Por Germano Xavier
Poucas pessoas no mundo
sabem ou desconfiam que tomei gosto pela leitura, pela leitura mesmo!, lendo – “devorando”,
seria o melhor termo - revistas sobre automóveis e/ou assunto semelhantes, como
motociclismo, antigomobilismo, automobilismo... Numa época ainda desprovida de
computadores e sem a febre atual dos smartphones movidos à internet de fibras
ópticas e bandas largas, ler o que víamos ou tínhamos acesso nas bancas de
revista ainda era uma espécie de solução rápida e menos custosa.
Não sei precisar qual foi o ponto de partida, mas o certo
é que era sempre uma espera ansiosa pela próxima revista do mês, que chegava
ali no interior baiano um pouco antes que nas bancas. Essa era a grande cartada
para se optar pelas assinaturas anuais ou bianuais. Eu tinha as minhas
preferidas: Quatro Rodas e AutoEsporte. Foi no fim de minha infância e no início
da adolescência que comecei, então, a curtir a ideia da liberdade e da
velocidade, como elementos de prazer e de “desobediência civil”, claro, anos
mais tarde aflorados no imaginário e nas ações cotidianas.
Apesar da maior
parte das leituras terem sido sobre carros, foi a motocicleta a grande paixão
adolescente daqueles idos. A moto era, por assim dizer, um sonho bem mais
próximo, diria. Alimentei o desejo de possuir uma até o momento em que comecei
a ganhar meus primeiros centavos de Real na vida como professor. Foi quando,
num dia bonito de minha juventude, saí com uma motocicleta novinha em folha de
dentro de uma concessionária na cidade de Jacobina-BA. Nem bem terminei de assinar
toda a papelada, caí na estrada com ela.
Lembro-me do coração feliz dentro de minha caixa
torácica, do vento na pele, da pista passando rente aos meus sapatos gastos, eu
me sentindo como a me mover num tapete mágico como daqueles dos melhores e mais
famosos contos da Arábia... Aquele dia está, sem dúvidas, entre os dias mais
felizes da minha vida. A sensação era quase indescritível e só saberá medi-la
quem já passou por algo semelhante envolvendo o mesmo assunto e mesma
maquinaria. Podem falar o que quiserem, mas a moto é sim uma invenção fenomenal
– e fenomenológica, por que não? - em todos os seus simbolismos intrínsecos,
até mesmo quando o debate se cerca dos perigos que envolvem tal veículo.
Mas não seria tão gostoso andar de moto se não fosse ela,
a moto, um risco móvel ambulante. Gostamos do que é arriscado, do que nos causa
medo, daquilo que, porventura, tira-nos do sossego ou daquilo que nos apavora,
de certo modo. São muitos e diversificados os clichês que englobam moto e
motociclista, mas nem sempre precisamos tê-los como manifestações erráticas ou
errôneas sobre quem faz do motociclismo parte do seu inteiro-viver. A própria expressão
“viver sobre duas rodas” é baliza para inúmeras problemáticas e para egos feridos,
óbvio.
Todavia, acredito que a “vida sobre duas rodas” tem sim
os seus encantos e privilégios. No instante em que aceleramos nossas motos, tornamo-nos
senhores dos caminhos e enfrentamos ventos, chuvas, todos os tipos de
obstáculos ou acidentes geográficos. A possibilidade de nos mover e de transportar
nosso corpo e nossa alma para os lugares mais comuns, incomuns ou os mais
distantes é por si só uma das maiores maravilhas do estar vivo no mundo, do
estar-com-o-mundo e do ser-no-mundo. Sobre uma moto, ouvindo o ronco de um
motor cujos pistões sobem e descem logo abaixo de suas pernas, explodindo o
combustível que lhe resta, o que impera é apenas o ir e, só depois, o chegar. Cada
ida é um medo vencido. Cada chegada, uma nova pessoa feita dentro de si, mais
forte e mais poderosa.
Sou motociclista desde os meus tenros anos de adolescência,
agora muito mais compenetrado e sabedor de todas as consequências e temores que
abarcam tal prática e gosto. Menos eufórico, mais consciente. Mas ainda louco
pela estrada e por todas as suas bifurcações, metafísicas e metafóricas. A estrada
é o inimaginável, o esconderijo dos destinos incertos, a mãe de todas as
paisagens. Para se chegar a algum lugar, é preciso sempre atravessá-la. De preferência,
sem pressa, claro. A estrada, como uma lei, atinge-nos, ataca-nos, sem piedade.
A estrada pede, dia após dia, que a vençamos. E, principalmente, que não a menosprezemos.
Ser a estrada, eis o segredo.
* Imagem: https://blog.pantaneirocapas.com.br/estradas-para-andar-de-mota/