domingo, 25 de agosto de 2019

Sobre Cerco, de Stenio Erson




Por Germano Xavier



"Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia."

Leon Tolstói



Narrativas que transformam algo são sempre as mais difíceis de serem escritas. Narrativas que nos transformam, ou que transformam pessoas, ainda mais. Gerar evolução no outro é ofício de doido, diria alguém. Todos os textos têm introjetados em si esta carga de poder, de máxima, mas a experiência de vida do autor é, talvez, o detalhe que possibilita que algo mais nos aconteça ou nos toque quando estamos a ler um livro qualquer, já que ela – a experiência - irá nos requerer um gesto de pausa, um gesto que é tão difícil nos tempos de agora-ontem-amanhã, um parar para ver-melhor, um parar para ouvir-mais, um parar para pensar-além, mais devagar, mais plástico, mais sentido, mais demorado e minucioso.

A narrativa, quando opinião e pureza, quando vontade, quando menos automática, quando mais atenção e quando mais delicadeza, abre olhos e ouvidos gerais, fala e acontece num mesmo instante, apreende, aprende e ensina, realiza encontros, cultiva calores e sabores humanos dentro dos tempos vários e dos espaços múltiplos do nosso viver em sociedade. Quando o autor opera este pequeno milagre, dá-se a Literatura com a maiúscula inicial. E é com base em tais potencialidades narrativas que o livro CERCO (Multifoco, 2019), de Stenio Erson, chega até o olho-nosso que lê.

O autor, natural da Chapada Diamantina, utiliza-se de histórias pessoais e sociais para construir uma identidade narrativa que posiciona o leitor em um tripé bem resolvido: o vivido, a memória e o narrado. Tudo isso em cerca de 80 páginas e 10 contos. Um servidor que morre e deixa o devedor no vácuo, um caroneiro que some no meio do trajeto, uma mulher que se joga do alto de uma cachoeira, um menino feito de muita vida, entre outras passagens, autorizam momentos de autorreflexividade, de intersubjetividade e de alteridade perante as personagens que maquinam as composições narrativas do livro e, também, diante de nós-mesmos.

No meu caso, que também sou nativo da inigualável Chapada Diamantina, ali no centro geodésico baiano, que fui parceiro do prezado autor em viagens, travessias, poeiras e trabalho, senti-me conhecido e reconhecido em várias passagens da obra. E como é interessante quando é o outro que conta a nossa história ou a sua história! CERCO é daqueles livros que não se dissociam do lugar, que não fogem de sua territorialidade, e que, por isso, acabam ampliando sentidos de pertencimento, transformando tudo em novas perspectivas, deixando claro que tem potencial para reverberar em mentes diversas dos quatro cantos do mundo. CERCO ainda conta com ilustrações fabulosas de Pedro Lima, artista plástico bastante renomado na região.


* Imagem: Acervo do autor/Stenio Erson

domingo, 4 de agosto de 2019

O professor e a alegria do movimento




Por Germano Xavier


Muita gente não sabe, mas a minha caminhada dentro do planeta Educação começou mesmo, de verdade verdadeira, no ano de 2004, apesar de eu ser filho de professora e ter um certo convívio para com esta Dona já de bem antes desta. Paulo Freire (ainda podemos falar o nome dele, assim, abertamente?) já dizia: "A alegria não chega apenas no encontro do achado, mas faz parte do processo da busca. Ensinar e aprender não pode dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria". Naquele ano, estava eu em Salvador-BA esperando que as aulas da Universidade do Estado da Bahia  (DCH III) começassem após uma greve que fez com que o semestre letivo se atrasasse cerca de oito longos meses. Num dia bonito, minha mãe me liga: "Germano, uma professora vai sair de licença... você não teria coragem de pegar as aulas dela, não?" Foi o estopim. Fósforo riscado.

De lá para cá, passei por várias modalidades e níveis de ensino, principalmente pela Educação Básica de ciclo público, trabalhando em comunidades quase sempre carentes ou menos favorecidas, entre elas algumas em zona rural. Para este público, o professor é ainda mais necessário. Trabalhar com cognitivos adormecidos, carências motivacionais e sensibilidades afetivas muitas vezes destronadas é feito pisar um campo hostil e misterioso, que não nos oferece o óbvio olhar sobre as coisas que nos rodeiam. Todavia, eu sempre soube que ser professor é buscar, é se manter em movimento, é estar-além, e sempre fiz isso em minha trajetória na docência: buscar. Descobrir os caminhos para se chegar ao fim da reta, com mais fôlego e menos arfante, é saber manusear as estratégias mais inteligentes para se descobrir e construir habilidades.

Digo a vocês, meus caros, em alto e bom som: saber reconhecer a importância de uma pedagogia da afetividade voltada para o aluno representou, e ainda representa, para mim, um dos maiores avanços meus no trato educativo, ano após ano. A escola, assim, tende a deixar de ser vista como um território amargo para os discentes. O interesse aumenta, o respeito, a reciprocidade, a empatia, o acolhimento é sugerido já de pronto. As competências dos estudantes logo são atingidas, conhecidas, desabrochadas, incentivadas. Tal pedagogia, a da aproximação, a do olho-no-olho, a do pulso-com-pulso, esboça querer resolver o que temos a fazer com este Novo Tempo que nos cerca, veloz, midiático, ríspido, de superfícies e pouca amorosidade entre os iguais. 

Descobrir-se professor, na ativa sê-lo, em luta, reconhecer-se, saber-se poderoso e capacitado para enfrentamentos vários e diários já é, sim, um ótimo começo. O mundo anda complicado demais para se ser em metades. É cada vez mais primordial mudar a realidade, auxiliar pessoas, empoderar almas, instruir, aconselhar caminhos, apoiar destinos na fortaleza que é o conhecimento. O professor, mais que qualquer outro profissional, tem a chance de operar estes pequenos milagres cotidianos, que farão do futuro o reino de todas as graças. E é sua obrigação prestar mais atenção em tudo isso.