sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Mulher-rio



Por Germano Xavier

para Carol Piva, em ani-versos


estio | equador
quente de tão-quente
verão inteiro



Carolina Piva é o nome dela. Toda uma estação. Ela. Desde que a sei que sou mais. Ela tem isso. Dentro. Cria e difunde. Ama. Este espaço é mais com ela. Por ela, também. Rio que corre na noite. Sereno. Misterioso, de tão profundo. 

Feliz aniversário, C..
Sigamos!


* https://pixabay.com/pt/gotejamento-molhado-gota-de-%C3%A1gua-2806027/

domingo, 8 de outubro de 2017

Nivaldo Tenório e as camadas do conto


Por Germano Xavier



Em seu terceiro livro de contos, intitulado de NÍNGUEM DETÉM A NOITE (Confraria do Vento, 2017), o garanhuense Nivaldo Tenório, autor do bem cotado DIAS DE FEBRE NA CABEÇA (2012), faz aquilo que em seu livro anterior já havia, diria, iniciado, como quem repercute uma marca pessoal e a expande: a fabricação ou composição do conto em camadas. Da mesma forma (ou com a mesma fórmula), as narrativas são curtas e circundam temas cotidianos, com toques enxutos de realidade fantástica, quase que imperceptíveis. A morte entra como pano de fundo central e a noite engloba boa parcela de seu simbolismo. Doenças, fragilidades de corpo e alma, fraquezas de conduta, amarguras e dissabores formam o arco-íris pintado em tons de cinza do livro do escritor pernambucano. Como em DIAS DE FEBRE NA CABEÇA, tudo aparenta estar em seu lugar. Mas não se engane, leitor. Ao menor sinal, perdemo-nos nos finais sem fim dos contos de Tenório. Fragmentados, somos atraídos por um imã-maior como cacos e, só assim, seguimos adiante na leitura. Uma pequenina coletânea de abismos é o que Tenório nos oferta neste livro. Os contos, formulados em pequenas cadências, com diálogos internos ou não, formam uma geometria avulsa, completamente organizada, mas indefinida a partir de sua respectiva angulação final. O olhar de Tenório sobre o básico e sobre o essencial da vida é o de quem sonda o imprevisível com respeito e arguta paciência. O autor desvia o leitor do caminho comum à medida que nos informa sobre outros mil nadas por demais preciosos. Cada mínima camada de suas fabulações é uma nova dúvida instaurada, um novo segredo camuflado, uma nova observação momentânea que se realiza dentro das miudezas e das minúcias das narrativas. Algumas imagens podem turvar o campo de visão do leitor mais desatento, como uma tartaruga que morre durante um passeio familiar em plena ditadura. É um livro triste, denso, duro, cru, cruel, que não tem pena de seu interlocutor. Assim se formou a verve de Nivaldo Tenório, sabedor astuto de que é na vida, dentro dela propriamente dita, que nos criamos feito bichos, que nos desenvolvemos feito astros, dentro dela que aprendemos a desaprender submissões e a desatar os nossos grilhões. Em Tenório há sempre um suicídio prestes a acontecer, tão provável que quase não mais assusta, pois é ele tão próximo que tende a ser a única certa defesa com a qual suas personagens podem contar quando necessário. A mensagem é a de fim de percurso, a de que o homem (todos nós, inclusive eu e você, amigo leitor deste blog) não tem mais para onde correr. Não há mais força nas pernas nem picadas a abrir nos matagais de pedra das cidades. A luz do dia ofuscou nossa derradeira esperança e ninguém, absolutamente ninguém, parece ser ágil o suficiente para deter a noite eterna das civilizações.


* Imagem: Acervo do autor

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Os contos febris de Nivaldo Tenório



Por Germano Xavier



Secos, os contos de Nivaldo Tenório em DIAS DE FEBRE NA CABEÇA. Não secos por não possuírem um osso nutritivo medular, mas secos por não revelarem nada mais que o essencial. Ou seja, nada. O cotidiano na obra, também áspero, parece o centro de todas as maldições humanas que abarcam os personagens. Sufoco, evasão, fuga, desterro e suicídio percorrem os cenários de suas narrativas curtas. A cidade aparece na trama e nela quase nada aparenta estar fora do lugar. Aparenta, eu disse. No fundo, tudo está muito deslocado, mesmo tudo estando em seu devido lugar. E o leitor, temeroso, também muda de lugar simplesmente por achar estranho o fato de ter de ficar parado, estanque. O leitor, por vezes imóvel, perde o lugar, vira personagem, anda e é chamado pelo narrador, é barrado pelo personagem de um determinado conto, fica, sai, corre, foge, perde-se. Uma violência quase delicada se instala nas páginas do livro desse escritor de Garanhuns, integrante de uma leva de narradores do interior pernambucano que até hoje marca o solo próprio de suas letras literárias. Nivaldo Tenório escreve parte da história universal do abismo, do abisso, do nada em nós. Em pouco mais de 100 páginas, detona qualquer ideia mais elaborada de valia acerca da caminhada humana sobre a Terra. Seus tipos são desenganados, desprestigiados, feitos de glórias vãs ou destituídos de brilho próprio. Têm muita amargura as personas de Tenório. Nada parece possuir um propósito, como se a qualquer movimento fosse dado um destino de ser fim, de ser término um dia, de acabar. O patético é a forma comum. O dia é trivial e é sempre e apenas um outro instante em relação ao momento anterior. Nada é novo e, por isso, o homem é ninguém. O homem é ele mesmo. O homem em DIAS DE FEBRE NA CABEÇA não conseguiu se multiplicar nem se transformou em outros. O homem é ele próprio e, devido a este fato, não consegue se aceitar por completo. Em tudo há uma espécie de repulsa, de vômito, de escarro. A cabeça ferve ao ler o livro de Tenório. Os dias fervem dentro dele. A febre é deveras febril. O livro, lançado pela Confraria do Vento em 2014, tem orelha escrita por Raimundo Carrero.





* Imagem: https://pixabay.com/pt/xarope-para-a-tosse-medicina-colher-2557629/