação que desenvolvi com a obra “Felicidade não tem cor” de Júlio Emílio Braz. O enredo traz a questão do preconceito e aborda a história de Fael, narrada por uma boneca de pano chamada Maria Mariô. Ambos se sentem muito incomodados por serem negros. Por um lado, nenhuma das meninas escolhia a boneca negra para brincar. Por outro, Fael era um menino muito excluído que sofria muito preconceito por conta dos apelidos que seus colegas colocavam nele. Por isso, decidiu ir atrás de Michael Jakson para descobrir como ele conseguiu ficar branco.

No início do ano letivo, observei que na sala de aula do 7° ano, havia muitas ocorrências de preconceito entre eles, muitos alunos sofrendo bullying por meio de apelidos racistas. Isso me incomodou bastante, pois os alunos não percebiam o quanto a sala era composta por uma diversidade étnica.

Durante a leitura da obra ocorreu muitos debates relevantes, sempre relacionando com o que acontecia na sala de aula. No dia da culminância do projeto os alunos fizeram uma análise completa da obra para os presentes apontando a depreciação que os apelidos causam, a relevância de respeitar a diversidade existente na sociedade. Nos estandes um painel com as fotos individuais de cada alunos, de modo a se observar a diversidade e valorizar cada característica, além de fotos de negros que ficaram famosos por habilidades artísticas ou esportivas.

Enfim, após essa ação observei o quanto as pessoas que convivem na escola e que possuem características negras, passaram a valorizar sua identidade étnica, principalmente em relação ao uso de penteados que potencializam as características do povo negro. Passou a ocorrer uma aceitação natural do outro, não só em sala de aula, mas também na relação com alunos de outras turmas.

Essa ação mostrou a potência que a literatura tem de promover a reflexão e a transformação.

GX – Como surgiu a ideia para o seu livro de estreia CERCO e como está sendo a receptividade da obra?

SE – A ideia de elaboração da obra Cerco surgiu a partir dessa real necessidade que a sociedade atual tem de conquistar um território de atuação da nossa liberdade. Vivemos numa sociedade que a cada dia reduz a liberdade que temos e nos conduz para o nosso cerco, seja ele social, emocional, afetivo, psicológico, moral, violência física, dentre outros.

Após as eleições de 2018, com a aceitação e a implantação das ideias bolsonarianas no cenário social brasileiro, o autoritarismo e as decisões autocráticas, passaram a serem utilizadas em muitos setores que antes tinha uma relação democrática habitual. Tal ocorrência contribuiu para o crescimento de uma tentativa de negar ou tentar descaracterizar as lutas de segmentos sociais que em algum momento da história tiveram que se mobilizar e articular estratégias para desarticular o cerco anunciado.

Essa instabilidade social, demonstrou que a luta contra o nosso cerco deve ser diária e que precisamos enfrentar esses elementos que ameaçam nossa liberdade. Sinalizou que a conquista de território só ocorre com movimento, seja ele feminista, étnico, de gênero, enfim.

Então, com base nesse conceito, procurei adequar alguns contos antigos para essa temática e a produzir contos novos para compor a coletânea da obra, de modo que se pudesse apresentar os personagens e sua relação com os elementos de opressão e desarticulação da nossa liberdade.

GX – Fale-nos um pouco sobre o seu processo de criação, Stenio.

SE – Iniciei meu processo de escrita no teatro. No ano de 2003 fui um dos fundadores do Grupo Cultural Lamparinas do Sertão, em atividade até hoje. Nessa instituição cultural, além de atuar e dirigir espetáculos, escrevi inúmeros enredos teatrais. Esses momentos de formação artística me qualificou para ler e analisar obras literárias significativas, bem como adaptar e produzir enredos teatrais, adequando-os a uma identidade sertaneja e uma linguagem teatral peculiar.

Esse contato com a arte teatral, foi extremamente significativo para o meu processo de criação literária, pois passei a prestar muita atenção nos movimentos que ocorrem em minha volta e também nas narrativas orais que tenho acesso através de memórias vivas que me levam a realizar pesquisas.

Muitos desses elementos: uma frase, uma palavra, uma expressão, uma imagem, uma história; sinalizam caminhos para a construção de enredos literários; ora totalmente fictícios; ora com pitadas de um caráter memorial; ora baseados em fatos reais, mas com traços fortes de ficção.

Geralmente, primeiro registro a ideia, depois organizo a ideia para uma proposta de construção de uma malha literária, em seguida desenvolvo a ideia, deixo-a por um tempo sem voltar ao que foi produzido, por fim, releio e vejo se a proposta será original e relevante para, só após prosseguir com a proposta literária ou engavetá-la.

GX – Seu livro CERCO possui um caráter memorial muito forte, quase predominante, e que se estende a toda estética social que envolve o território da Chapada Diamantina e seu povo. Foi um traço proposital? Como se deu isso em CERCO?

SE – A Chapada Diamantina sempre foi narrada por olhares externos de mídias diversas que valorizam, predominantemente, as belezas naturais. Ficava sempre questionando o porquê de tantas narrativas ricas ficarem ocultadas ou silenciadas na memórias desse povo, sempre desconsiderado nesse cenário. Nesse processo, acredito que de forma predominante, prevaleceu na obra Cerco, o perfil de narrativas narradas por personagens originários da Chapada que apresentam com o olhar peculiar, o nosso o cenário, a nossa identidade cultural, as nossas histórias. Ou seja, o olhar nosso sobre o que é nosso, uma visão peculiar sobre a identidade cultural da Chapada que vai além do que as belas paisagens. A ideia foi dá voz aos oprimidos, de modo que eles pudessem apresentar seu olhar sobre essa luta diária de enfrentar tudo que reduz nosso território e viabiliza o nosso cerco, diante desse cenário que não é somente feito de paisagens, mas também de pessoas.

GX – Como você vê, hoje, o cenário literário e artístico da Chapada Diamantina?

SE – Acredito que o cenário de produções literárias na Chapada Diamantina ainda se apresenta de forma um tanto tímida, porém em ascensão. Alguns eventos literários têm acontecido de forma muito consistente, abrindo possibilidades para que escritores da região possam disseminar suas produções literárias. No entanto, acredito que ainda falta uma conscientização das secretarias de educação de cidades da Chapada Diamantina para incentivar o consumo dessas obras no âmbito educacional, de modo que a literatura regional possa se estabelecer e contribuir para a formação de leitores e novos escritores.

GX – Achei o conto “Nunca mais vi Irene”, presente em CERCO, de uma plasticidade arrebatadora. É um conto bem curto, um tanto diferente dos outros do livro. Fale-nos um pouco acerca dele.

SE – A ideia da construção da malha literária do conto “Nunca mais vi Irene” sempre havia sido de uma narrativa curta. Essa proposta, viabilizou o uso de frases reduzidas, dinâmicas, capazes de produzir movimentos que conduzem o leitor a um desfecho surpreendente. A ideia surgiu a partir de um suicídio que ocorreu no cenário da Cachoeira da Fumaça. Esse fato, teve repercussão e muitas mídias começaram a tentar denegrir, desconstruir, condenar o cenário como perigoso e um ambiente para não se visitar. Diante disso, procurei dá um novo rumo a esse fato a partir do fazer literário, um ar de misticismo misturado com sonho, de modo a valorizar tanto a cena narrada quanto o cenário. Não se sabe a verdadeira intenção de Irene ao levar seu amor para o deslumbrante cenário da Cachoeira da Fumaça, se vivenciar um momento romântico num lugar encantador ou registrar seu desaparecimento misterioso justamente no clímax do enredo, deixando o leitor diante da labuta de tentar compreender se o desfecho é algo real, místico ou apenas um sonho.

