domingo, 3 de novembro de 2019

Sobre "Recife em tom menor", de Bartyra Soares




Por Germano Xavier


(Cepe, 2016)


Recife, capital do Pernambuco: uma cidade que não tem vergonha de revelar as suas faces e os seus fantasmas. Daqui de Caruaru, onde moro há 6 anos, pouco mais de uma hora em boa velocidade. Chega-se a ela, assim, quase-facilmente. Uma cidade que nos obriga a esperar, pois tem um tempo próprio. Recife, ondular, caminha entre suas árvores centenárias, seus dutos fétidos, seus rios quase-mortos e seu povo. Recife avança para onde não se pode mais, como tantas. Cresce para sua finitude. Sua ciranda malemolente é a de quem anda de lado. Manguetown.

Suas antemanhãs aclaradas pelo sol das chuvas quase diárias espalham suas feridas de Camaragibe a Boa Viagem, passando por todos os seus viadutos. Mar que arrebenta, horizontal-Brennand. Recife nos adverte: Transcender é preciso, viver também é preciso. Além-mar, rosa-dos-rumos, uma Mauricéia antiga tocada em tons menores entre o Estelita e as ladeiras de Olinda. Recife cinza e verde das mentes alternativas. Recife das vésperas de alguma coisa, sempre. Recife dos convites, dos casarões sem Tempo, das tantas possibilidades de nada vir a ser.

Seus Maurícios homens dormem sob as pontes, seus hóspedes gemem, sitiados no caos. Não se corre na lama. A lama é densa e afunda os pés. Insulado, o Recife se põe apesar das tardes. Exilado, o Recife se alucina para se abrir no próximo Galo da Madrugada uma folia de agoras e futuros. Suas torres me lembram as saudades do meu pai. Os Trólebus já inexistentes me remetem ao mundo dos cartões de memória, dos álbuns de família. Recife nos provoca mudanças. Muda. 

Bartyra Soares, brotada em Catende, sabe disso. Pede amparo às fotografias de Marcus Prado. Recife talvez seja mesmo fantástica a ponto de não caber apenas em palavras, em versos, em estrofes. A fotografia amplia a melancolia sufocada de seus canais e de suas ruas. Ao fim, página por página, o Recife acaba nos comovendo. Discretamente, em tom menor, sabedor que é de suas todas alegres tristezas. Recife, capital do Pernambuco, um imenso navio ancorado prestes a zarpar para o mais distante e bonito Nada.



Nenhum comentário: