sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Minhas melhores leituras em 2021


 

Por Germano Xavier


Bem como o 2020, o ano de 2021, definitivamente, não foi fácil. E não tem como escrever algo diferente do que escrevi há 1 ano. O fluxo continua o mesmo... “No Brasil, a situação de penúria foi ainda mais amplificada e visível. Desgovernado desde os saguões de Brasília, o Trem-Brazil, vendido às incertezas de um neoliberalismo irresponsável, descarrilou e assim continua ribanceira abaixo. O real povo brasileiro penou. E penará. Presenciamos tragédias novas a cada dia, muitas delas advindas de um bestial antipresidente eleito. A sirene tocou mundo afora. Uma pandemia! (Sim, a pandemia não acabou...) Muitos foram para dentro de seus aposentos. Muitos, por não terem aonde ir, forçados pela própria necessidade e outros por negacionismos infames de ordens diversas, preferiram as ruas. Ao cabo de todos esses meses, o cansaço, a estafa mental. Todavia, algumas coisas foram fundamentais para me manter vivo. Falo por mim. Para além das aulas ministradas à distância, que se mostraram duras e ineficientes, foram os livros os maiores responsáveis pela manutenção do ar nos pulmões. Li razoavelmente bem durante todo o ano”.

No mais, agradecer preciso a todos os amigos e todas as amigas que fazem comigo o canal literário O Equador das Coisas, no Youtube, aos colaboradores do portal O GAZZETA, ao espaço concedido a mim no portal SÓ SERGIPE. Dizer também um muito obrigado para aqueles que apostaram suas fichas literárias em meu mais recente livro, intitulado de O Homem Encurralado (Penalux, 2021) e que contou com tradução para o francês realizada por Luísa Fresta. 2022 nos reserva grandes emoções. Sigamos, bucaneiros!

E, de novo, ninguém solta a mão de ninguém.

 

Poesia

  1. ELOGIO DO CARVÃO, Marcus Vinicius Quiroga;
  2. RUA DA PADARIA, de Bruna Beber;
  3. CIDADE FINADA, de Thiago Medeiros;
  4. ARAME FARPADO, de Lisa Alves (releitura);
  5. POEMAS RUPESTRES, de Manoel de Barros (releitura);
  6. 26 POETAS HOJE, org. Heloísa Buarque de Hollanda;
  7. SENTIMENTAL, de Eucanaã Ferraz;
  8. EM NOME DOS RAIOS, de João de Moraes Filho (releitura);
  9. CARTAS DE NAVEGAÇÃO, de Nuno Gonçalves (releitura);
  10. ARIEL, de Sylvia Plath (releitura).

Prosa

  1. A IMENSIDÃO ÍNTIMA DOS CARNEIROS, de Marcelo Maluf;
  2. O ALIENISTA (EM CORDEL), Machado de Assis/Rouxinol do Rinaré;
  3. PANDEMIA: COVID-19 E A REINVENÇÃO DO COMUNISMO, de Slavoj Žižek;
  4. O MENINO GRAPIÚNA, de Jorge Amado;
  5. TORTO ARADO, de Itamar Vieira Junior;
  6. O GARIMPEIRO DO RIO DAS GARÇAS, de Monteiro Lobato;
  7. EVANGÉLICOS E PANDEMIA, de Pierre Salama;
  8. TODO DIA A MESMA NOITE, de Daniela Arbex;
  9. PARAÍSO PERDIDO, de John Milton/ Versão em quadrinhos de Pablo Auladell;
  10. LULA (Volume 1), de Fernando Morais.

OBS. A ordem de numeração dos livros não quer dizer absolutamente nada.


* Imagem: Google

PORTUGUÊS DE PORTUGAL E PORTUGUÊS DO BRASIL - A MESMA LÍNGUA OU LÍNGUAS IRMÃS?, por Luísa Fresta


 

Neste vídeo, a escritora luso-angolana Luísa Fresta nos convida a conhecer um pouco mais sobre as semelhanças e sobre as diferenças envolvendo o uso da Língua Portuguesa em Portugal e no Brasil. Você ainda confere mais uma participação inédita da graduanda em psicologia Angélica Nunes, em sua coluna Fala & Escuta.

