quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Um olhar sobre colocação pronominal

*
Por Germano Xavier


VIEIRA, S. R.; BRANDÃO, S. F.. Ensino de gramática: descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2007, p.121-146.


A problemática envolvendo a questão da COLOCAÇÃO PRONOMINAL, principalmente com relação ao seu uso/ensino, termina por revelar de antemão a grande ligação existente entre a Fonologia e a Morfossintaxe, do mesmo modo que serve de ponto de apoio para identificar reais aproximações e/ou divergências no tocante ao uso da língua portuguesa tanto no Brasil quanto em Portugal.

A colocação pronominal obedece não só a fatores estruturais, mas também a aspectos estilísticos e rítmicos. De tal forma, um trabalho que envolva a temática da colocação pronominal vai sempre passear por três vertentes: a sintática, a morfológica e, por fim, a fonológica, não sendo possível deixar de lado alguma destas características em caso de se efetuar um estudo mais aprofundado acerca do assunto.

Dada a relevância do tema, e visto que se agrega em campos da pesquisa de caráter interdisciplinar, um olhar sobre o uso das colocações pronominais sempre se mostrará pertinente e, diria, fundamental para a lida diária de profissionais e pesquisadores que perpassam esta área do conhecimento.

Destarte, alguns pontos definidos com base em pesquisas recentes merecem destaque:

• A abordagem tradicional tenciona que há mesmo uma situação conflituosa envolvendo a colocação pronominal no português brasileiro e no de Portugal e que, num olhar aglutinante, a ênclise seria a regra geral;

• A abordagem descritiva em duas gramáticas estudadas indicam que ou a ênclise é o padrão básico, não marcado, ou os clíticos se colocam sempre anteriormente antes do núcleo do predicado (verbo);

• A abordagem sociolinguística aponta que há um equilíbrio na ocorrência de próclise e ênclise em lexias verbais simples nas duas variedades do português (modalidade oral), inexistindo casos de mesóclise. Quanto à escrita, há um leve aparecimento de casos envolvendo mesóclise na variedade europeia do português. De resto, mantém-se o equilíbrio quanto ao seu referido uso;

• No português europeu (oral), e com relação aos elementos condicionadores da ordem do clítico pronominal, observa-se maior ocorrência da variante intra-CV (Complexo Verbal), sendo que no caso do português brasileiro este índice pode chegar a 90% dos casos;

• O tipo de clítico, a forma do verbo não-flexionado e a constituição do complexo verbal são fatores importantíssimos para o condicionamento da ordem dos pronomes, tanto na variedade do português brasileiro quanto na variedade europeia;

• Quanto ao tipo de clítico, fica evidenciada a marcação maioral da posposição do clítico acusativo de 3º pessoa aos complexos verbais;

• Quanto ao tipo de complexo verbal, o comportamento do português brasileiro diferencia-se da variedade europeia pelo fato de apresentar o pronome anteposto à segunda forma verbal, como no exemplo: pode me dar;

• Quanto à forma do verbo não-flexionado, percebe-se que a forma do particípio não recebe bem o pronome. A variante pós-CV é, assim, bloqueada pelo particípio e desfavorecida pelo gerúndio;

• Com relação à análise prosódica, percebe-se que o pronome átono do PB assume feições de sílaba pretônica vocabular e o seu parâmetro de ligação fonológica é inclinado à esquerda, sendo que duração e intensidade são os fatores que mais influenciam na cliticização do pronome à esquerda;

• Dentro do ambiente da colocação pronominal brasileira, a caracterização sociolinguística a partir das pesquisas empenhadas infere que a próclise é a variante preferida, mesmo na escrita, ficando a ênclise destinada a alguns casos especiais em contextos morfossintáticos (a ênclise pode figurar significativamente na oralidade);

• O profissional/linguista deve estar ciente da co-atuação de variáveis extralinguísticas (modalidade e registro) e linguísticas (tipo de clítico e presença/ausência de “atratores”) no contexto da fabricação da regra variável;

• O ensino da colocação pronominal, observando os fatores da regra variável, promove diversas habilidades em leitura, desenvolvendo também o raciocínio científico do aluno sobre a língua;

• Para um melhor progresso na relação de ensinagem, faz-se preciso que o professor revele ao aluno cada contexto variável em função das variedades e das modalidades linguísticas em uso, apresentando assim todas as possibilidades inerentes aos diferentes níveis gramaticais, indo desde a ordem dos pronomes em relação ao verbo até a averiguação acerca da função sintática que os referidos pronomes exercem nos enunciados;

• Num olhar geral, a orientação denominada de “sociolinguística inovadora” é a que se apresenta melhor equipada para os desafios da ensinagem, pois viabiliza ao estudante o contato com o maior número possível de opções, valorizando para isso os contínuos da variação e não negando o estatuto social da linguagem, padronizador e mutável ao mesmo tempo.