GX – Stenio, vem novidade por aí? Se sim, compartilhe com os leitores d’O Equador das Coisas”? Deixe suas considerações finais aqui, se possível.

SE – Sim. A obra que talvez esteja mais pronta para lançamento é uma peça teatral que narra o retorno nos dias atuais, por conta de uma crise hídrica, dos primeiros portugueses que navegaram o Velho Chico no ano de 1501. Nesse processo, os portugueses irão se deparar não só com elementos da modernidade, mas também com elementos que caracterizam as comunidades ribeirinhas e a identidade sertaneja do rio São Francisco. O espetáculo foi apresentado como forma de experimento, pela primeira vez, na UNEB Campus XXIII em Seabra, no dia 17 de abril de 2015 no evento “Fifó Cênico: Iluminando a Arte Sertaneja” por atores do Grupo Cultural Lamparinas do Sertão, com direção minha. A proposta é que esse espetáculo seja retomado nesse ano de 2020.

Além dessa proposta, tenho trabalhado bastante em um romance, novos contos e poesias, além de livros infantis.


* Imagem: Arquivo Stenio Erson

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Alessandra Barcelar e o sempre-é-tempo para a escrita (uma entrevista)



Uma conversa sobre quem se inaugura...



GERMANO XAVIER – O que a literatura significa para você?

ALESSANDRA BARCELAR - Meu contato com a literatura começou muito cedo, numa estante na casa de uma tia do interior, com uns 7 ou 8 anos de idade. Literatura, para mim, quando treino a escrita, é a possibilidade de ser outra pessoa, de ter outras vidas, estar num mundo paralelo. E isso é fascinante. Como leitora, a maior satisfação é constatar o que a literatura pode fazer a um paciente crônico, ou uma criança de comunidade, exercitando meu voluntariado em hospitais e contação de histórias em projetos sociais. Literatura une.


GX – Fale-nos um pouco mais sobre esses processos transformadores vivenciados por você a partir da literatura...

AB – Os dois projetos de leitura não foram premeditados. O primeiro surgiu de um voluntariado que eu estava fazendo, uma espécie de capacitação com pacientes soropositivos. Eu tinha uma inquietação com o ambiente fóbico das redes sociais, queria tirar do que eu lia ou conhecia algo além de uma resenha, queria algo além... Foi então que comecei a pesquisar sobre a Biblioterapia e, daí, passei a conhecer projetos envolvendo leitura em hospitais, já que é o meu ambiente de atuação, e assim começamos a trabalhar com leituras diversas para pacientes crônicos, com internações de longa permanência ou com pessoas de baixa renda e sem acesso à cultura. O resultado é maravilhoso, empatia, envolvimento. Geralmente opto por levar contos, pela rapidez da conclusão da leitura. A contação de história para crianças aconteceu em uma reunião social da rede SENAC juntamente com a prefeitura regional e ONGs... me encantei com um projeto de leitura e distribuição de livros para crianças que vivem em comunidades. Com certeza, se não fosse essa inquietude, eu não poderia estar vivenciando isso.


GX – Em sua jornada como leitora e difusora de textos literários, qual a experiência de leitura que mais te marcou? E por quê?

AB - É difícil falar de uma obra apenas, pois muitas me foram importantes em vários momentos. Mas a que me vem à mente devido a dificuldade que tive à época, já que achava um livro difícil e que foi muito importante para mim, foi Grande Sertões Veredas, pela obra, pela história, pelo dilema de Riobaldo, pela atração, pela religiosidade, pela forma de como foi contada aquela história, sem dúvida um livro para vida toda.


GX – Você, recentemente, tem conseguido adentrar espaços antes tidos como mais distantes. Como você enxerga a incursão de textos seus em algumas antologias e em outros tipos de publicações especializadas em difundir literatura? O que muda a partir de tais eventos?

AB - No meu caso, eu não via como espaços mais distantes e sim impossíveis. Sempre tive medo de colocar no papel qualquer pensamento, mesmo sendo uma leitora responsável. As incursões foram uma surpresa para mim, bem gratificante, confesso. O que muda são as possibilidades que aumentam, novos contatos, muitos trabalhos que antes não tinha noção que existiam, obras que posso trabalhar com os clubes de leituras, são mudanças que em um primeiro momento não pensei que aconteceriam.


GX – Vamos falar de predileções: Poesia ou prosa? E por quê?

AB - Prosa! Eu acredito que não tenho intimidade com a poesia, apesar de ler vários poetas como Wislawa Szymborska. E outros. Na contemporaneidade, eu não salto os olhos para poemas que nada mais são que contos pulando linha... não sei também se é algum preconceito meu, mas acabo preferindo textos em prosa. Mesmo sabendo que existe muita coisa boa na poesia. É mais uma questão de preferência mesmo, de contato com a palavra.


* Imagem: Acervo pessoal de Alessandra Barcelar.

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Mariana Basílio, poeta de olhos queimados (uma entrevista)


Uma conversa sobre o livro Sombras & Luzes (Penalux, 2016)



GX – Quem é a Mariana Basílio de Sombras & Luzes?

MB – É uma poeta que aceitou sua condição. No primeiro livro, Nepente, eu ainda estava procurando o que seria o elemento propulsor que havia me movido nos anos anteriores – versar o inominável, dialogar com os detalhes, escavar os mistérios – então tive um insight. Publiquei o primeiro livro meses depois, aos 25 anos, procurando trajar este meu novo trajeto.

Com o próximo livro, Sombras & luzes, foi completamente diferente. Já não tentava me encontrar ou me adaptar, já me compreendia na realidade a que me propus. Projetei o livro de maneira mais madura, e passei a ter uma rotina diária bem mais rigorosa em relação às leituras e escrita – como consequência, passei a escrever com mais liberdade e confiança.


GX – Teus poemas são como buquês repletos de rosas densas, cujos espinhos do caule perfuram até o mais profundo lugar de nossa alma (ou consciência). De onde vem toda essa força?

MB – Fernando Pessoa dizia: “Viver é ser outro. Nem sentir é possível se hoje se sente como ontem se sentiu”. Está tudo na essência do sentir, sentir que o interior não é mais do que o exterior, nada nos salvará da morte, que então a poesia (ou o amor, como versava Neruda), nos salve da vida. Já Herberto Helder, num dos poemas que mais aprecio, parece me denunciar: “Algumas vezes amei lentamente porque havia de morrer / com os olhos queimados pelo poder da lua”. Os olhos queimados – olhos de poeta, da criatura que não sossega sem cavar as profundezas. Talvez o que eu seja cintile no bruto das palavras.


GX – No fim do livro, você esboça uma rota de construção de seu livro. Todavia, eu reforço a curiosidade sobre tal processo e lhe pergunto novamente, na expectativa de arrancar de ti algum “segredo” não revelado em suas considerações finais. Então, Mariana, como se deu a feitura do seu Sombras & luzes? Há semelhanças e/ou diferenças nele para com o seu Nepente?

