BAWARSHI, A.; REIFF, M. J. Gênero: história, teoria, pesquisa, ensino. São Paulo: Parábola, 2013. 285p.
O capítulo 5 do livro Gênero: história, teoria, pesquisa, ensino esboça com clareza a magnitude e importância do todo da obra protagonizada pelos professores e especialistas em linguagem Anis Bawarshi e Mary Jo Reiff, que assinam a autoria do supracitado livro publicado no Brasil em 2013, porém já lançado nos Estados Unidos desde o ano de 2010. A edição nacional foi realizada pela editora Parábola, com tradução realizada por Benedito Gomes Bezerra, docente da Universidade de Pernambuco (UPE).
No referido capítulo, Bawarshi e Reiff traçam, em conjunto, uma grade comparativa entre as visões acerca de gênero praticadas pelas abordagens linguísticas (ESP) e retóricas (ERG). Apesar de divergirem em muitos aspectos, os autores destacam que tanto a ESP quanto a ERG partilham de algumas perspectivas semelhantes, como por exemplo o fato de reconhecerem que os gêneros não se dissociam do fator situação, sendo também partícipes da ideia de reconhecimento do gênero a partir das dimensões sociais, partindo da ênfase dada ao destinatário, passando pelo foco nos elementos contextuais e terminando pelo destaque empregado à ocasião. Indica-se, deste modo, que as maiores discrepâncias estariam no âmbito do enfoque e, também, nas trajetórias pedagógicas e de base analítica que são empregadas por cada uma das abordagens.
Elucidado o confronto dado entre a English for Specific Purposes - ESP, que enxerga o gênero como formas de ação comunicativa, e a ERG, que o define como sendo formas de ação social, o excerto aqui analisado segue no propósito de comparação esmiuçada acerca das duas propostas de investigação.
Dentro de uma construção panorâmica de base histórica do elemento gênero, os autores, influenciados por grandes nomes da pesquisa linguístico-cultural, a citar Charles Bazerman e Carolyn R. Miller, produzem uma descrição apurada ao que concerne as questões mais relevantes das inúmeras pesquisas que influenciaram grande parte dos estudiosos da matéria até a produção de uma nova conceituação de gênero.
Diante de tal escaramuça científica, percebe-se que em ESP o propósito comunicativo é o elemento gerador do gênero e o movimento de análise parte do contexto para o texto. Este propósito comunicativo, ao auxiliar o processo criativo dos membros da comunidade discursiva, molda-se a si mesmo a partir da interação com os gêneros.
Já nos Estudos Retóricos de Gênero (ERG), o eixo de concentração implica na maneira como os gêneros aperfeiçoam e otimizam nos usuários da língua ações com desenvolturas sociais. Neste complexo ideário, o contexto é um motor de desempenhos impulsionado pelos gêneros e por outros instrumentos existentes nas esferas da cultura. Diferentemente de ESP, moldam-se, então, realidades sociais a partir de situações de ação social envolvendo os gêneros, de modo que tudo parece se iniciar e se findar nos arcabouços do contexto.
Cabe ressaltar que em ERG o pensamento de que gênero faz parte de um sistema psicossocial, demasiadamente defendido por Bazerman, coloca-o numa esfera de maior amplitude quando comparado ao prisma observado em ESP. Não sendo apenas formas, os gêneros alcançam as individualidades humanas, sem deixar de obter assim uma congruência social de relevante valor para as discussões até então instauradas. Daí a ideia de que o gênero é mais bem definido se investigado a partir de suas funcionalidades sociais e não com base apenas em sua estruturação formal.
Em ERG, gêneros são compreendidos como elaborações conceituais sociológicas. O gênero é o formador, no sentido de molde, de lugares sociais que são utilizados para se atingir outros lugares sociais comuns, mas ainda não explorados por uma respectiva coletividade.
Se for mesmo um poderoso artefato de e para elaborações psicossociais, deve-se entender o elemento gênero tal qual uma corrente infindável produtora e norteadora de dinamicidade histórico-social, constitutiva de um itinerário ideológico-performativo completamente aberto às profusões situacionais/e de ocasião percebidas e fomentadas no cotidiano das pessoas em sociedade, tendo como ponto-basal as suas necessidades e demandas.
Após uma consistente navegação pelo capítulo em questão, com direito a um passeio pelas duas mais importantes perspectivas teórico-metodológicas em voga no âmbito dos estudos em gênero, Bawarshi e Reiff salientam que a visão da ESP e ERG, enquanto modos e formas complementares de análise e de pesquisa, representaram um grosso e endossado passo para que os gêneros começassem a ser percebidos como ingredientes salutares no que diz respeito à imbrincada sistematização das ações humanas, haja vista que o gênero passou a ser visto tal qual o é, ou seja, como parte constituinte dos fenômenos da linguagem e da comunicação da natureza dos homens e usuários da língua
Bawarshi e Reiff não se esquecem de recordar, ainda, as contribuições de Bitzer e Black quanto ao presente poderio das operações de situação frente ao produto das interações, como não se permitem olvidar também das percepções influentes de Jamieson e Campbell.
Em subtítulo especial, os autores indicam a participação da Fenomenologia de Husserl e de Heidegger no magma-pensamental das problemáticas que circundam o gênero. Nota-se aqui, como preconiza o dasein heideggeriano, uma formulação de gênero banhada na simbologia do ser-aí/ser-com/ser-no-mundo, intuindo ao gênero uma consciente ciência de si jamais autossuficiente ou liberada das influências impressas e sedimentadas pelos meios que o cercam.
Visto assim, ontologicamente, o gênero é ainda mais acobertado pela ideia de participação social e não de estrutura cimentada, impassível, impermeável e estanque, dotada apenas de uma forma e/ou estrutura. Gênero, sob tal marcador analítico, ganha ares de agente detector de intencionalidades – e quem não se lembra das investidas de Grice diante dos movimentos de enunciação, do enunciado e do significado?
O interacionismo sociodiscursivo que avançou pelas pesquisas envolvendo o estudo de gênero no Brasil reflete, pois, a preocupação atual em se aderir a um conceito mais abrangente e menos engessado dos termos e símbolos discutidos aqui, baseando-se para isso na complexidade inata que une texto e contexto, homem e mundo, além de comunicação e linguagem. E para que tais debates se tornem ainda mais aclarados em território tupiniquim, o livro de Bawarshi e Reiff ganha importância indiscutível no rol das leituras fundamentais acerca das propostas e temáticas de gênero.
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