sábado, 28 de agosto de 2021

ASA DE LAGARTA, de Vanessa Reis + ISABEL ALLENDE (Parte II)


 

Para que serve um livro de poesia? Talvez o livro ASA DE LAGARTA, de Vanessa Reis, possa ajudar você a responder tal questionamento. Ainda neste vídeo, Cristina Seixas nos apresenta a segunda parte de suas impressões sobre a obra da escritora chilena Isabel Allende.

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quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Poemas estranhos e estrangeiros (Parte XI)




 Por Germano Xavier


Diamantes, canais e o Distrito da Luz Vermelha


chegando em Amsterdam, fui ver

uns diamantes. falei para a moça que apresentava as

pedras "sou da Chapada dos Diamantes" e quem 

me garante que esse aí reluzente não veio de lá?

ela deu risada, mas em minha fala havia revolta.

minha vingança foi maligna. aliás, eu sempre arranjo

um jeito de me vingar.


meia volta na fabriqueta e eu estava no centro da capital

holandesa. uma cidade belíssima. bicicletas.

muitas bicicletas. por todos os lados. de todas as

cores. bicicletas afundadas nos canais. um festival de 

histórias sobre bicicletas e seus donos. tomei um vinho 


e a embarçação abriu a noite.

dobrei umas ruas estreitas e me encontrei 

no Distrito da Luz Vermelha. observei atentamente

tudo ao meu redor. uma maneira particular de ganhar dinheiro, 

de vender o corpo, de exploração, de tanta coisa... muitos jovens

e muita fumaça e muito álcool e muitas drogas, eu sei.

até hoje relembro os olhos fugidios daquelas moças nas 

vitrines. seminuas e tão nuas de tanta coisa. observei. mas nem tanto.

não quis constranger ninguém. a Holanda é um lugar que 

merece uma atenção especial. muita coisa lá já é uma espécie de futuro.

ou não. um dia iremos saber.


foi quando pensei em Anne Frank. 

fechei os olhos logo em seguida, 

e meu pensamento me distraiu dores.


(Tarde e noite de 15 de junho de 2017)




sexta-feira, 20 de agosto de 2021

BUBUIA, de Jéssica Martins Costa + DICAS DE JAMES WILKER


 

Bubuia significa "borbulhar, boiar". A poesia pode se servir disso e a isso. Para mergulhos, para equilíbrios. Ou para buscas. Sejam bem-vindos ao mar de palavras de Jéssica Martins Costa. Ainda neste vídeo, James Wilker nos oferta mais uma dica de leitura imperdível.

#bubuia #jéssicamartinscosta #germanoxavier #jameswilker #canaloequadordascoisas

Poesia em nome dos raios




Por Germano Xavier


Uma mulher-deusa de uma mística nada passiva dança um fogo branco-brando e a capa instaura um ar de sagrado sobre o papel feito de negrumes. Assim começa o livro de poemas intitulado EM NOME DOS RAIOS, do poeta baiano João de Moraes Filho, livro este coadunado a outro, CARTAS DE NAVEGAÇÃO, de Nuno Gonçalves. Dividido em cinco partes, a poesia presente na obra deste cachoeirense compõe um rosto aparentemente simples para quem o sente diante de uma primeira leitura. Porém, é com a paciência da decifração que a poesia demanda que uma face mais ígnea e áspera aponta no chão das páginas amareladas. O livro é feito de um silêncio calculado que não chega a dar ao livro um aspecto de som morto, mas pelo contrário, dele brota um argumento capaz de invadir com tenacidade a ópera de nossas almas. O uso de epígrafes no topo de muitos dos escritos alimenta os poemas com um mel de significado que gera marcas de força, o que auxilia a melhor incorporação do poema por parte do leitor. O tempo é recriado e ele mesmo elabora um espaço sem temporalidade, haja vista que ele, o tempo, “sobrevive ao fogo, corre/nos quintais e nada espera”, como diz o poeta em Portuário. O gesto do olhar, enquanto um dos sentidos-mor do ser humano, também obtém destaque nos versos, posto que são eles os responsáveis maiores por resgatar “ardências reais” onde algo pode estar na condição básica do abstrato. “Pássaros estalam rezas” e o que se instala na configuração do todo poético de EM NOME DOS RAIOS é a sensação de se estar lendo um tempo que realmente existe ou existiu num contexto exato de perdição. O futuro é apenas um pano de fundo recoberto de mistérios, apesar dos questionamentos inerentes, ele não aparece na obra: “... amanhã é depois./e depois de amanhã não será futuro/nem presente. Apenas um brinde”. O poeta segue o risco que há num sorriso e enobrece a humanidade no homem, já que “pouco importa/o canto,/descobre-se/a lágrima”. Os raios cantados por João de Moraes Filho caem também sobre a figura de sua terra natal, como podemos ler nos versos do poema Procissão: “Paraguaçu adentro./Nos Portos ancorados/se resumem histórias/margeadas de Áfricas/em estado de aves/cantando nos jardins”. É como se ecoasse em nós uma oração pela natureza humana, regada sempre por arcanos insubstituíveis e fundamentais. Por fim, as mãos do poeta tecem com uma candura aberta em dúvidas um universo drástico e obscuro sobre a incerteza da serventia de toda palavra. Falando de si, pergunta em Pátria Amada como se fosse nós: “Nossa vida, nossos amores:/o que somos?/Um sorriso escancarado de alguma boca?” E então?