MB – Me sinto nesse contexto como Júlio Cortázar: pareço mesmo ter nascido para não aceitar as coisas tal como me são dadas. Faço e desfaço, desfaço e faço. É sempre um tecer melodramático viver em minhas decisões. Fiquei realmente em dúvida sobre expor as tais observações gerais, o tal roteiro. Mas como o livro acabou se tornando um projeto de quase 300 páginas, acabei me decidindo por publicá-las em conjunto.

Se há semelhanças nos livros? Bem, talvez estejam na temática mais abrangente que ainda me recobre, envolvendo temas como vida e morte, humanidade e natureza, e ainda, alguns autores que são minhas influências em ambos os livros. Mas, sem dúvida, vejo e sinto muito mais diferenças do que semelhanças, já sou outra pessoa e poeta nessa época do Sombras & Luzes.

Tudo mudou, simplesmente.


GX – Mariana, existe alguma pergunta realmente necessária a se fazer a uma poeta como você? Alguém já a fez? Se não, qual seria?

MB – Não sei, talvez haja inúmeras, talvez não haja nenhuma. Não sei o que significa direito “uma poeta como você”. Mas vou tentar levar isso para um campo mais abrangente e traduzirei um pouco como me vejo no presente da poesia brasileira – deslocada das tendências mais contemporâneas. O que faço é bem particular e, por isso mesmo, um movimento muito solitário. Mas não me incomodo com isso, a minha única preocupação é estar focada e trabalhar muitíssimo no invisível dos invisíveis – perfurando o rumo das palavras em que realmente me encontro.


GX – Se todo escritor é um país estrangeiro, como diz um de teus versos, qual seria o teu lugar neste mundo, Mariana? E qual seria o lugar da poesia que teces?

MB – Meu lugar é o lugar universal, o lugar do vazio que recobre o todo (e talvez eu o encontre quando escrevo) – aqui sou uma inocência socialista abaixando as fronteiras dos países, unificando o que amo na humanidade: o total de nós.

Só me vejo no “eu” porque me propago em “nós”. Por isso “todo escritor é um país estrangeiro” – além de outros preâmbulos do verso.


GX – O que há para ser descoberto, ainda, na vida?

MBO que há para não ser descoberto? Só estou no começo, mesmo que eu morra amanhã, saberei, ainda é vago, ao mesmo tempo que intensa, a lâmina com que lapido minha voz e construo, exausta, as minhas espirais. Não sei precisar (e adoro isso). Mas como diz Mia Couto (e assumo em prévia do futuro): “grandes palavras escondem grandes enganos”.

Sigamos então, ainda mais humanos do que no instante que já se findou.






*Mariana Basílio (Bauru, 1989) é uma escritora, poeta e tradutora paulista. Licenciada em Pedagogia pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), campus de Bauru (2012). Mestre em Educação pela Unesp, campus de Rio Claro (2015). Autora dos livros de poesia Nepente (Giostri, 2015) e Sombras & Luzes (Penalux, 2016). Recebeu em outubro de 2017 o prêmio ProAC de criação literária do Estado de São Paulo, contemplando a publicação de sua terceira obra poética, Tríptico Vital (prelo, 2018). Escreve atualmente seus três próximos livros: Megalômana (poesia), Kairós (poesia) e A Revolução das Rosas (romance). É colaboradora dos portais Zonadapalavra e Liberoamérica. Possui poemas, entrevistas, resenhas e traduções publicados em diversas revistas do Brasil e de Portugal, entre elas: Alagunas, Diversos Afins, Escamandro, Efémera, Garupa, Germina, InComunidade, Inefável, Limbo, Mallarmargens, Oceânica, Odara, O Garibaldi, O Equador das Coisas, Raimundo e Vida Secreta. Site para contato: www.marianabasilio.com.br

domingo, 27 de agosto de 2017

O barro em cor de Ma Ferreira


Por Germano Xavier


A pernambucana Ma Ferreira é graduada em Pedagogia, artista visual e como ceramista desenvolve com vigorosa individualidade sua arte, trabalhando com o material mais antigo conhecido pelo homem, a argila. Seu trabalho destaca-se pela dinâmica das cores que compõem suas obras de maneira harmoniosa e contagiante, rebuscando a magia e o encanto de nossas memórias materializadas pela nobreza da cerâmica. Participou de diversas exposições dentro e fora do território nacional. As imagens de suas obras já serviram para ilustrar capas de livros e inspiraram poemas já publicados em livros. No momento, tem feito uma série de exposições no espaço de algumas lojas Livraria Cultura na cidade de São Paulo. Ma Ferreira papeou um tantinho comigo.


Germano Xavier - Ma Ferreira é sinônimo de arte em cerâmica. Conte-nos, Ma, quando e como tudo isso começou...

Ma Ferreira - Começou por acaso. A única pretensão na época era ocupar o meu tempo. Depois de 17 anos trabalhando na área comercial da Ford, já casada, tinha resolvido parar de trabalhar para me dedicar a educação de minha filha. O tempo foi passando e com ele chegou a depressão. Fui fazer terapia. Nunca tinha me interessado por arte. Não conscientemente. E confesso que nem pensei em cerâmica naquele momento como arte. Queria apenas ocupar o meu tempo e sair daquele inicio de depressão. Uma amiguinha da minha filha fazia cerâmica. Minha filha me contou e fiquei encantada quando vi aquela tigelinha de barro. Foi ai que resolvi fazer uma aula de cerâmica. Coloquei muita energia naquela aula. Sai de lá muito cansada e com meio vasinho quase pronto. Poderia ter desistido ali. Mas resolvi me dar uma chance: paguei um mês de aula antecipado. No final daquele mês, eu já tinha feito uma bandeja, com desenhos de borboletas, inspirada num hai-kai. Quando fui buscar a minha bandeja-borboleta na Olaria, encontrei uma pessoa que vendo a minha bandeja teve a generosidade de elogiar. Exagerou nos elogios, nas cores que usei. Disse que eu era uma artista. Pela inspiração no hai-kai, pelas cores etc. Sai de la toda feliz e disse: posso não ser uma artista. Mas serei. Foi ai que tudo começou...

Germano Xavier – Você enxerga a existência de uma relação, ou até mesmo uma interação, da poesia ou da literatura com a sua arte, Ma?

Ma Ferreira - Claro que sim. Sou uma contadora de histórias. Eu sempre gostei de poesia. Houve uma época que eu colocava na internet a palavra hai-kai só para ficar lendo. Viajava em cada hai-kai. Meu primeiro desenho em cerâmica foi baseado em um hai-kai. Desenhei borboletas coloridas em cerâmica. Já fiz uma exposição em homenagem a Vinícius de Moraes e um amigo escritor, o Marcos Pizano, escreveu os versos. Minha cerâmica já inspirou poemas. O contrario também aconteceu. Digo sempre que sou uma contadora de histórias. Cada cerâmica, um verso. Uma poesia. A boa palavra tem o poder de encantar. O Barro e as cores, também.

Germano Xavier – Fale-nos um pouco sobre o seu processo de criação, Ma.

Ma Ferreira - Eu sou muito intuitiva. Não faço ficha técnica de minhas obras. Eu crio a peça... um prato, por exemplo. Na hora da pintura eu olho para o prato, como se eu conversasse com ele. Aí, sim, vou pensar qual arte colocar... quais cores colocar. Meus trabalhos não tem perfeição técnica. Conheço vários ceramistas muito mais técnicos do que eu. Mas eu coloco sentimento. Cada obra, uma história. Não importa se pequena ou grande. Crio em cima da imperfeição. Para mim, nada é errado. Nada sai errado. Sai como deveria ser. Decido o que vou fazer na hora. Como um verso de um poema, uma construção. Adoro cores.

