domingo, 8 de junho de 2014

Um dia, um texto na mão

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Por Germano Xavier

Aprendi o gosto pela leitura desde muito cedo. Aprendi sozinho, vale salientar. Lá em casa meus pais nunca foram muito de ler, apesar de suas escolhas profissionais que, pela lógica, os levariam facilmente ao caminho dos textos e das palavras. Meu pai, cirurgião dentista, possuía alguns calhamaços técnicos referentes a sua escolha profissional e alguns poucos exemplares com conteúdos gerais, além de uma linda coleção sobre os mais famosos julgamentos da história da humanidade. Minha mãe, professora, ficava mais próxima de leituras de cunho religioso, assídua devota que sempre foi. Meu irmão mais velho raramente deixava-se acalentar por um livro ou qualquer coisa de igual serventia.

Ler, para mim, foi uma descoberta e uma construção muito pessoal, diria extremamente solitária. Comecei lendo almanaques e revistas velhas, quase todas mofadas, que tirava de dentro de um baú-embornal que ninguém dava importância e que ficava no quarto de bagunças nas proximidades do quintal da casa onde vivi meus primeiros anos de vida.

Com o tempo, fui gostando de gibis, até um dia começar a me interessar por revistas sobre automóveis e motocicletas. Por bons anos, devorei a revista Quatro Rodas e foi por conta dela que não consegui me distanciar das palavras no fim de minha infância e começo da adolescência. Quando a edição do mês chegava, corria feliz para tomar banho só para poder abri-la e saber o que teria ali dentro, como num passe mágico. Um tanto que inusitado, não?

Com um pouco mais de idade e com a experiência ledora sendo constantemente motivada por novas aquisições, conheci a literatura, este mundo sem igual ao qual não penso jamais desabitar. Meus primeiros três livros lidos: O Pequeno Príncipe, Meu Pé de Laranja-Lima e Peter Pan. Lembro que lia na sala de estar com um pires repleto de mel de abelha, que tomava às colheradas de chá. Segredos de mãe que sempre ampara o filho descobridor de mundos... Quando faltava energia na minha rua, já entrado na noite, por vezes lia com duas ou três velas bruxuleando as laterais de minha cama. Era a melhor hora para ler as histórias de horror e suspense.

Daí por diante, foi como entrar num labirinto gigantesco. Logo conheci Dante Alighieri, Herman Melville, Carlos Drummond de Andrade, Jorge Luís Borges... muitos nomes, muitas estradas, muitos personagens, muitas histórias, muitas estórias e a vontade de fazer parte de tudo aquilo de alguma forma. Comecei a rabiscar meus primeiros poemas. Guardo caderninhos repletos deles até hoje em minhas prateleiras livrescas. Para mim, tesouros de um tempo de amadurecimento. Uma coisa tende a desencadear outra, não? Mas eu confesso, ler nunca foi uma prática simples. Muito pelo contrário.

O ato ledor pede muito de nós, seres humanos. Há sempre um gasto energético em tal ação, o que demanda muito do corpo e da mente. Ana González, em seu livro VOCÊ SABE (MESMO) LER?, aborda um leque de sutilezas que dizem respeito aos nossos momentos ledores. A autora destaca que para ler com qualidade é necessário ter "claras as intenções de sua leitura, os objetivos para os quais ela vai ser empreendida; preparar-se adequadamente para essa tarefa; identificar a fonte, o título e o papel do contexto, antecipando informações a respeito do conteúdo; conhecer um pouco mais os gêneros textuais dentro de um mundo de linguagem e de discursos, que indicam a função para a qual os textos foram escritos; saber que é com esse objeto que vai dialogar", além de ser preciso se enveredar por níveis outros mais profundos do uso da linguagem e do texto em si.

Mesmo sendo suas dicas dirigidas apenas para determinados padrões textuais, o livrinho de González toca a inteireza da problemática. Será mesmo que sabemos ler? O que é ler? Como ler melhor? O que fazer para ler melhor? Questões aparentemente banais, mas que podem significar muito para muitas pessoas. Afinal, perdemos muito quando não aproveitamos todas as tonalidades de um texto, seja ele qual for. E para sermos melhores o tempo todo, conosco e com o mundo que nos cerca, faz-se imperativo ler mais e, principalmente, ler melhor.


* Imagem retirada do site Deviantart.

Um comentário:

Arco-Íris de Frida disse...

Na casa de meus avos... tinha uma sala quadrada muito grande... muito grande mesmo... e em cada canto dessa sala, tinha um sofa, um abajur, e no alto uma estante com livros... cresci lendo todo tipo de livros... penso que ler é abrir a mente para compreender melhor o mundo que vivemos...