Por Germano Xavier
A poesia de Miró pega o último ônibus da cidade grande e roda a madrugada inteira, para e se opõe ao fim da linha (da vida). A poesia de Miró sempre recomeça quando o fim parece ser a última estação. Pega o rumo e quebra esquinas, dobra-se na dor de ser quem se é ou quem se foi. Duplica-se no orgulho da reviravolta, afugenta-se. A poesia de Miró é Muribeca, mas também é o espanto por São Paulo. A moça na rua vendendo seu orgasmo por poucos reais, o homem preso em sua própria solidão, o dia com pressa e a lerdeza de tantos. Miró soca mais forte que Rock Balboa, perde e ganha a luta, vence, chora, morre e renasce. É um trabalho de catador a poesia de Miró, uma palavra dotada da mais pura humanidade, severa e doce ao mesmo tempo. Urge recortar o tempo em que se vive, mas também recorta o passado. Feita de cimento e barro, a poesia de Miró insiste, grita e pede. Nunca implora. Existe. É a voz de um sem-voz-milhares. É a fala do coração ressequido, o lamento do pulso amargo e frio. Miró é lâmina com ferrugem, agulha encontrada no meio do palheiro, ou melhor, do lixão. Até agora a poesia de Miró é o seu próprio caminho, que condena outros e que condensa vários. A poesia de Miró é aquela que corre para dentro da chuva e que quer se molhar nas lágrimas das gentes inteiras, feliz ou triste, mesmo as enfermas. Miró, até agora, é uma dose extra de crença em nós mesmos e na literatura, o próprio jogo da amarelinha, céu e inferno, Rayuela, livro desmembrado em poucos quilos de carne e osso e verdades. Miró caroliniza-se, em seus-também quartos de despejos de andar por aí e além. Prova disso é seu verbo, simpático ao perigo de que muitos medram. A poesia de Miró é até agora um achado e nós, pobres mortais, precisamos conhecê-la. Água turva, manancial assoreado pela ação do tempo-homem, palavra grossa e punitiva. Miró é São Bento do Una, terra natal de meu pai, é Recife, Hellcife, é todo um Brasil que ainda faz de conta que não e que sim. Fotografia úmida de fogo, ardente e firme em sua forma de ânsia. Miró Até Agora é uma obra que reúne os livros de Miró publicados entre 1985 e 2012, e que engloba os seguintes produtos: dizCrição (2012), Quase crônico (2010), Tu tás aonde? (2007), Onde estará Norma? (2006), Pra não dizer que não falei de flúor (2004), Poemas para sentir tesão ou não (2002), Quebra a direita, segue a esquerda e vai em frente (1999), Flagrante deleito (1998), Ilusão de ética (1995), São Paulo é fogo (1987) e Quem descobriu o azul anil? (1985). Miró necessita. Miró é ontem.
* Imagem: http://www.suplementopernambuco.com.br/edicao-impressa/69-mercado-editorial/1658-os-dez-melhores-poemas-de-mir%C3%B3-da-muribeca.html
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