Germano Xavier – Quais são os planos para o futuro?

Ma Ferreira – Penso em criar a marca "maferreiracerâmica". Penso em diversificar um pouco mais a minha arte. Até o momento, tenho me dedicado à criação de objetos cerâmicos com função mais decorativa. Em um curto espaço de tempo, penso em desenvolver uma linha de objetos utilitários em que eu possa juntar essas duas funções: a decorativa e a de utilidade prática, tornando-os mais versáteis. Isso sem perder a minha identidade e característica maior que é a exploração máxima do uso das cores em meus trabalhos. Então, por que não começar criando a marca "Ma Ferreira"?






Imagens: Arquivo Ma Ferreira

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

As coisas cegas e inteligentes de Matheus Rocha (uma entrevista)

*

Por Germano Xavier


"Quem diria que naquele espaço estéril, encardido e pálido do apartamento aquilo ia acontecer – não sei o que aconteceu, e se aconteceu. Tudo isso podia ser só invenção, mera especulação descarnada do plano físico. Mas sabia, desde já, que aquela coisa ia virar referência: ia ser tatuagem, cicatriz, mancha, massa sem fermento ou qualquer coisa que o valha. Eram os olhos abertos, a boca pronunciando e provocando, os lábios se chocando maciamente, e tudo isso se avolumando, se encorpando – condição humana. Não era amor, não é e não será. Amor desumaniza. Era o que tinha que ser. E o que podia ser?”

Impossível não citar o excerto supracitado. A autoria é do Matheus Rocha, um “caba” novo lá de Garanhuns, Pernambuco, e seu livro de estreia na literatura é o INTELIGÊNCIA DAS COISAS CEGAS (u-Carbureto, 2015). Novo de idade, o sujeito parece bem mais velho na escrita. Velho, sim, mas velho de se dizer experiente. A obra é um pequeno compêndio de “onze contos e uma narrativa mais longa”, como o próprio autor definiu na apresentação.

O retalhe posto em evidência é apenas uma demonstração da escrita madura do autor, caminhante-camarada de dois outros grandes nomes da literatura garanhuense, Mário Rodrigues, que recentemente ganhou o Prêmio Sesc de Literatura 2016 com o livro de contos RECEITA PARA SE FAZER UM MONSTRO, e Hélder Herik, que levou o Prêmio Pernambuco de Literatura de 2014 com o livro A ARTE DE RUMINAR PALAVRAS. Tais nomes ainda se juntam ao de Dominguinhos e ao de Luís Jardim, dois fenômenos artísticos da cidade.

No trato do conteúdo do livro, o autor parece revisitar um conjunto de memórias dolorosas da vida, de uma vida, real ou não, e não se importa em nos revelar tudo com detalhes. O tom geral dos contos é de angústia. Algo parece não estar bem com as personagens e, por consequência, com o todo das narrativas. O leitor embarca, assim, numa viagem por dentro de brumas nada epifânicas. Como se Matheus não quisesse ensaios ou, como ele mesmo escreve na décima quinta página, “como se eu quisesse viabilizar uma estranheza permanente em cada linha...”.

Muito gentilmente, Matheus concedeu uma pequena entrevista a este que vos fala. Segue...


ENTREVISTA COM O AUTOR

Germano Xavier - O canal Redemunhando, do Youtube, listou uma sequência de temas ligados ao INTELIGÊNCIA DAS COISAS CEGAS, seu primeiro livro, a citar “solidão, insegurança, incerteza, morte, amor, desejo, desamor”. Do que trata o seu livro, Matheus?

Matheus Rocha – Inteligência das Coisas Cegas é um livro angustiado, sim. Pesado, inclusive. A Natasha acertou demais quando usou Back to Black, da Amy, como um eco do livro. É muito de como ele aconteceu. Foram três anos escrevendo, reescrevendo, mexendo nos contos. Eu diria que é um livro sobre dar adeus apenas com palavras – usando uma frase da própria música. É tudo isso em latência. Tá ali, às vezes explícito, às vezes implícito.

Germano Xavier - Helder Herik, escritor garanhuense, diz num vídeo-resenha no Youtube que a sua literatura provoca um “buscar”. Afinal, o que sua literatura busca?

Matheus Rocha – Não sei bem, ainda. Meus contos são muito pessoais – obviamente, a única experiência que posso ter é a minha própria e isso acaba sendo indissociável da literatura que produzo. E, geralmente, eles me tomam completamente e não dão espaço pra outras coisas. Passo semanas cozinhando histórias, convivendo com personagens até que eles se escrevam. Não paro muito pra saber ou perguntar o que busco, ou o que os contos buscam. É um processo muito vasto. Acho que essa busca é uma ressonância em quem lê. Talvez os leitores saibam mais disso do que eu.

Germano Xavier - Fale-nos de seu blog, o NA SOLIDÃO DAS VEIAS...

Matheus Rocha – O Na solidão das veias é um blog (parado, no momento) que criei pra colocar algumas impressões de leitura. Leio sempre e bastante, colocando metas de leituras mensais e anuais. Tenho pais professores, cresci rodeado de livros. Então, nada mais certo do que continuar com esse movimento. Geralmente, escrevo sobre livros que me afetam e me movem. Isso de elaborar literatura sobre literatura é um exercício interessante e importante. Hoje não tenho feito muito isso – acabo tragando todas as referências para os contos do próximo livro, e não numa coisa mais resenhista, mesmo.

Germano Xavier - No conto intitulado DUAS EPÍSTOLAS, você escreve: “Enquanto a distância for maior que o alcance das mãos, sim vou escrever”. A literatura tem alguma serventia, Matheus?

Matheus Rocha – A rigor, não. Nenhuma. E acho que isso é o mais importante, mesmo. Ela não é uma coisa que precise ter serventia. Ela é um caminho possível – que não tenho ideia da onde vai levar, isso só se sabe caminhando, mesmo.

Germano Xavier - Alberto Moravia, certa feita, disse que toda literatura é antissocial. Concorda com essa afirmação?

Matheus Rocha – Penso que sim. Escrever é algo muito solitário. Leitura também. Você tá sozinho, de cabeça baixa, lendo. Ou escrevendo. A forma como te afeta, como te move, já é outra coisa. É outro momento, já. Então, enquanto prática social, é sim terrivelmente antissocial.

Germano Xavier - Por que escreve?

Matheus Rocha – Por pura necessidade. Uma hora, é como se a literatura aprisionasse, segregasse e obrigasse à ter uma espécie bem dark e herege de vida. Pra ter o que produzir. Necessariamente, não é doloroso e nem precisa ser. Mas não é legal, não é feliz escrever e precisar disso. Eu escrevo, inclusive, por excesso. Tiro todas as referências da minha vida, mesmo. Claro, existem as homenagens que vou deixando nos textos. Apesar de transportar a sensibilidade pros contos – impregno tudo com afetos -, o texto é pensado. É possível viver o caos e escrevê-lo ao lada dessa organização estranha que chamam de razão. No fim das contas, tudo acaba sendo artifício – a própria vida, inclusive.