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segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Canções de Uni e Rume (Parte I)


 

O FOGO


abanar o fogo

que brota da terra que

nasce como uma serpente amorfa

de dentro da floresta sagrada


apanhar a faísca nos olhos da noite

a rusga e o cisco em chamas 

a labareda que sementeia a alma na roda

da vida


fazer crepitar o som de nossas fúrias

para curas momentâneas ou eternas


amar o vermelho-amarelo predominante 

a cor-fogo

o corpo-fogo

puro sentimento 


* Inicio aqui uma série de poemas em consequência de minha primeira vivência ao lado de integrantes do povo Yawanawa, ocorrida na Aldeia da Vida (Aldeia/Recife-PE), no último dia 18 de dezembro de 2021. Meu respeito e minha admiração à sabedoria das medicinas sagradas e à tradição Yawanawa.

* Imagem: Google

quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

NICK CAVE E OS GÊNIOS EM CONSTRUÇÃO, por Cristina Seixas


 

Neste vídeo, a professora e artista visual angolana Cristina Seixas continua a nos levar para o fabuloso mundo das ideias de Nick Cave. Você ainda confere mais uma participação inédita da graduanda em psicologia Angélica Nunes, em sua coluna Fala & Escuta.

#nickcave #cristinaseixas #falaeescuta #angélicanunes #canaloequadordascoisas

segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

OS MATIZES DA LÍNGUA PORTUGUESA - CONTRIBUIÇÕES DAS LÍNGUAS BANTU, por Luísa Fresta


 

Neste vídeo, a escritora luso-angolana Luísa Fresta fala sobre a íntima relação existente entre as Línguas Bantas (Bantu) e a Língua Portuguesa. Você ainda confere mais uma dica inédita da psicóloga Angélica Nunes, em sua coluna Fala & Escuta. Hoje o tema é Hábitos Saudáveis.

#línguasbantu #línguasbantas #línguaportuguesa #luísafresta #fala&escuta #angélicanunes #hábitossaudáveis #canaloequadordascoisas

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Sobre "Onde todo tempo é breve", de Sonia Marques




Por Germano Xavier


(Cepe, 2017)


Breve é querer ir onde já estamos. Mundo pequeno demais para anseios de se ir além. Além de quê? Para onde trilhamos? Para onde apontamos nossas proas? Remada fixa em prol do Nada é a Vida? Quem sabe se? Onde todo tempo é breve: alma descoberta. Alma desnuda. Mulher que se abre feito flor, repleta de espinhos, mas doce pois Teu é o reino. Palavras de quem já viveu de verdade. Coisa rara. Palavras de se aprender. De se ensinar. De se ensaiar, também. Uma mulher que se coloca diante dos quandos, das incertezas, das brevidades. Uma mulher que se eterniza nela mesma, em sua plena condição feminina. Extremamente.

Uma mulher e sua voz. Voz embargada, por vezes. Voz dialética. Voz de rio. Voz nativa de si. Águas fundas: Sonia Marques. Que enaltece a Palavra. Que respeita a Palavra. Que se entrincheira. Que sangra desatadamente. Mulher com roteiros prontos na cabeça. Cabeça de sair. Que além de escrever, diz. De ideias simbióticas. Com dores alarmantes, que nos machucam. Que nos apresentam o fosso, ou sua possibilidade escura, gélida, esquizofrênica. Uma mulher-cuidado.

Onde todo tempo é breve: Carpe diem. A fuga para. E depois a Trégua. As tréguas. As esperas bordadas sobre a superfície das faces. As coisas que fizemos que não voltaríamos a fazer jamais. Tudo o que vira apenas carnaval. Os meses de abril em Paris, a lâmina afiada para o próximo corte. O pulso pulsando. Corpo quente em alumbramentos. O descaso de se deixar-paixão. A boniteza que há também no sofrimento. Os poetas. Os poetas. Ah, os poetas! A lua em nós todos. A velhice chegada. Recorte novo para velhas horas. A fruta estranha que brota no asfalto. A grande náusea. 

