Por Germano Xavier
"Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia."
Leon Tolstói
Narrativas que transformam algo são sempre as mais difíceis de serem escritas. Narrativas que nos transformam, ou que transformam pessoas, ainda mais. Gerar evolução no outro é ofício de doido, diria alguém. Todos os textos têm introjetados em si esta carga de poder, de máxima, mas a experiência de vida do autor é, talvez, o detalhe que possibilita que algo mais nos aconteça ou nos toque quando estamos a ler um livro qualquer, já que ela – a experiência - irá nos requerer um gesto de pausa, um gesto que é tão difícil nos tempos de agora-ontem-amanhã, um parar para ver-melhor, um parar para ouvir-mais, um parar para pensar-além, mais devagar, mais plástico, mais sentido, mais demorado e minucioso.
A narrativa, quando opinião e pureza, quando vontade, quando menos automática, quando mais atenção e quando mais delicadeza, abre olhos e ouvidos gerais, fala e acontece num mesmo instante, apreende, aprende e ensina, realiza encontros, cultiva calores e sabores humanos dentro dos tempos vários e dos espaços múltiplos do nosso viver em sociedade. Quando o autor opera este pequeno milagre, dá-se a Literatura com a maiúscula inicial. E é com base em tais potencialidades narrativas que o livro CERCO (Multifoco, 2019), de Stenio Erson, chega até o olho-nosso que lê.
O autor, natural da Chapada Diamantina, utiliza-se de histórias pessoais e sociais para construir uma identidade narrativa que posiciona o leitor em um tripé bem resolvido: o vivido, a memória e o narrado. Tudo isso em cerca de 80 páginas e 10 contos. Um servidor que morre e deixa o devedor no vácuo, um caroneiro que some no meio do trajeto, uma mulher que se joga do alto de uma cachoeira, um menino feito de muita vida, entre outras passagens, autorizam momentos de autorreflexividade, de intersubjetividade e de alteridade perante as personagens que maquinam as composições narrativas do livro e, também, diante de nós-mesmos.
No meu caso, que também sou nativo da inigualável Chapada Diamantina, ali no centro geodésico baiano, que fui parceiro do prezado autor em viagens, travessias, poeiras e trabalho, senti-me conhecido e reconhecido em várias passagens da obra. E como é interessante quando é o outro que conta a nossa história ou a sua história! CERCO é daqueles livros que não se dissociam do lugar, que não fogem de sua territorialidade, e que, por isso, acabam ampliando sentidos de pertencimento, transformando tudo em novas perspectivas, deixando claro que tem potencial para reverberar em mentes diversas dos quatro cantos do mundo. CERCO ainda conta com ilustrações fabulosas de Pedro Lima, artista plástico bastante renomado na região.
* Imagem: Acervo do autor/Stenio Erson