Germano Xavier - Como avalia as obras de Clarice Lispector e de Caio Fernando Abreu, que parecem figurar como grandes inspirações para o seu INTELIGÊNCIA DAS COISAS CEGAS?

Matheus Rocha – O Caio F. é o meu grande amor literário. Conheci sua literatura quando tinha 15 anos. A biblioteca da escola tinha uma grande quantidade de exemplares dos Morangos Mofados. Um dia, tentando pegar um livro do Pedro Bandeira, acabou que um dos exemplares do Caio caiu na minha cabeça – literalmente. E levei pra ler. Era tão cru, tão doloroso, era tão sensível – no sentido de sentir, mesmo – que me senti completamente sugado nos contos. Ele não escreve amenidades nem essas pílulas de auto-ajuda que a gente vê nos status do Facebook ou nas fotos do Instagram. É uma literatura de desespero, de contestação, de resistência mesmo. Sempre que o leio, e leio sempre, me emociono. E escrevo. A Clarice eu conheci por conta dele. Ela era sua grande paixão literária. E acabou que aconteceu o mesmo comigo. A obra dos dois dialoga muito, embora o Caio seja muito mais apocalíptico e urbano. A bruxa Lispector tem uma obra epifânica, súbita e inexplicavelmente simples. Isso me encantou. Tudo isso tento trazer pros meus textos. E nunca escondi essas referências nos contos. São homenagens diretas e abertas aos dois. E à outros mais.

Germano Xavier - A literatura é mesmo uma forma de insurreição, como preconiza Mario Vargas Llosa?

Matheus Rocha – A partir do momento em que a gente se dá conta de que a gente vive imerso numa cultura imagética (e não necessariamente narrativa), é possível pensar na literatura como insurreição. Isso porque o que tá em jogo é ser visto. Nas redes sociais, nos eventos, e assim vai. Existem ecos disso na própria cultura literária, claro. Ainda mais num país como o Brasil, com leitores dispersos e onde prêmios formam clubinhos autorais e chancelam qualquer tipo de qualidade. Então, ler e escrever acaba sendo um ato ambíguo de resistência. Justamente por essas questões.

Germano Xavier - Fale-nos sobre o trabalho das Edições u-Carbureto e a cena lítero-cultural da cidade de Garanhuns-PE.

Matheus Rocha – A u-Carbureto começou como um jornal literário. O trio de ferro aqui da cidade - Helder Herik, Mário Rodrigues e Nivaldo Tenório – inventaram o jornal pra ter um espaço literário por aqui. Acabou que virou um pequeno selo editorial independente, onde começaram a publicar suas obras. Ganhou notoriedade no estado, pela qualidade da edição e, obviamente, da literatura produzida por aqui. Logo que me lancei nessa desventura literária, os três abriram as portas do selo e lancei por ele. O próximo, que sai ano que vem, também leva o selo em negrito. A insistência e iniciativa dos três foi um impulso importante pra quem produz literatura por aqui. Pra além, claro, da herança de Luís Jardim – indispensável leitura. Em termos de literatura, Garanhuns já mostrou o peso que tem. Helder e Paulo Gervais, recentemente, levaram o Prêmio Pernambuco de Literatura. Mário trouxe o Prêmio Sesc, um prêmio nacional – do qual ele já tinha a menção honrosa. Outro que figurou nas menções honrosas foi Wagner Marques e seu isso que escorre, uma coletânea brutal de contos. E você, Germano. Tem Fernanda Limão, uma poeta maravilhosa. Uma poesia de toque, mesmo. Alexandre Revoredo, idem. Além de poeta de mão cheia, um músico e tanto. Leo Noronha e sua Neander, um espetáculo à parte. Andrea Amorim, claro. Outra explosão maravilhosa daqui. E Marcelo Francisco, que tem uma adaptação teatral de um dos contos que mais gosto do Caio F., dama da noite. Vale demais ver. O que me incomoda profundamente, nesse cenário todo, é a cidade não dar a mínima pra todo mundo. Com todo esse peso literário, Garanhuns não tem UM festival de literatura. Apesar da cena ser bem clara e ativa, ainda existem algumas ilhas – inclusive entre quem produz arte aqui. Talvez seja ingenuidade pensar numa unificação e fortalecimento – no fundo, tá todo mundo muito só, mesmo.

Germano Xavier - Michel Temer, Donald Trump, Jair Bolsonaro... o que nos reserva o futuro, Matheus?

Matheus Rocha – Acho que não precisa ir muito pra frente pra sentir o que nos reserva. Tá tudo muito escancarado. As neuroses todas transbordando. Preparem seus punhais, amigos.



* Imagens: Google.

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Mariana Basílio e o seu NEPENTE: um breve diálogo

*
Por Germano Xavier


NEPENTE é o título do primeiro livro de poemas de Mariana Basílio, 26, poeta graduada em pedagogia, mestre em Educação e natural de Bauru - SP. O livro é um recorte poético que demarca o homem, o tempo e a natureza da vida. O tempo em NEPENTE é um tempo de acabar-se, de polir-se em terminuras, em fins e inícios, tempo da passagem do próprio tempo: a possibilidade do ser-além, do aprendizado constante. Aprender que é, antes de tudo, espantar-se. Porém, NEPENTE é também latinidade, é a contemplação dos mortos de Gaza, é a eternidade inaudita dos gritos mundanos, é o corpo como oração déspota, é a lembrança cigana de terras invioláveis, é o céu e o sol dos mantos das deidades, o “instante total da vida”: o amor.


1. No poema REBENTO, você escreve “Minha intenção é a pura essência” e se questiona logo após “(e qual a essência verdadeira?)”... Aproveitando tais versos, pergunto a você, Mariana, qual a essência e qual a intenção de seu NEPENTE?

Posso começar a falar dessa tal intenção-essência pelos versos finais do próprio Rebento: “Sinto-me ampla e ausente, /o rebento impensado da pureza, /coração poente”. Primeiramente, devo dizer que a principal intenção dele (Nepente), antes mesmo da formação dos conteúdos poéticos, foi a de me libertar, me assumir poeta. Este momento veio aos 25 anos. Pensei no Nepente timidamente, como uma espécie de salvação minha, um ritual, para que eu pudesse nascer, me crescer poeta.

Já a essência, mesclada com a intenção poética do livro, dos temas e do estilo nepêntico, foram moldando-se a partir do primeiro poema, nada foi muito pensado antes disso. Mas o sentimento da palavra-mãe “Nepente” – a tentativa de escrever um livro-poção contra a tristeza e o sofrimento, me levou a falar sobre rebentar-se mesmo, libertar-se, dizer um pouco da alma, da natureza, do místico, social e religioso - isso esteve comigo em todo o percurso até a finalização da obra.


2. NEPENTE, desde a epígrafe que abre o portal poético do livro, passando por referências a grandes escritores do passado e indo até a escolha das imagens que vão ao miolo, possui uma atmosfera de estampa demasiado clássica. Até que ponto este aspecto é proposital em sua escrita de agora e o que isto significa?

O próprio título do livro, Nepente, é originário de uma obra clássica, a Odisseia de Homero. Ocorre que talvez essa atmosfera tenha acontecido a partir de minhas leituras, que têm referências de importantes autores clássicos, alguns citados-homenageados no livro, como Dante Alighieri e William Blake. A capa e as imagens do livro são obras do maravilhoso pintor inglês, do meio do século XIX, John William Waterhouse. Elas casam bem com esse universo, entre o que leio e o que tentei viver na obra.

