sábado, 20 de maio de 2023

“SIGAMOS, BUCANEIROS!” – a história de uma parceria com Germano Xavier


 

14 dezenas de textos

partilhados n’O Gazzeta,

ao longo de 10 anos

 

Tomei contacto com o blog pessoal de Germano Xavier, O Equador das Coisas, em 2013. Não imaginava então a firme parceria que daí nasceria e se iria consolidar, semana após semana, através do blog coletivo O Gazzeta. Hoje, volvidos 10 anos, festejamos entusiasticamente com os leitores e todos os companheiros que publicam neste espaço.

Na altura dava eu os primeiros passos no mundo da escrita, sobretudo na imprensa. Começava a levar-me um pouco mais a sério, quero dizer, pois cultivo o hábito de escrever desde criança, mas de uma forma episódica e descomprometida. Nessa altura, em 2013, pensei em participar em projetos literários em vários países lusófonos, para além das minhas duas mátrias: Angola e Portugal.

Se, por um lado, existem afinidades naturais com outros países dos PALOP[1], por partilharmos língua, aspetos históricos e culturais, por outro lado há uma ligação forte ao Brasil, país ao qual nos unem igualmente laços seculares e que para mim sempre foi uma referência em termos de literatura.

Já o mencionei noutros contextos, mas relembro aqui que durante a minha infância e adolescência, mesmo não tendo muitas vezes água, eletricidade nem acesso a bens de primeira necessidade, por causa da guerra, em Angola, tínhamos livros de bolso, entre os quais se contavam obras de Jorge Amado, Érico Veríssimo ou José Mauro de Vasconcelos. Essas obras são parte da minha identidade como leitora.




Assim, foi em 2013 que Germano Xavier me abriu as portas da sua casa literária, O Gazzeta, uma vez que O Equador das Coisas era um blog pessoal que eu continuo, aliás, a seguir com o maior interesse, dada a sua qualidade e multiplicidade de temas.

Não nos conhecíamos, mas a reação foi muito calorosa, de tal maneira que não me senti escrutinada nem censurada e comecei a enviar-lhe regularmente alguns textinhos, mesmo com fragilidades, que ele aceitou de coração aberto. Sobre livros, cinema, pintura, música, algumas criações próprias também (ficção), em prosa. Assim nasceram, nomeadamente, as séries dedicadas ao cinema africano, ao cinema lusófono, contos-crónicas agrupados com a designação genérica de Memórias Inventadas e Ficha de Leitura (resenhas), a mais recente das séries, sendo que todas estão ainda em aberto, principalmente esta última.

Percebi depois que Germano é o tipo de pessoa que ensina sobretudo pelo exemplo. Professor, escritor e jornalista, de um dinamismo singular, tornou-se ao longo do tempo num parceiro literário inestimável. Mostrou-se um colega experiente e original, sem medo de arriscar, porém prudente e sensato, coerente e persistente. Com o tempo tornou-se um amigo ímpar, mais novo na idade e mais velho no saber, capitão de uma frota de navios: não sei, sinceramente, como consegue capitaneá-los com tanto equilíbrio, segurança e destreza.

Sinto-me orgulhosa por estar incluída em várias iniciativas com a sua assinatura. Neste caso, falando de O Gazzeta, o motivo da celebração é o facto de contar agora com cento e quarenta textos meus no blog, prova de grande generosidade do seu fundador, que abriu o espaço inicialmente dedicado à Chapada Diamantina a outras regiões e países, estimulando a diversidade de estilos, saberes, assuntos e pontos de vista.

O mais recente texto (meu) no blog, até ao momento, é uma resenha de “Vidas Seguintes”, de Abdulrazak Gurnah (Ficha de Leitura). O primeiro é “O mundo de Vinicius”, editado a 25 de novembro de 2013, que marcou o início desta longa e feliz colaboração.




