sábado, 19 de maio de 2018

As plantas que latem de Helder Herik



Por Germano Xavier



O título chama a atenção: AS PLANTAS CRESCEM LATINDO. Não teve outro jeito. Precisei levá-lo para casa. Não é novidade para ninguém meu muito gostar de sebos e/ou alfarrábios. Foi num destes estabelecimentos que encontrei o segundo livro do poeta Helder Herik. Um pequeno guarda-poemas dividido em nove gavetas, com conexões perceptíveis (ou quase). Partes que são pétalas de uma flor maior chamada Vida. Vida, louca vida, vida breve. Ah, Cazuza! Como manejá-la? Sem poesia no olhar as coisas, mais difícil ainda, não acha? Em sua grande maioria, poemas que conversam, que tratam de dialogar, que compartilham algo com quem lê. Como nossas mães ou nossos pais ou avós ou tios ou vizinhos que travam altos diálogos com as rosas de seus respectivos vergéis. Um aparato para tratos diversos. No fim das contas, resta dentro de nós, uma vontade. Um desejo pela partilha, por uma espécie de consagração do encontro. Um querer ser-no-outro-ou-para-o-outro. A poesia também é alento. Sim, é. Como certos momentos das nossas vidas. Felicidade é o nome que se dá a isso? Um livro que nos ensina um pouco mais a ouvir, que nos ensina um pouco mais a ser. E se consegue isso, já se legitima, já se põe à prova, ao degustar das almas. Um passeio que vai das redes sociais até os sapos que engolimos todos os dias em nosso cotidiano, passando pela filosofia e pelas poeiras estelares de nossos chãos diários, tão íntimos e infernais. Aliás, filosofia é o que não falta ao livro do poeta nascido em Garanhuns, agreste pernambucano. Helder, com simplicidade e enxutas palavras, coloca-nos de sobreaviso acerca da incerteza dos agoras, destampa a válvula dos passados e nos aclara um futuro cheio de quebras, interregnos e aptidões. Ficamos, ao final da leitura, com uma prece instantânea e espontânea nas beiradas de nossa língua sobre a beleza das pequenas coisas e dos decididos gestos. As plantas que crescem latindo nada mais são que raízes internas de sol conectadas a nós mesmos nos dizendo: vá, caminhe, siga, imbrique, faça, corra, salte, seja, viva... antes que seja tarde demais. Antes que seja mais tarde do que pensamos ser, feito a revelação do relógio da Casa do Sol, morada de Hilda Hilst. Antes que seja e antes que acabe não sendo!


* Imagem: https://www.estantevirtual.com.br/livros/helder-herik

domingo, 6 de maio de 2018

Quando ela se cansar do mar



Por Germano Xavier



A menina está escorada no barco que eu vou pegar em poucos minutos. Parece triste. Parece sozinha. Certamente não era dali. Camamu era uma cidade com duas camadas. Feito a capital baiana. Havia a parte superior e a inferior. Ricos, clericais e coronéis em cima e a ralé na parte de baixo, dando o duro dos dias. Tudo muito estratégico. Dava para ver a longa esteira de mangue e o rio Acaraí deitado no horizonte azulado. Como em algumas cidades por onde já passei, Camamu só me serviria de trampolim aquele dia para eu conhecer outra paragem: a Península de Maraú.

Descalcei-me antes de entrar no barco. Gosto de sentir a madeira úmida dessas pequenas embarcações com nomes femininos. Uma espécie diferente de frio, quase quente. Estou no Danúbia II. O dono é o Seu Jeremias, um nativo de pele cor-de-sol. De esguelha, vi a menina debruçar-se na proteção de ferro do barquinho. Seu Jeremias aperta o botão. Em um instante o motor soltou um tufo de fumaça preta pelo escape, rente à água marinha espumosa. Ela está quase deitada no parapeito, a menina. Fico olhando-a de longe.

O velho e barulhento motor rema. Eu também remo. E me faço presente, por um instante. Encosto o olhar no rosto dela. Ela me olha com um riso terreno. Demasiado terreno. Não me oferece nenhuma palavra. Acendo um sol em mim e pergunto:

- Você também vai para Barra Grande?

A menina não sorri. Vou junto, como se eu tivesse ficado triste também por algum motivo. Engraçado como me permito acompanhar a dor dos outros. Aí sofro junto. Pode ser um desses males atrelados ao meu signo. A embarcação bamboleia. Tudo é uma dança. De repente, todos os que embarcaram veem a camisa de Seu Jeremias se enroscar na polia central do propulsor. O motor apaga, num rompante. As pessoas cochicham entre si. Outras se exasperam, gritam, pedem por socorro. Seu Jeremias, coitado, agora sem camisa, tenta acalmar todo mundo enquanto inicia a retirada dos panos embaralhados.

Apesar da tarde solar, a menina rema. Para mais perto de mim. Também remarei. Em sua direção. Não é assim a vida? Remarei. Remei. Talvez eu lhe ensinasse meu sentimento. Talvez eu lhe falasse sobre o silêncio. Ou simplesmente conversasse sobre alguma coisa desimportante. Mansa era a água. O movimento, dormente. Estivéssemos em terra e nada seria igual, tão incerto e ao mesmo tempo  tão maravilhoso. Por isso respeito tanto o mar, as águas de uma forma geral. A água nos põe em equilíbrio. Estávamos à deriva. Eu era o oceano.

