terça-feira, 29 de outubro de 2019

Sobre "A Dakimakura Flutuante", de Camillo José




Por Germano Xavier


(Cepe, 2017)



Dakimakura: travesseiro pop gigantesco. Coisas de uma Ásia vaporwave, e de um mundo caótico. Cáustico. Para dormir abraçado (o travesseiro). Mas só ele abraça. Nada mais abraça. Só abarca. Livro diferentão. Diferentão mesmo. Todo quebrado. Todo cheio de cacos. Experimental: a poesia de Camillo José. Línguas e linguagens dançando em uns anos-80-quase-anos-90. Séculos integrados. Amor e computador. Rebeldia e entrega. Deus-dinheiro. Capitalismos das cores. Poesia sem crítica. Algo a se pensar.

Segundo livro de poesia do cara. Uma viagem. Mesmo! "A dakimakura flutuante", título inteiriço. Dono do "Chave de espadas" (Patuá, 2013), Camillo é total no que nos entrega do segundo petardo. Referências de onde nem sei, mas-que. Cultos e culturismos, culturalidades, culturas. Doses cavalares de uma nipônica estética vaporwave misturada com tantas outras reentrâncias. Filmes, desenhos, pandemônios adolescentes, internet revirada ao avesso, prismáticos envenenamentos de consciência. Trans-psicodelia. O mais-que-moderno. Livro para se ler inúmeras vezes e tentar algo.

Com a publicação, Camillo foi o vencedor do 4º Prêmio Pernambuco de Literatura, em 2016. 


sábado, 26 de outubro de 2019

Sobre "A arte do descaso", de Cristina Tardáguila




Por Germano Xavier



"A arte do descaso – A história do maior roubo a museu do Brasil", da jornalista Cristina Tardáguila, é um pequeno apanhado factual acerca da ineficiência e do desprezo para com a valorização das artes em solos brasileiros. Tardáguila montou um livro-reportagem que prende o leitor do início ao fim, tal qual os grandes exemplos do gênero, que tem como ponto-mor as inovações jornalísticas experienciadas a partir de meados do século passado, quando o New Journalism apontou sobre a superfície das redações dos grandes jornais e das gráficas de todo o mundo com seu time espetacular de autores, a citar Truman Capote e Joseph Mitchell.

A autora reconta, com minúcias, toda a trama que envolveu o roubo que subtraiu do Museu da Chácara do Céu, situado no bairro de Santa Teresa, na cidade do Rio de Janeiro, obras de alguns dos mais importantes nomes das artes do mundo, a citar Monet, Matisse, Salvador Dalí e Picasso. O roubo, que aconteceu no ano de 2006, mesmo já passados vários anos, ainda é considerado um dos maiores atentados às artes de todos os tempos (maior roubo do Brasil e oitavo maior roubo do mundo). Ao todo, cinco obras foram roubadas que, juntas, somavam um total de aproximadamente 10 milhões de valoração estimada.

Após efetivarem a rendição dos guardas do local, munidos até de uma granada, os meliantes levaram os quadros mata adentro e nunca mais foram vistos. Para decifrar toda este novelo, Cristina Tardáguila iniciou uma busca incessante através de viagens, congressos internacionais e entrevistas com os maiores especialistas no ramo, além de pessoas aparentemente metidas no imbróglio. As suspeitas eram firmes e por pouco não se transformaram em brutais convicções. No fim das páginas, a certeza é única: o Brasil é um país completamente despreparado para vivenciar tais situações.

Ao entrar “(...) definitivamente no mapa do roubo de obras de arte com o assalto ao Museu da Chácara do Céu”, o Brasil terminou por demonstrar a sua fraqueza, o seu desleixo e a negligência de seus mecanismos de investigação e de justiça. O livro é deveras um Thriller muito bem elaborado e  uma grande sacada de Tardáguila, que assim, com maestria, resolveu estrear em livro. Quando terminamos de lê-lo, cria-se uma enorme fazenda de pulgas em nossa cabeça. Sim, amigos, aquilo de que já desconfiamos há bastante tempo se define em tons claros e evidentes: o Brasil, definitivamente, não é para amadores.


segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Sobre Arquiteturas de Vento Frio, de Walther Moreira Santos




Por Germano Xavier


(Cepe, 2017)



Frio é o vento-nascente de dentro, aquele que aflora e deflora. Corta, afia, amola: lâmina invisível. Cultivo de bala é vento que mata sem dó de quem nestes pernambucos tão brasis. Fogo de dentro e também de fora. Chama acesa, labareda-de-meu-deus. Vem varrendo tudo! Vem que vem. Cada ser é uma correria humana. Ponta aguda contra o peito nosso de cada dia. Quão complexa é a vida! E quão simples ela é? Dá para se ter uma mínima noção do tamanho do estandarte que carregamos? Nossas alegrias parecem poemas cobertos com querosene. Podem servir para fogaréus.

Primeiro carro abre-alas: precisamos fugir para amar com amor o silêncio mais bruto. Segundo & rubro carro abre-alas: a cidade não para, a cidade só cresce, em nome de todas as mutilações possíveis e inimagináveis. Ela cresce. Cresce a mente de quem faz a cidade crescer? Andar é morte. Respirar é morte. Bocejar é morte. Sair é morte. Feriado é morte. Sumir é morte. O que é mesmo a vida, meu amigo? Por isso, a palavra? Ainda uma regra de três sem mote esgotado, a Palavra. Engenharia de quem é a caminhada para os ondes? Lugar bom é o peito de quem nos acolhe?

O "se" torna-se eterna ponte: arquitetura de vento frio. Dúvida X Pedagogia. Tão cedo tem sido a marca da imaturidade nas gentes. Pessoas cada vez mais sem. Faltando escolher o que abandonar, o que vale a pena carregar nas costas, os pesos tantos, o peso destes corpos desabitados e secos. Quem à margem insistirá em ir? Murmuremos, pois. Prolongados são os dias à espera do que nos convém. Rogar a quem quando teu é o reino funesto que encampas? Santíssimo, tende piedade de nós! Misericórdia, senhores da guerra! E que nos ensine o caminho onde o que mais nutre é palavra posta em papel nu, Senhor dos Universos!

Coragem não basta, nunca. Fazer manso não basta, sempre. Louvado seja aquele que renova suas manhãs no café bebido logo cedo. Punidos sejam os homens de igual tarde todo dia. Reinventar é preciso quando o buraco esconde o fosso-mor de nossas almas. Prolongar-se, tentar ser e ir mais adiante. Remanescer dentro de nossas gargantas gélidas como o branco do Ártico. Sobreviver aos ensaios de antropologia brasiliana dos agoras em agonia. Retesar a corda já rija. Fazer chover. Chuva de água morna. Sobre nossos pés. E viver, apesar.