Não foi nada proposital, aconteceu simplesmente surgirem os temas, os poemas, a junção do todo. Mas o meu livro é um amador, um iniciante, todo cru mesmo – foi somente o meu saltar, a engatinhar na Literatura. E se me perguntares, te direi como sempre o quanto eu sou exigente comigo mesma. Então, não consigo vê-lo como um ar realmente clássico, mas compreendo que, comparado a várias coisas que vemos na poesia contemporânea, ele pode ser visto por várias pessoas como algo que emana essa atmosfera.

Enfim, vejo o Nepente como uma criança a tentar descrever várias coisas, muito vagarosa ainda, insegura. Mas que vai adiante.


3. Em alguns poemas, é perceptível o tema da fuga, da busca, do itinerário a seguir... a poesia serve para que se chegue a algum lugar?

O livro começa com poemas envolvendo, dor, morte, sofrimento, e desenvolve-se em alguns questionamentos, fugas, transformações, até tornar-se mais leve, a voar.

Quando os escrevi, foi como viver várias fases que vêm e que vão muitas vezes em nossas vidas; escrevê-los foi então uma forma de superação das coisas.

A poesia serve para que não sejamos engolidos pelas dificuldades cotidianas, para que não nos alienemos com as dores e as barbaridades que muitas vezes vivenciamos ou sabemos que existem, simplesmente. Ela existe para eclodir um tudo, mesmo que exista um nada. Para mim, a poesia é um portal para se ser plenamente, no campo da alma, no fundo dos nossos olhos.


4. Se há uma palavra que me chamou a atenção em seus versos, foi a palavra ETERNIDADE. Qual o sentido da “eternidade” em NEPENTE?

Tem um sentido espiritual, místico – de uma possibilidade de existência para além de elementos de vida e morte. O sentido foi libertário, de se existir para ser eterno, ao menos por instantes, sentir-se eternamente ligado aos elementos místicos, naturais, sentimentais – para sermos outros, sermos sempre levados a uma transformação.


5. Por que poesia, Mariana?

Por que a vida, Equador das Coisas?

É isso. Como dizia Herberto Helder: o poema faz-se contra o tempo e a carne.


NEPENTE (Giostri, 2015), de Mariana Basílio.
* Imagens: Acervo pessoal da autora.

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Perguntas ao Pó (nº 1)



Hoje começo uma nova coluna aqui no blog O Equador das Coisas, com entrevistas curtas com leitores do blog. E a primeira entrevistada é Ana Lúcia Sorrentino.

O Equador das Coisas
- Quem é você?

Ana Lúcia Sorrentino - Eu sou a Analú.

OEC - Como surgiu esta vontade de ser ou agir como escritora (dentro de situações tão adversas em que viveu e vive) ou como você se percebeu iniciada no campo minado das palavras?

ALS - Minha primeira experiência fascinante com a literatura foi quando, ao começar a ler as primeiras palavras, meu pai, de repente, apareceu com a coleção completa do Monteiro Lobato. Aquela garota solitária, que vivia entre adultos, tinha uma única amiga e morava num casarão em uma larga avenida, sem liberdade para se aventurar pela rua, percebeu que era possível estar em outros lugares, com outras crianças, vivendo histórias incríveis, através dos livros. O Sítio do Picapau Amarelo me produz sensações agradáveis até hoje, tão viva ainda é a lembrança que tenho das minhas aventuras com Emília, Narizinho, Pedrinho, e aquele povo todo das histórias de Lobato. Mais tarde, já adolescente, percebi o quanto as pessoas não falam sobre o que é realmente importante. E o quanto se sofre com isso. E vi que o escritor minimiza o sofrimento alheio, à medida que expõe suas feridas, tão parecidas com as de todos nós. Quantas vezes, lendo um livro, percebemos que aquele escritor sentiu algo extremamente parecido com coisas que sentimos, e sobre as quais não falamos, por um ou outro motivo? Acho que a literatura nos mostra o quanto somos iguais, e nos ajuda a nos assumirmos, nas nossas fraquezas, nas nossas diferenças e mazelas. Diminui nossa solidão. Isso me fez querer escrever. Por fim, não há como não escrever, uma vez que todo o meu processo e entendimento do mundo e de mim mesma se dá através das palavras, e, quando há algo a se resolver, ou alguma catarse a se fazer, elas ficavam me perturbando, pedindo para que as organize no papel e, enquanto eu não faço isso, não tenho sossego.

OEC - Qual a distância entre o Brasil real e o Brasil oficial? O que há entre estas distintas definições?

ALS - Se considerarmos como Brasil oficial um Brasil esquematizado, visto de fora, matematizado, e como Brasil real aquele que vivemos no dia-a-dia, me parece que essa distância é descomunal. Quando entramos em contato com gente de fora do Brasil, que nos vê numa perspectiva mais distante, e cuja ideia de Brasil talvez seja formatada por dados oficiais, percebemos que somos até invejados por aí afora. E quando conversamos entre nós, brasileiros, o que prevalece são sempre as enormes dificuldades que enfrentamos diariamente, em todos os sentidos. Vivemos diferenças tão grandes e absurdas dentro desse mesmo Brasil, que fica até complicado tentar pintar um quadro sequer parecido com a realidade. Nasci e me criei em São Paulo, uma das maiores cidades do mundo, e, no entanto, sei que na maior parte do Brasil não há sequer saneamento básico. Aqui mesmo, ao lado, é assim. Convivemos com extremos de riqueza e pobreza todos os dias, e todos os dias nos perguntamos se algum dia esse sofrimento vai ser menor. Sabemos, oficialmente, do tamanho do Brasil, das riquezas do Brasil, das infinitas possibilidades do Brasil. E vivemos, diariamente, os abusos dos impostos, a incompetência administrativa, a corrupção nos metendo a mão no bolso descaradamente, fazendo com que não nos sobre tempo para viver de verdade. Quando olho em volta, o que mais vejo é gente se matando de trabalhar para ter um mínimo de dignidade. No entanto, o Brasil “oficial” parece sempre ser muito promissor. Para quem, afinal?

OEC - Para você, por que é importante estudar filosofia nos dias atuais?

ALS - Acho que é importante estudar filosofia, seja lá em que época for. Não para se conhecer a história da filosofia, mas para aprender a pensar por conta própria. Para aprender que é possível se pensar de forma diferente daquela que nos ensinaram, e para criar coragem de falar sobre o que pensamos, sem ter medo de estar contradizendo a ordem estabelecida, sem ter medo de não ser aceito. Certa vez li uma frase sua, Germano, que dizia que os melhores professores são os que nos ensinam a desaprender, e concordo plenamente com ela. Uma das lições que a filosofia tem me dado é essa, da desaprendizagem. E outra é a de não temer expor o que penso, e como sinto as coisas. Às vezes nossa vivência pessoal é tão absurdamente diferente daquilo que apregoam por aí que “deveria ser”, que sempre acho que a auto-exposição acaba beneficiando em muito os outros. Se quem me lê se sente consolado pelo fato de não ser o único patinho feio do mundo, acho que vale a pena escrever, e a filosofia nos ajuda a pensar melhor, e, consequentemente, a escrever melhor. Para mim, isso é muito importante.

OEC - Você lê poesia? Por quê? Para quê?

