Enterrei meu pai hoje.
Difícil. Di-fí-cil.
Não estava preparada. A pior dor do mundo. Nem sei descrever.
Peguei o primeiro voo. Ele sempre me esperava no aeroporto. Acenava de longe quando me via. Dessa vez foi diferente. Meu irmão estava no lugar dele. Desolados, abraçamo-nos. Chorei.
A cidade estava diferente. Não, a bem dizer não era a cidade, mas alguma coisa estava fora do lugar.
A casa estava cheia. Muitas pessoas... De várias cidades, o bairro inteiro foi... Ele era muito querido por aqui... Minha mãe, meu Deus!, minha mãe não tinha mais lágrimas. Difícil demais tudo aquilo. O caixão no centro da sala. Pessoas conhecidas e pessoas desconhecidas. Uma confusão dentro de mim.
Queria dar uma mesa de sinuca para ele. Pesquisei para o próximo Dia dos Pais. Sei que iria adorar. Cheguei até a escolher o modelo, tecido verde no campo, um de ficha com tacos de madeira nobre. Pena que não foi antes.
Da família, era ele quem mais se parecia comigo. Tínhamos as mesmas ideias. Sobre Deus, sobre igreja, sobre liberdade. “Viva e deixe viver”, ele dizia. Impulsivo e teimoso. Era um homem bom. Fiz de tudo para poupá-lo de meu sofrimento. Fiz de tudo. Mas tudo nem sempre significa o necessário.
Na sexta-feira de manhã ele saiu para buscar um amigo no hospital, no centro. Deve ter passado mal enquanto dirigia. Quando o amigo chegou, ele já estava morto dentro do carro. Foi o que disseram. Fulminante. Ele era assim. Nunca dizia Não. Ajudava todos os vizinhos. O vizinho estava tratando um câncer. Ele era o primeiro a ajudar.
A casa ainda está cheia... Eu não quis olhar no caixão... Não vi o rosto dele... Preferi guardar a memória dele vivo... Eu estou. Estou viva. A pior sensação do mundo é enterrar a vida...
Todos estamos abalados. Isso vai mudar a vida de todos nós. Não sei como será ainda. Estou atordoada.
Comprei a passagem de volta.
Mas como vou voltar?
Obrigada.