- Você parece cansada. Não quer dizer algo?

O motor logo irá zunir novamente. Novas ondinhas serão geradas pelas pás. O mar está muito calmo. O Seu Jeremias levanta as mãos. Diz que conseguiu, enfim. Continua sem camisa, agora muito suado. Meia hora depois o motor acorda novamente. Brum-brum-brum. Já vejo o pôr-do-sol. Barra Grande se aproxima. O lugar é lindo. Para trás, a cidade passageira, com suas duas elevações. Igrejas pomposas apontam para o céu de Camamu. A menina sorri. Parece até menos triste. Parece menos só. Curvo meu corpo e olho para baixo. Tenho pés de madeira. Integrei-me. Sou o meu próprio barco. Estou remando. Remando. E ela vai comigo.


* Imagem: https://www.deviantart.com/art/Spirit-of-the-Sea-743618862

terça-feira, 1 de maio de 2018

Letras em Barro apresenta: “A Cobrança”, de Mário Rodrigues e “Quebranto”, de André Balaio

Divulgação


André Balaio e Mário Rodrigues autografam seus livros, “Quebranto” e “A Cobrança”, no sábado (05), no Alameda Caruaru, após conversa com Thiago Medeiros e público. O evento começa às 17h e é gratuito.

Os escritores pernambucanos André Balaio e Mário Rodrigues lançam simultaneamente “Quebranto” (Editora Patuá) e “A Cobrança” (Editora Record), suas obras mais recentes, neste sábado (05), às 17h, no Alameda Caruaru. Os autores também vão debater sobre suas vivências na literatura sob mediação de Thiago Medeiros, idealizador do Encontro Literário Letras em Barro. O evento é gratuito e funciona como uma antecipação da programação completa prevista para outubro.

“A iniciativa é um esforço para afirmar Caruaru na condição de cidade produtora e divulgadora da cultura em geral, mais especificamente da literatura produzida por artistas pernambucanos”, aponta Medeiros que também é escritor, poeta e produtor cultural. Embora a cidade já comporte eventos como a Fenagreste, a Feira de Livros do Agreste, há falta de atividades que aproximem o público dos escritores. “A ideia do evento é humanizar os autores, mostrar que é possível exercer o ofício da literatura e incentivar a formação de novos leitores, mas principalmente incentivo a novos escritores e escritoras”, desenreda o produtor.

As trajetórias e pontos de vista de André Balaio e Mário Rodrigues prometem trazer insights interessantes aos leitores e àqueles que pretendem trilhar um caminho próprio na escrita. Pernambucanos, vencedores de prêmios importantes no cenário nacional, os autores trazem pontos de vista mais complementares que semelhantes.

“O lançamento de um escritor pernambucano que já possui certo renome em âmbito nacional, e do primeiro livro de um escritor promissor e inventivo como Balaio, lançado por uma editora que tem estimulado tanto novos nomes, que é a Patuá, em Caruaru, é uma inovação na cena cultural da cidade”, sublinha Medeiros.

Nascido e criado em Garanhuns, Mário Rodrigues já foi indicado ao Prêmio Jabuti, na categoria de Contos e Crônicas, e venceu o prêmio Sesc de Literatura em 2016. A premiação resultou no lançamento de “Receitas para se fazer um monstro” pela editora Record, o mesmo local por onde “A Cobrança” está sendo lançado agora.

“No Brasil, como o público leitor é mínimo, esses prêmios acabam sendo a verdadeira chancela do escritor. O número de convites para eventos e antologias, por exemplo, aumenta muito depois de certas premiações”, pontua. Seu novo romance traz uma reflexão que visa desconstruir a máxima brasileira de que “futebol, política e religião não se discutem”, especialmente pertinente neste ano que, mais uma vez, casa eleição e copa.

Concursos e premiações também ajudaram André Balaio a se firmar em sua trajetória. Vencedor do prêmio Off-Flip com o conto “O Lado de Lá”, Balaio também foi finalista do Prêmio Nacional SESC 2017 de Literatura e do Concurso Literário Nacional CEPE 2017. Ao contrário de Rodrigues, Balaio, também roteirista de quadrinhos e editor do site O Recife Assombrado (orecifeassombrado.com), envereda pelo insólito para falar de desajustes na vida de pessoas comuns. “Na literatura fantástica, o sobrenatural pode aparecer como metáfora para culpa, desejo e outros sentimentos”, descreve. “O fantástico é uma maneira original e instigante de falar dos problemas cotidianos”.

Serviço:

Lançamento simultâneo “A Cobrança”, Mário Rodrigues, e “Quebranto”, André Balaio.

Quando: sábado, 05 de maio

Horário: 17h

Onde: Alamenda Caruaru - R. Arlindo Pôrto, 127 - Maurício de Nassau, Caruaru

Informações: (81) 99839-1312

Entrada franca


* Imagem: Letícia Santiago

* Imagem: Divulgação/Mário Rodrigues