Suspeitas tantas e tantas outras crises. Medos e devaneios. Os equívocos dos emboras. A expertise. Visão horizontal. A ponta da agulha que é a ponta da escolha. Via Crucis: nascimento. queda. operância. visagem. mácula. castigo. redenção... Mulher de tantas estações em poemas compostos de circunstâncias e de exatidões terríveis. O vazio que também é virtude. O saber ser evidência, fazer barulho, manter a calma mesmo diante dos truques, dos mistérios, das palavras já ditas, das encruzilhadas do outono, da morte. Mesmo diante da vida.


O SOL É PARA TODOS, de Harper Lee


 

Neste vídeo, Cristina Seixas fala sobre um dos maiores clássicos da literatura norte-americana de todos os tempos: O SOL É PARA TODOS, de Harper Lee. Você ainda confere mais uma dica inédita da psicóloga Angélica Nunes, em sua coluna Fala & Escuta. Hoje o tema é Dependência Emocional.

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domingo, 5 de dezembro de 2021

Poemas estranhos e estrangeiros (Parte XIV)


 

Por Germano Xavier


Em busca das sereias do Reno


cedo parti para um último dia de descobertas.

por cima de uma enorme ponte, no oeste alemão,

atravessei o rio Moselle em tom de rápida despedida.

a Alemanha era já uma vontade conquistada.


em Boppard, aportei na Renânia depois de varar alta floresta.

uma região belíssima e com uma deliciosa cerveja de trigo.

logo, a proximidade com o Vale do Rio Reno

e todas as suas entidades lendárias.


atinei para Loreley em minha vã expectativa passageira.

seria mesmo possível ser tragado por seus encantos e cantos?

apostei para ver, e durante todo o percurso fluvial,

entre um e outro castelo medieval à margem daquelas frias águas,

agucei os ouvidos para, quem sabe, viver um momento desafiador.


todavia, como suspeitado, Loreley fez questão de se disfarçar

entre ruídos tidos como menos normais.


certo mesmo é que a minha última primeira visão 

de uma Alemanha quase rural e quase antiga e quase

menos desenvolvida do que realmente é me encantou olhos

e também ouvidos.


"sorte a minha não ter sido tragado por Loreley", pensei.


P.S. Após isso, uma parada em Frankfurt am Main. 

A noite apontava. 

Dormir e voar de volta ao Brasil...


(Colônia, Vale do Rio Reno e Frankfurt, 17 de junho de 2017)



Imagens: Acervo pessoal.

O PERIGO DE UMA HISTÓRIA ÚNICA, de Chimamanda Ngozi Adichie


 

Chimamanda Ngozi Adichie é uma escritora nigeriana e ativista feminista de fundamental importância na atualidade. Em O PERIGO DE UMA HISTÓRIA ÚNICA, a autora nos alerta sobre um grande mal da humanidade. Neste vídeo, você ainda confere mais uma dica inédita da psicóloga Angélica Nunes, em sua coluna Fala & Escuta.

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sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

ANTES QUE O MUNDO ACONTEÇA, de Daniel Baz


 

Falar de poesia é sempre mais complicado, pelo menos para mim. Por isso, hoje resolvi fazer a leitura de três poemas do camarada Daniel Baz, presentes em seu primeiro livro publicado pela Concha Editora (2016). Você ainda confere as dicas da psicóloga Angélica Nunes, em sua coluna Fala & Escuta.

#antesqueomundoaconteça #danielbaz #conchaeditora #angélicanunes #germanoxavier #canaloequadordascoisas

quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Todas as ilhas nos deixarão partidas

*

Por Germano Xavier


(ou Um olhar sobre a poética de cosimentos de Daniela Delias)

O quê fazer para que se “entenda os desertos” de uma geografia poético-atemporal criada à beira dos silêncios universais de uma casa-mulher que abriga a liberta narrativa espacial das várias bonecas russas que continuam a se desdobrar entre mistérios e simples segredos em nossos locais-de-mais-dentro? De onde beber onde não há o vinho-fonte, a bebida em si nem o lacre, a taberna, mas somente a ilha que banha o imaginário sublime do que é humano? A ilha de Odisseu de onde partimos e aportamos numa viagem vital, única e amaldiçoada pelas brumas do destino que nem sempre manipula... E se bêbados, arautos das insones perturbações, para onde levar as embarcações que podem sofrer, à deriva, a constatação da inexistência das rotas? Para Feácia? A quem esperar, para quem todos os esforços dirigir quando a busca é a fuga possível?