ALS - Leio pouca poesia, e sempre me pergunto o porquê disso, porque gosto. Nunca vou em busca de poesia. Ela me aparece, de vez em quando, e não me nego. Leio, gosto, me identifico, me emociono. Algumas vezes chorei desbragadamente lendo poesia, como quando li “Perdas e Ganhos”, de Lya Luft, quase inteiro, na espera de um consultório dentário. Ela simplesmente me desmontou. Mas poesias sempre chegam até mim por essa via do acaso. E, o engraçado é que, vez ou outra, escrevo poesias, se é que se pode chamar de poesia as brincadeiras que faço. Isso é totalmente intuitivo.

OEC - Política, para quê?

ALS - Infelizmente, para tudo... rsrs... porque somos seres políticos, não tem jeito. Por mais que às vezes nos enojemos da política praticada por políticos profissionais, e por mais distantes que desejemos estar disso, no nosso dia-a-dia, em nosso trabalho, com nossa família, entre nossos amigos, é preciso se ter alguma habilidade política para sobreviver. E, às vezes, é preciso mesmo se engajar em causas políticas. Se estamos desiludidos em relação aos políticos, ainda é pela política que temos chance de mudar algo.

OEC - O que pensas sobre o governo Dilma até aqui?

ALS - Penso que fico estarrecida com a quantidade de escândalos e confusa com as opiniões desencontradas sobre eles. Cruzo com gente indignada com o Governo, por ser inadmissível tantas “escolhas” erradas. E com gente que jura de pé junto que os escândalos são fabricados e que há uma elite cuja aversão ao PT beira a paranóia. Suspendo o juízo. Compadeço-me de mim mesma quando me lembro do quanto tive esperança em que, sob o olhar de uma mulher, alguma coisa pudesse melhorar. Concluo que não adianta, nos iludimos deliberadamente para poder prosseguir. Fico indignada o tempo todo quando percebo o quanto estamos abandonados. Precisar de um tratamento médico e depender do serviço público é uma aventura dolorida e perigosíssima. Colocar um filho em escola pública também é complicadíssimo. O que aconteceu com o Enem nesses últimos anos é de envergonhar qualquer cidadão brasileiro. Por outro lado, a elite que tem o privilégio de conseguir chegar a uma USP dá demonstrações vergonhosas de alienação, como nesse caso recente dos mimadinhos que queriam liberdade para fumar seu baseadinho. Por que não usam toda essa energia para se engajarem em causas realmente importantes? Precisar de transporte público é uma verdadeira penitência. Quem precisa viajar para trabalhar se vê refém de pedágios absurdos, que contradizem nosso direito ao ir e vir. E penso também que, seja lá quem quer que estivesse no Governo, infelizmente, o sistema todo é tão absurdamente contaminado pela corrupção, que as coisas não seriam muito diferentes não. Tive contato com gente que se relaciona intimamente com políticos de peso, e o que percebi foi que o corrupto mente para si mesmo, perde a noção do que é razoável, vive de desvios do nosso dinheiro e ainda nos trata com arrogância. Ele incorpora de tal forma a corrupção à vida dele que seria capaz de escrever uma espécie de “Elogio à Helena”, justificando de todas as formas possíveis e imagináveis o fato de ser corrupto. Seria o “Elogio à corrupção”.

OEC - O que andas lendo atualmente e do que se trata?

ALS - Ando lendo filosofia, Germano. Não dá para escapar... Acabei de resenhar “Sobre Verdade e Mentira no Sentido Extra-Moral, de Nietzsche”, e me surpreendi ao perceber quanta similaridade há naquilo que Nietzsche diz nesse texto e naquilo que trabalho em meu blog, quando falo sobre a “negação da realidade”. Nesse momento leio as Meditações de Descartes, “O Cético”, de Hume, e um texto muito bacana de Gonçalo Armijos Palácios – “De como fazer filosofia sem ser grego, estar morto ou ser gênio”. Nesse livro Palácios enaltece os gregos, por terem tido coragem de filosofar de fato, e critica a filosofia acadêmica, por formar mais “comentariólogos” do que filósofos de verdade, denominando isso de “peste do comentador”. E... para não dizer que só tenho lido aquilo que sou obrigada, por estar cursando filosofia, estou lendo... filosofia! Rsrs... “O Amor”, de André Comte-Sponville. Muito legal. No início do livro Sponville já defende a ideia de que o amor é o tema preferido de todos, porque, mesmo quando dizemos que nosso tema preferido é outro, na verdade, o tema é o amor que sentimos por esse outro tema. E, como meu tema preferido é mesmo o amor, estou curtindo.

OEC - A tua cidade já esmagou você alguma vez? Como?

ALS - Sim, toda hora. E tem a ver com o que já falei antes. Aqui se sofre muito com excesso de trânsito, de poluição, o clima é difícil, o custo de vida é muuuuuito alto, e se trabalha muito. Além da concorrência, que é violenta em qualquer setor. E, quando saímos para nos divertir, enfrentamos filas, esperamos muito, é difícil. Porque, embora São Paulo seja imensa e tenha uma vida cultural muito rica, e uma gastronomia fantástica, também há aqui muita gente com muita grana para consumir.

OEC - Fale-nos algo sobre o blog O Equador das Coisas...

ALS - O Equador das Coisas é o blog que visito todos os dias, sabendo de antemão que encontrarei novas postagens, sempre de alta qualidade literária. É o blog onde leio sobre tudo, nos mais variados formatos, e sempre muito bem dominados pelo escritor. É o blog que me coloca em contato com vários autores, de maneira prazerosa, através do olhar inteligente do blogueiro. Que me leva a ler a poesia que não procuro, curtindo muito. E que, aliás, me encanta por ir de extremos de sofisticação à enorme simplicidade. Que me faz desejar que seu dono ganhe cada vez mais espaço, pelo enorme talento que tem, e que me faz vibrar sempre que percebo que isso será inevitável. E que me coloca um sorriso no rosto quando leio coisinhas doces como

“teus olhinhos
assim fechadinhos
me abrem constelações.”

Bom demais.

Ana Lúcia Sorrentino escreve em Reencontrando sua Alma.

sábado, 26 de outubro de 2013

Perguntas ao pó (nº3)


E a entrevistada de hoje é Lilian Farias, que escreve em Poesia na alma.


O EQUADOR DAS COISAS: Quem é você?

LILIAN FARIAS: Eu sou Lilian Farias: mulher, menina, companheira, educadora, poetisa e escritora!

OEC - Na literatura, quem é Deus?

LF - Eu não sei, pois não enxergo Deus dentro da literatura, não consigo ver Deus na literatura. O Deus que enxergo está no meu intimo!

OEC - O que é ser das Letras?

LF - Por um momento achei que ser das letras era fazer parte da ABL; Usar palavras bonitas e rebuscadas e um Pincenê. Hoje acredito que ser das letras é democratizar o acesso aos bens de cultura no país e no mundo. Aparentemente uma visão deveras utópica, mas considero uma tarefa árdua e complexa, que quem se pondera das Letras deve estar pronto para suportar!

OEC – Fale-nos sobre seu primeiro livro publicado recentemente pela editora Multifoco...

LF - Encontros para liberdade é um livro que fala da essência feminina e da busca por uma felicidade que a maioria das pessoas não enxerga: de dentro pra fora. Eu cresci observando muitos falarem que queriam ser felizes e acabavam por atribuir esta felicidade a terceiros, mas não paravam para refletir a complexidade do que proferiam.

