Neste vídeo, a escritora luso-angolana Luísa Fresta fala sobre os livros BOM DIA B.0. e ADEUS BENGUELA, de Gabriel Marques. #bomdiab.o. #adeusbenguela #gabrielmarques #luísafresta #canalliterário #oequadordascoisas
| Desde 2007 | Por Germano V. Xavier | Em memória de Milton de Oliveira Cardoso Júnior | + de 2.200 textos publicados |
domingo, 31 de dezembro de 2023
quinta-feira, 28 de dezembro de 2023
Como se faz um deserto
Por Germano Xavier
após visita a Canudos Velho
Para Ana Carla Guimarães
um deserto se faz
com gente viva abatida
gente cheia de amor
e gente feita de vida
um deserto se faz
com corações soterrados
inundados por sanha humana
gigante e temida
um deserto se faz
não com seca terra ou áspero sol
mas com odiosa opressão
aos menos favorecidos
um deserto,
feito o do sertão baiano-Conselheiro,
se faz com desalmas e muitas ruínas
no Vale da Morte feroz
um deserto se faz
não com o martírio secular das secas
mas com inveja e ganância desmedidas
mas um deserto feito sob o olhar do povo
vingará dentro da paisagem dos tempos
que não morrem
e nenhum deserto findará mais implacável
que o deserto das mentes que mentem
sobre sertanejos sonhos de paz
* Imagem: Google
quinta-feira, 21 de dezembro de 2023
CACOLIQUES, de Tatiana Belinky
quinta-feira, 7 de dezembro de 2023
Relato de um náufrago
Comece a imaginar-se como sendo você um membro da armada marinha colombiana, prestes a embarcar de volta ao seu país, depois de passar os últimos oito meses na região de Mobile, Estados Unidos, esperando que o conserto do destróier de guerra em que você e todos os seus companheiros estavam fosse realizado. Ansioso pelo retorno, você não vê a hora de estar novamente junto a sua família, vivendo sua vida, dentro da mais pura normalidade. Todavia, no retorno você se depara com uma situação inesperada de perigo, o mar está muito revolto, este investe constantemente contra o navio que, sem suportar as más condições do oceano, acidenta-se emborcando um de seus lados para dentro das águas, fato que faz com que oito dos tripulantes sejam atirados ao mar, munidos de nenhum artifício de salvaguarda. Dos oito, apenas um consegue alcançar uma pequena balsa reserva. Este, em melhores condições, ainda tenta resgatar alguns de seus companheiros de viagem, mas sem êxito devido ao mar tormentoso. Aos poucos, você vai perdendo contato com o destróier que, recuperado do meio-tombo, consegue se restabelecer e seguir sua rota natural, o porto de Cartagena.
Os minutos vão passando e você agora olha para todas as direções possíveis e não enxerga mais nada além de um mundéu aquático, repleto de seres misteriosos e imprevisíveis. Você está sozinho e tem apenas um par de remos, a roupa do corpo, um relógio de pulso e mais alguns poucos objetos quase sem nenhuma serventia. Insistentemente você olha para os ponteiros do relógio, confiante de que a qualquer momento algum avião de ajuda ou mesmo um barco de apoio chegará para te apanhar. Você pensa que tudo está sob controle e agradece por toda a sorte. Mas as horas vão sendo vencidas pelo tempo, você sente fome, sede e frio, e nada, absolutamente nada do resgate aparecer. A noite cai e você é um marinheiro à deriva, sozinho sobre as ondas, boiando em seu incerto destino. Experiente e com a teoria do mar fresca na memória, você tenta não se desesperar. Porém, você começa a atravessar dias e noites na mais plena solidão, luta contra as necessidades do corpo, contra tubarões que lhe envolvem a balsa em horas pontuais, contra a fadiga da alma, começa a ter alucinações, sofre desmedidamente com a proximidade da morte, resguarda-se já quase inconsciente de tudo que o rodeia, enquanto as águas verd'azuis do mar insistem em te levar para algum lugar.
No décimo dia, com a pele espocada pelo sol, debilitadíssimo, você abre os olhos e vê ao longe o formato da costa. É terra, você exclama! De súbito, você retira forças extras de não sei onde e salta ao mar para o nado triunfal. Incansável, desejando a vida, você vence o oceano e chega à praia, onde desmorona quase morto. Você está em Mulatos, pequena aldeia colombiana. Alguns moradores acodem em seu resgate. Aos poucos você vai melhorando e é descoberto pelas forças nacionais. Você é o único sobrevivente do acidente acontecido com o destróier A.R.C. Caldas. Você é Luís Alexandre Velasco e a partir de agora é o mais novo herói da Colômbia. Você conta a história ao mundo do jeito que o governo mandou que você contasse, o mundo a reconta de variadas formas, você ganha rios de dinheiro, você é “proclamado herói da pátria, beijado pelas rainhas de beleza, enriquecido pela publicidade...” Você é Luís Alexandre Velasco, o mesmo que depois de todo o alvoroço resolve ir à redação do jornal El Espectador para contar a verdadeira face dos acontecimentos sucedidos em 28 de fevereiro de 1955. Um jovem repórter iniciante, de plantão, de nome Gabriel José Garcia Márquez, a partir dali iria te ouvir em vinte sessões de seis horas ininterruptas. A revelação da verdade causaria um frisson em todo o país. O segmento político fora atingido, Velasco passaria de herói a vilão em poucas horas, seria “logo abandonado pelo governo e esquecido para sempre”, enquanto que Gabo, apelido do repórter, entraria num exílio sem previsão de fim.
A história é verídica e foi contada nas folhas do periódico El Espectador em 14 capítulos, ao estilo folhetim. Na ficha catalográfica, Relato de um náufrago é classificado como sendo uma biografia. A bem da verdade é que Gabo constrói uma bela grande-reportagem – não seria melhor taxá-lo de um romance-reportagem? -, aos moldes dos grandes expoentes do movimento New Journalism norte-americano. Com tradução de Remy Gorga, Filho e com ilustrações de Carybé, o livro é um bom início para quem quer investir sua leitura na obra mágica do Nobel colombiano, autor do mais que clássico Cem Anos de Solidão. E então, quer saber o que realmente aconteceu em alto-mar? Comece a ler agora mesmo...
MÁRQUEZ, Gabriel Garcia. Relato de um náufrago. 34ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2008.