NUNCA ESTIVEMOS EM ÍTACA (Patuá, 2015) é o título da mais nova provocação em forma de livro escrita por Daniela Delias, extrema poetisa do sul extremo brasileiro. Em sua mais recente obra, como que “tocada pelo fogo”, a mão que teceu o belíssimo BONECA RUSSA EM CASA DE SILÊNCIOS (Patuá, 2012) agora dedica a voz de sua poesia ao encontrar-se dos centros e dos inícios das margens que abotoam as nódoas que calcinam toda uma pele do tempo. E ainda que haja ao menos uma centena de olhares possíveis para a obra, é sobre a nívea e augusta dor de ser que Delias embrulha seus indestinos de agora. Deslumbra-se, a palavra, nas mãos alvas de seda da autora nascida em Pelotas-RS, psicóloga e professora universitária. Com a mesma sutileza dos curtos poemas de seu primeiro compêndio, mas repetindo os exageros de consciência poética, Delias definha-se outra vez em confissões ínclitas as mais relevantes possíveis para nos alertar de que tudo neste nossa vida “é quase uma ilha”.

Tal qual a romana deusa Voluptas, “nos olhos antigas ternuras” são repassadas até a fronte do leitor a partir de uma poesia que se inscreve muito diante de um nunca-estar, mas que demonstra um autoconhecimento de impressionante relevo. Delias, num ofício de pescadora, escolhe o mar “e oferece a única face” possível: “um céu de onde se ir” na direção do puir das azuis durezas e das mínimas alegrias que nos formam caminhantes inveterados e incansáveis. O verbo torna-se cigano, ente errante, morador das rústicas torres e gigantes muralhas. A memória de trajetória presente em NUNCA ESTIVEMOS EM ÍTACA não contempla uma parcimônia de Penélope, pois é antes a dança das ondas de uma odisseia por demais particular.

Se “as coisas são o que são”, como escreve a poetisa no poema PLANO ABERTO, forja-se a ideia de que dor e beleza, coevos elementos, bifurcam-se logo no começo das estradas para terminarem sendo os rajares e as estrias que nos impulsionam as pernas peregrinas. Posto que, apesar de “as dores mesmas ainda que belas” não ajudarem a identificar os planos das experimentações e dos limites, “nada sabemos sobre deuses”, já que “não há certezas” nem oferendas místicas que nos impulsione acolhimentos de uma dada eternidade real, tão somente “há essa palavra aberta” onde “duramos além do gesto” e que nos oportuniza a dissecação do sensível.

Às moras do contexto, eis que “o amor deu de nomear as coisas”, todas elas, até as imprestáveis – estamos aqui a falar de crescimentos e maturações. E tal qual um maná que nos chega em formato de chuva divinal, ao sentir “a infância traída pelo deserto” fecundar o solo daninho e fazer “dobrar o riso” dos sorrisos tristes, “o barro antes das mãos” modela um fenômeno lauto de amor nos corações de todos os nossos mergulhos. O afetuoso canto das sereias é dado íngreme, mas reconfortante, pelas linhas de costura da maviosa imaginação da escritora.

Zéfiro, este vento que nos move para-além, ensina-nos que é necessário “morrer de amor” em ênfase diuturna, com força de provação, sem medos nem deludires. Delias, por sua vez, “toma a palavra exército” para alquebrar e alar-nos e “guardar os olhos de Aldebarã” para o ritual das iluminações profundas, já que o sentido mais rude de nossa estelar cegueira “é quando creio em tudo que fere”, como ela escreve em A NOITE.