OEC - Você professa?

LF - Costumo dizer que sou educadora, pois professar me remete a uma visão behaviorista.

OEC - Você, como o Piva, só acredita em escritor experimental que também tem vida experimental?

LF - Você já comeu chocolate? É bom ou ruim? E se não tivesse experimentado, como saberia se é bom ou ruim? Eu acredito que a vida foi feita pra ser vivida! Imagina uma virgem falando do gozo de uma transa que nunca viveu? Imagina um agressor falando da sensação de um soco que nunca levou?

OEC - E se o mundo acabasse amanhã?

LF - Eu só sei do agora! Todos os dias o mundo pode acabar pra alguém... O melhor, pra mim, é viver e pensar no agora!

OEC - O que andas lendo atualmente e do que se trata?

LF - Leio Mulheres que correm com os lobos: mitos histórias. De Clarissa Pinkola Estes. Que retrata os conflitos da mulher moderna com a mulher selvagem. Não é um livro feminista, porém bem feminino! Também estou lendo Parem de falar mal da rotina, de Elisa Lucinda. Gosto de ler novos autores brasileiros e o último foi O Oitavo Pecado, de Adriana Vargas.

OEC - Vale do São Francisco, que bicho é esse?

LF - O Vale do São Francisco é uma região rica e linda, com um grande potencial, mas esquecida pelo poder público! Quando olho para “Os grandes produtores” lembro-me do imperialismo! Rico em cultura, o Vale do São Francisco enche nossos olhos com o Rio, as histórias de trancoso, Samba de Véio (que amo dançar!), as lindas carrancas e os vinhos. É maravilhoso fazer um recital à beira do rio tomando vinho!

OEC - Fale-nos algo sobre o blog O Equador das Coisas...

LF - Costumo dizer que o Equador das Coisas é de uma pessoa inteligente para pessoas inteligentes.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Perguntas ao Pó (nº 2)


A entrevistada de hoje é Cláudia Lemos, que escreve em Controvento-desinventora.


O EQUADOR DAS COISAS - Quem é você?

CLÁUDIA LEMOS - Eu sou a conjunção de uma sexta-feira da paixão com uma terça-feira de carnaval. Defensora da liberdade. Força magma que escorre delicada, como uma lágrima inesperada diante de uma cena que gere em mim a indignidade. Sou o vento que despetala um campo de girassóis, preocupada em alimentar a fome de todos os Van Gogh(s), a fim de interferir na paisagem do mundo, construindo gente...sentindo-me humana. Eu sou o outro, sem deixar de ser eu mesma.

OEC – Por que você escreve?

CL - A escrita é o ar que respiro. Escrevo o tempo todo mentalmente sobre a paisagem em meus olhos, a cena intragável, a boca que beijo. Dentro de mim há textos que nunca escrevi, há uma estante vivida e, às vezes, versos submersos brotam poemas, parágrafos, contos... A verbalização é inusitada cabe em qualquer folha em branco, no blog, num papel de pão, na minha trincheira, que é a sala de aula, no quadro que já foi negro. Sou feita de palavras, que espalho ao vento.

OEC - O que é ser carioca?

CL - É um estado de espírito. Embora eu tenha nascido em Teresópolis (Região Serrana do Rio) pelo tempo que vivi na cidade “maravilhosa”, sinto-me carioca de alma e de gema. Há uma liberdade em Ser carioca, que transcende a violência, as dificuldades e o medo... Amo do Rio do Subúrbio do Trem ao Metrô da Zona Sul e não há quem resista a Rua do Lavradio, Pedra do Sal, Feijoada da Portela, Fla X Flu no Maraca, ensaio da Escravos da Mauá, Praia de Grumari, Restinga da Marambaia...Dá pra esquecer tiroteios, sequestro relâmpago, assaltos...apesar de tudo dá prá ser carioca. Além de tudo caminhar pelos textos de Machado de Assis, João do Rio, Heloísa Seixas...O rio é um livro aberto, em que o carioca pode ser personagem, leitor, escritor...

OEC - Ainda sonhas com algo que não realizou? Pode nos dizer?

CL - Sempre os sonhos, assim como a utopia eles nos movem. O mais louco é escrever poemas e trechos de textos, que fale do “ser humano” pelas ruas, viadutos, sinais de trânsito e que as pessoas em pelo se vestissem de poesia; o mais acadêmico seria ir à Itália fazer um curso com Umberto Eco...

OEC - O que é ser professor(a)?

CL - Um desafio em um país onde não se valoriza o profissional de educação, no entanto ainda defendo o espaço da sala de aula com autonomia, criatividade e amando o que faço, pois como já disse essa é a minha trincheira.

OEC - Dia D,de Drummond. Quem é Drummond para você?

CL - Um “gauche na vida” é o que Caetano define musicalmente como: “o avesso do avesso do avesso do avesso.” Um poeta à janela, observando o mundo parado, tendo convulsões poéticas e desejando sua Pasárgada-Itabira.

OEC - O que pensas sobre a violência no Brasil?

CL - Vivemos a violência evidente, mas todo tempo sofremos e cometemos a violência simbólica, usando, por exemplo, a falta de atitude, o desrespeito, imprimindo a desconfiança e desacreditando no ser humano. A violência começa em cada um de nós e só a partir de nós pode ser combatida.

OEC - O que anda lendo atualmente e do que se trata?

CL - Tenho a prática de leituras simultâneas e, neste momento, leio: “Instruções para Salvar o Mundo”, de Rosa Montero, uma fábula moderna, que insiste em provocar o leitor a responder: “Até onde você iria para recomeçar sua vida?” é um título que engana os desavisados, pois narra sobre dois homens muito diferentes entre si, que despertam toda noite de um mesmo pesadelo. O outro título que leio é “Eu Matei Sherazade: confissões de uma árabe enfurecida”, de Joumana Haddad, que este final de semana esteve no Rio e deu uma entrevista no Segundo Caderno do Globo sobre o livro em questão. A capa traz o seguinte comentário de Mario Vargas Llosa: “Um livro corajoso sobre uma mulher no mundo árabe. Ele abre nossos olhos, destrói preconceitos e é muito divertido”. Eu atesto que o que ele diz é verdade. Além destes, leio a biografia: “Clarice,”, escrita por Benjamim Moser, muito bem editado pela Cosacnaify, que mescla a biografia à bibliografia da adorável Clarice Lispector de maneira agradável, promovendo uma intimidade com a sua produção literária e revelando particularidades inéditas. Leio, também, as produções dos blogs que sigo, diariamente.

OEC- Astrologia funciona? Como?

CL - Como o astrolábio (instrumento astronômico) indicava o caminho aos navegantes e Fernando Pessoa diz: que “navegar é preciso”, para atravessar o mar da vida, escolhi o mapa astral, que revela o desenho do céu no momento em que nascemos. Se funciona? Não sei, mas acho extremamente poético: um poema feito de constelações.

OEC - Fale-nos algo sobre o blog O Equador das Coisas...

CL - É um blog que traduz o título: um ponto repleto de orbitais. É um diferencial pelas propostas, pelo talento do autor e pela versatilidade, que promove o movimento de todas “as coisas” nessa linha imaginária, equatorial e poética. Fico feliz em saber que existem escritores que escrevem com esta qualidade literária como você.