Pelo meio temos desenvolvido outras experiências literárias singulares. Atrevi-me a traduzir algumas séries de poemas de Germano para francês (As árvores amorosas, O homem encurralado, As coisas minhas de Sophia e finalmente Trompetes para Ennio, entre outros textos poéticos sem etiqueta). São traduções não revistas que resultam apenas da forte vontade de tentar outra orquestração para poemas fundamentalmente belos e densos, joias únicas que me inspiram particularmente. Criámos também um projeto que se alimentou do quotidiano: Entre Mares e Marés, Conversas Epistolares: uma troca de missivas que durou cinco anos, entre dois personagens (Clara e Viana, nossos outros antropónimos) e que nos representam, a mim e Germano; cartas magnificamente ilustradas pela Cristina Seixas, desenhadora/ilustradora ligada à corrente Urban Sketchers e professora luso-angolana, que agora é também parceira no blog e no canal do Youtube O Equador das Coisas. A primeira carta data de 24 de abril de 2015 (Germano concedeu-me o pontapé de saída!). E começa assim:

“(…) Viana?

Sei que ficarás surpreendido com este primeiro recado. Nem ouso chamar-lhe carta. Sabes, a bem dizer, não escrevo uma desde os anos 80. Apenas notas, palavras dispersas, ideias caóticas amarradas à força umas às outras, letras ao vento. Mas não uma carta no sentido de relatar minudências, trivialidades, falar de coisas que só para mim têm algum relevo e que talvez te despertem também a atenção. Tu tens olhos de ver e não te ficas pela superfície. (…)”

Tenho ainda que referir que Germano apresentou um livro meu de poesia (Março entre Meridianos) aquando do lançamento da edição lisboeta, em julho de 2019, junto com os poetas Manuel Iris (mexicano e americano) e Cíntia Gonçalves (angolana).

E como foi isso possível, uma vez que nenhum dos três vive em Lisboa? Resolvemos o “problema” de forma prática: esses textos foram lidos no local pela Carol (minha filha), pela Maria Fernanda Silva (poeta portuguesa) e pelo amigo Olímpio Neves, com o seu bonito timbre de rádio.

Para mim foi importante ter todas essas pessoas que tanto estimo e respeito à minha volta, os autores dos textos e quem lhes deu voz. E também uma oportunidade para consolidar a aventura literária com Germano, que ao longo destes anos tem apresentado diversos textos críticos e vídeos com a sua leitura do meu trabalho.

Após sete anos de convivência e troca de experiências tivemos a oportunidade de nos conhecermos pessoalmente e de estreitar laços com os respetivos familiares. É um privilégio dado a poucos, um presente da vida.




Nos últimos anos tive ainda a alegria de traduzir para francês os seus livros de poesia O Homem Encurralado e Esplanada do Tempo, ambos com a selo da Penalux, a circular no Brasil na forma de edições bilingues (português-francês) em diversas plataformas. Foi um presente maravilhoso que me concedeu o poeta e que não me canso de agradecer. Estes dois livros, que integram a trilogia do Centauro, uniram-nos também aos poetas Regina Correia e Luís Oseth Carvalho, cujos textos abraçam as duas obras de um modo singular.

Para terminar, agradeço calorosamente, não apenas a Germano Xavier, pela abertura e ensinamentos, pela tolerância, mas também a todos os companheiros/as e amigos/as que fiz ao longo destes anos através de O Gazzeta, aos colegas redatores, oriundos das mais diversas áreas. Os vossos textos e vídeos são fonte de aprendizagem e também de bem-estar. Aprender pode e deve ser prazeroso e divertido.

E também, necessariamente, a quem nos lê, apoia, vê e escuta, com paciência, curiosidade e mente aberta, no blog e no canal.

Espero ter ocasião de contribuir durante mais dez anos, pelo menos, com a mesma alegria e energia, junto de companheiros de jornada e amigos tão brilhantes quanto surpreendentes, na sua humanidade e pluralidade cultural e geográfica.

 

Luísa Fresta

Queluz, 18 de maio de 2023

 

Nota: este texto é uma adaptação do artigo escrito a 9 de outubro de 2020, para assinalar cem textos meus no blog O Gazzeta.



[1] Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa.

Imagens: Acervo pessoal de Luísa Fresta.

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