Por Germano Xavier
Tenho muitos livros. Li muitos livros em bibliotecas espalhadas pelas cidades onde residi ou passei alguma temporada (quase nenhum no interior de livrarias - não consigo, mas acho bonito quem realiza esta prática). Li muitos livros que nunca tive em minha casa, em minha biblioteca particular. Do mesmo modo, li muitos dos livros que possuo. Houve uma época em que meu quarto quase não me cabia mais, de tantos livros que eu guardava dentro dele. Muitos outros livros que li, doei e/ou sigo doando. Outros que nem li, também resolvi passar adiante, por um ou outro motivo. Apesar de entender que os nossos livros ajudam a contar a nossa própria história, acredito hoje ser repugnante a ideia de privar outras pessoas do maravilhoso contato com os livros, ainda mais em se tratando de livros que, talvez, você nem se interesse mais em ler e que certamente ficariam em suas estantes por longos anos em processo de hibernação, inativos, como forças mortas.
Quem gosta de ler sabe que um dos grandes dilemas da vida de um leitor é saber-se incapaz de ler todos os livros supostamente imprescindíveis apenas numa vida, ainda mais diante dessa aligeirada relação vital contemporânea à qual estamos todos imersos, quase sempre baseada em trabalho, afazeres diversos, culpas, mea-culpas, tempo, dinheiro, sobrevivência e curtos espaços de nós-para-dentro-de-nós-mesmos. Em assim sendo, a gestão do conhecimento é uma habilidade cada vez mais importante em nosso dia-a-dia de seres-amantes do objeto livro, até porque bolinar com elementos não-concretos, que estão muitas vezes em formato de pensamento ou de imagem-representação, requer bastante cuidado e atenção.
O professor de literatura e psicanalista francês Pierre Bayard, em seu livro COMO FALAR DE LIVROS QUE NÃO LEMOS (OBJETIVA, 2007), retrata um pouco das experiências positivas de não-leitura ao longo da história do pensamento e da literatura, suas concepções, suas validades e seus respectivos entendimentos de uso na direção contrária a de uma sociedade que ainda sacraliza a prática da leitura, que tende a gerar uma obrigação por se ler tudo e de tudo, desmistificando um pouco a ideia de que é realmente necessário ter lido um determinado livro para se poder falar dele com o mínimo de destreza e efetividade. Para isso, Bayard enumera algumas maneiras de não-ler que temos disponíveis, traçando alguns paralelos acerca dos livros que não conhecemos, os livros que folheamos, os livros de que ouvimos falar e os livros que esquecemos, tudo envolto em exemplos vividos por grandes escritores de todos os tempos.
Bayard ainda recomenda algumas dicas ou estratégias para que o bom leitor, ou melhor, o bom não-leitor, consiga escapar de algumas situações de apuros quando interrogado acerca de algum livro de que não tenha feito a devida leitura até então. O professor declara que fazer confrontar nossas “bibliotecas interiores” em momentos desta natureza, conflitantes ao extremo, é uma boa técnica para se sair por cima nos debates ou para se escapar deles, bem como aliar os poderes dos nossos “livros interiores” e dos “livros coletivos” que circulam por nós e pelo mundo no intuito de se construir novos focos de referenciação discursiva em instantes. Portanto, não ter vergonha, impor as próprias ideias, inventar os livros e até falar de si tornam-se configurações de saber, de acordo com Bayard, completamente úteis para o fazer crítico ligado às artes em geral, e em especial ao trato da literatura em seus círculos de fogo, de discussão e de atuação.
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