sábado, 9 de setembro de 2023

eu tenho um verso


 

Por Neuma Rozendo e Germano Xavier


I


me conte seu verso

o mais querido

ou o mais desprezado

aquele que você rasgou ontem

depois jogou na lata do lixo

 

me conte o homem

o menino e a mulher em você

me conte o velhinho

que sai de moto aos noventa

cantando pneu e horizontes

 

me conte seu verso

pra eu fazer de meu

pra eu jantá-lo com café

vendo aquele filme

que vimos juntos

 

me conte seu verso

pra eu interpretá-lo inapropriadamente

e convenientemente esquecer

todo o contexto

e o resto da existência

 

me conte seu verso

secreto, quente, abraço, colo

choro, sofá para dois, lembranças

arte milenar em uso comum

 

me conte seu verso

pra lavar a alma (da Penumbra).

 

(Neuma, Campinas, 20/10/2024)

Para Xavier, o poeta dos altos silêncios.

 


II


eu tenho um verso

esquecido no Tempo

de minha paciência

 

um verso avesso

um verso sem terço

um verso no verso

do Temporal

 

que diz à menina

em rima pobre

caída

no leito do rio

que é o texto

 

você me conhece

você me decifra

você me reforma

e isso me basta

de um modo inteiro

na noite de agora

no dia de quando

as coisas em sendo

a ordem exata

sem data

sem nada

só sendo e tal

 

eu tenho um verso

sedento e seco

que compra a vida

sem medo e real


(Germano, Caruaru, 27/10/2024)

Para Neuma, a poeta-penumbra.

Um comentário:

Anônimo disse...

Fabuloso diálogo em que as palavras são usadas com delicadeza e intensidade. Parabéns a ambos!