E diante de abissal pélago, a poética de cosimentos de Daniela Delias encaminha-nos a escolher entre “um beijo de água-viva” ou “uma dança antes do salto”. Como que a lograr a imensidão das descobertas, abrasar toda espécie de desvio, afugentar histórias de perfídia ou impostoras bases... “e seríamos qualquer coisa entre o belo e o absurdo”, definidas dríadas enraizadas ao pé de nossas fomes mais possessas. Diante das adversidades, manter perto a calma, já que “de nossa sede não diremos”. Sê firme, “repara nas fendas”, pois “é só um desfiladeiro” a mais para que vençamos o desafio das nossas travessias.

Em NUNCA ESTIVEMOS EM ÍTACA, a poeta diz “eu gosto dos vermelhos”, “como se toda leveza pedisse janelas” ou fosse “um haicai de Bashô”. Confessa: “eu traçava pequenas cartografias” e tal ato “abrasa equívocos”, como se unicamente desejasse “um gesto que engolisse a boca” ou que tudo findasse livre como em “uma varanda de flores lentas”. Ah, “mas você veria diamantes”, espanta-se, amorosa a voz das intimidades sedutoras, com “uma letra selvagem” a vontade de “despertencer” dos equadores náufragos que dificultam as mais finas especiarias para, como a achar-se hipotenusa, “molhar teu nome” e ir, e ir.

Costureira das redes maternais de seu tempo-instante, Delias sugere: “é preciso respirar pela raiz” e ser “promessa de flor”. Insiste em abrir nossos olhos: “é preciso tão pouco”; “à altura de meus segredos” um “céu aqui” seria o monumento maior das gratidões: seu Zepelim que tudo transpassa. Após contemplar-se na saudade, reflete: “já não quebro espelhos”. Cacos de nós todos “à pedra não pese a palavra”, nem tudo são senões, “há esses rios que secam” e “meu bailar sem peso algum” pode não significar coisa alguma. É “o tempo vestido de antes”, “a desrazão ordenada” e “dessa falta que leva ao fundo” ou “aos desejos do fundo”, “a moça tece embaraços” para “surpreender os vazios” e para tornar “os silêncios mais sentidos”, mesmo “soprando a noite pelas bordas”.

Aparelhada em dedais, poetiza à la Manoel de Barros: “cato minúcias”, “que a madeira cansada contrai” e assim, para sempre em-sempres, “lá vai o homem” que somos, que nunca seremos, que descartamos ou que ainda esperamos ver nascer. O sentido de Ulisses, em NUNCA ESTIVEMOS EM ÍTACA, reforma sua alma ao ver escrito que “a vida coabitava janelas” e que “a fúria dos calendários” é o novelo das “linhas que intentam frágeis costuras”. Por sua vez, Penélope, que há anos o esperou, “pensa na reta que liga” o “tudo ali inexistindo”, “o inventário de uma fuga” num estatuto onde “não há cercas nem cárceres” de onde “não dançamos aquele blues” nem foi preciso “repetir domesticidades”. Penélope é a própria Ítaca desabitada, assim como Ulisses, como eu e como você. Ítaca é a manjedoura que aquece o dorso das crianças que nunca deixaremos de ser.

Ao fim da jornada impressa em suas páginas, NUNCA ESTIVEMOS EM ÍTACA simboliza o grito de uma Penélope ameaçada pelas falácias do mundo, mas que não desiste de enxergar o que o mar pode lhe trazer no próximo leque de espuma branca. Como a beber em Konstantinos Kaváfis, Delias enaltece o caminho, como a dizer-nos QUE VIVAMOS TUDO O QUE FOR POSSÍVEL VIVER!, pois mesmo que o caminhar siga “repetindo aquelas doces mentiras” que ora nos travam ou nos emparedam, “há um nome dentro do meu nome”, um nome feito de esperança - “e dançamos à margem do dia”, estás a lembrar? -, e “há que tomar as vendas” e “alimentar os dragões” da bondade para que os meninos de todas as dinamitadas Gazas nasçam sem o horrível medo do mar. Afinal, todas as ilhas nos deixarão partidas.

Ou chegadas.

NUNCA ESTIVEMOS EM ÍTACA (Patuá, 2015), de Daniela Delias.

Daniela Delias escreve em Sombra, Silêncio ou Espuma