* Imagem: http://edusampaio.com/2012/01/03/colocacao-pronominal/
Resumo: texto em formato de recortes.

sábado, 24 de outubro de 2015

O julgamento das almas largas (Parte II)

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Por Germano Xavier e Camilla Tebet


“Nenhum homem é uma ilha.”
John Donne


SOBRE AS CONDICIONANTES


No meu coração bate vento e não passa mais nada no vão. Fui a uma festa que não acabou. Bebi demais. Não evaporou. Encostei numa parede qualquer, mexi no cabelo, cruzei um pé no outro e ouvia a música. As pessoas não pararam de dançar só porque eu me sentia estranha. Na verdade eu não tinha com quem falar. Minha meia calça rasgou no banheiro e minha bolsa era velha. Esses dias aprendi a fazer maquiagem, mas acho que exagerei. Tudo um exagero. Meu coração venta e tem bocas e vozes saem dele. Umas gritam. Alguém disse que é um grito. Eu tirintilo. Mas a pouca luz me conforta. Como se a qualquer momento pudesse fechar os olhos e viver a vida real. Há, quantas vidas eu vivo! E tem gente que acha que não vivi nenhuma. Essa estrada me leva em busca da falta que me move. Do estudo que ainda não fiz de mim. Da célula desgarrada. Sim, porque eu quero um caminho. Linha reta e gozar curvas. Minhas pernas tremem porque respeito as palavras.

dura realidade. a de não existir. não existindo, deixamos de amar. a realidade é uma foice. inda não caímos na real. não a compreendemos. um dia? somos guardadores de realidade. estocamos realidade. isto é ruim. isto é bom. isto é todavia. para onde nos esgarçaremos mais? estaremos como seres tisnados, carvão nos pulsos, extremamente poluídos de tudo. meninos carvoeiros. meninas carvoeiras. a realidade é incauta. somos incautos. o que inferir? beber a água que nos resta? forçar a chuva ácida? um arrocho. a realidade. existência é linguagem. sem linguagem, não há mundo nem ser. nem as coisas inteiras. só as coisas pela metade. e vida não pede metade. e vida pede inteireza. riscaremos o aglomerado dos indignificados símbolos da vida do mapa. somente através, atravessar. calada noite preta. imediata. zeugo: há música, porém. afinal, você tirintila. você inda lembra? você inda lembra de você?


*  Imagem: http://www.deviantart.com/art/Night-Path-568052559

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Sobre as regas

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Por Germano Xavier

regar as flores
mesmo se plásticas
regar as flores


* Imagem: http://www.deviantart.com/art/Flower-field-241167105

sábado, 3 de outubro de 2015

A farsa

*
Por Germano Xavier

para o professor Elcy Luiz da Cruz,
desorientador de caminhos vagos
(todo o meu respeito)


pensando bem,
depois de Kafka veio a euforia.
a mão trêmula. a bandeira e o mastro.
a guia é a bomba morta que aviva o breu.
a palavra é o pássaro com altura de precipício.

pensando bem,
o desajuste necessário cabe
em não entender do mesmo jeito.
devemos, pois, tentar bagunçar o bolo
e lançar mãos de todo reinado.

uma vaga para o próximo domingo
livrar-nos-á o enterro das relutâncias.
geme a miserável pedra da história.

e aos democráticos,
e aos liberais,
e aos pacifistas,
e aos libidinosos,
e apesar dos humildes associais,
aqui jaz a pluralidade.

mas

como na cena de sua voz trôpega
a dor é sempre maior que um mero fato,
começo a contar o começo das covas rasas.

(não que morrer em branco lembre-nos um vegetal futuro)

o caso é:
extenso é o mal
e todo sonho é um manual de sobrevivência.

- Podemos nos consumir agora?


* Imagem: http://www.deviantart.com/art/The-Tree-of-Life-150216752