Já CARTAS DE NAVEGAÇÃO, de Nuno Gonçalves, é um livro de poemas sobre distanciamentos, medos, sobre uma condição de marginalidade perante o mundo que devassa a ordem do existido, do existível. O que há pode entrar em ruína a qualquer momento. A poesia aqui serve como um aviso sobre nossas fraquezas e nossa desfaçatez concernente ao todo do mundo. A atmosfera espaço-temporal gerada em suas páginas maquina um tumor que beira a malignidade nos sentidos de quem lê. A alma se adoenta quando a pureza da vista sofre maculações necessárias no decorrer da leitura. Tudo é um sofrimento conjunto, do autor com o leitor e vice-versa. A consequência é a produção de uma consciência em atividade inquiridora e ininterrupta. O autor nos coloca diante de um lugar que é nosso e que está demasiado distante de nossas mãos, mesmo estando perto demais, o que nos causa um certo desespero por não poder tocá-lo em sua inteireza. Faz isso nos dizendo: “O nosso paradeiro é um lar distante”. O mapa que nos guia revela uma poesia referente ao nosso próprio descobrimento, e nos olvida do que não nos são préstimos e essências. “Esqueça tudo que não for amor”, versifica, reforçando tal idéia. Por detrás das forças que operam o contrário do bem, o amor surge impetuoso, feito um deus duro e capaz de maldades benévolas. Num cenário regado a desesperanças, onde “Não há nada/ Desta pedra não se tira leite”, somente o amor pode burlar o fel da vida. O homem rompe o silêncio para se transformar numa “Máquina de procriar escuros e afogar naufrágios que insistem”. A prosa poética se mistura ao verso livre, que bebe constantemente em repetições, para fortificar o sentimento de uma cotidianidade feita de realidades. O poeta lembra dos amigos e constrói uma cidade quase inabitável em mirante do morro de santa terezinha. Deseja a morte em versos como “tragam os pregos para minha crucificação”, terminando por nos alertar sobre as desventuras da vida em seu estado purgatorial. Talvez só valha a pena a vida na desforra e no desbunde, ou na quietude dos nirvanas existenciais. Canta “os senhores da terra e das sementes”, gente que arde na brasa das folhas de fumo da Cachoeira baiana de tantos santos tragados por históricas batalhas pela identidade e pela resistência de um povo. Aprender com tristezas, saber lidar com toda sorte de infortúnios, alimentarmo-nos de sementes, operar germinações íntimas, lições que a poesia de Nuno Gonçalves nos coloca em seu livro CARTAS DE NAVEGAÇÃO. Porque a base de tudo é somente o que somos. Será mesmo?


Imagem: Google.

quarta-feira, 11 de agosto de 2021

IDEIAS PARA ADIAR O FIM DO MUNDO, de Ailton Krenak


 

O que seremos se continuarmos a ver o mundo e a nossa humanidade como meros objetos ou mercadorias? Esta e outras perguntas à luz do pensamento de Ailton Krenak, líder indígena, ambientalista e escritor brasileiro.

#ideiasparaadiarofimdomundo #ailtonkrenak #germanoxavier #canaloequadordascoisas

domingo, 1 de agosto de 2021

Raimundo Carrero e o corpo em mutação

*
Por Germano Xavier


ou Quando a vida ficará tarde demais para nós?

Pernambuco, hoje, não é só cinema. Pernambuco, hoje, é também literatura da melhor qualidade. Aliás, sempre foi assim. Só o nome de um Osman Lins já pesaria em afirmação por todos os meus julgamentos... junte-se a ele um Marcelino Freire, um Miró de Muribeca, uma Luzilá Gonçalves, um Alexandre Furtado, verdadeiros guerreiros da arte da palavra, entre tantos outros poetas e prosadores vivos (e outras centenas de falecidos).

E o que dizer de um Raimundo Carrero? Monstro das letras, simplesmente. Pouco lido, é certo. Por falar nele, no Carrero, convenhamos: é dos grandes prosadores de nosso país. O escritor nascido na cidade de Salgueiro-PE lançou em 2015 o livro O SENHOR AGORA VAI MUDAR DE CORPO, cujas tentativas de escrita datam de 2010, quando sofreu um acidente vascular cerebral. É justamente acerca de tal questão que o livro versa, ou seja, sobre a nova moldura corporal que o escritor passa a carregar após o AVC.

Carrero demarca a obra supracitada sob o signo do corpo, espaçando seu roteiro dentro de uma mistura dos significados de corpo com as metáforas do crime, das sombras, das fezes, das aranhas, do Cristo, da arte, dos miseráveis, da política, da luz e de la nave (leia o livro, caso queira compreender tudo aqui exposto). Ao final, presenciamos um escritor em processo de dissecação de si para si, mesmo que o sangue escorra para bem longe dos ralos visíveis, mesmo que não hajam cortes ou interceptações mais invasoras na pele. O que dói, na verdade, é a dor na alma.

O SENHOR AGORA VAI MUDAR DE CORPO lembra-nos logo de cara do Gregor Samsa kafkiano, que se vê desconfigurado, em forma de inseto, e totalmente atordoado por isso. O livro de Carrero é sobre um tipo de metamorfose a que estamos sujeitos, todos nós estamos. Nada muito esdrúxulo e inacontecível. Como bem sabemos, animais mudam de pele. Não somos animais?

Ao passo que detém os leitores dentro de tais detalhamentos corpo-físicos, num esmiuçar bastante protuberante, Carrero burila seu passado com uma pá invisível que escava de maneira profunda suas memórias pernambucano-recifenses. Passeamos, pois, pela história de sua ligação com o movimento Armorial até momentos de extrema intimidade poética, onde o autor nos brinda com referências lítero-artísticas marcantes para a fundação de toda a sua obra.

Indubitavelmente, o livro é um pequeno diamante de nossa literatura contemporânea. Simples, porém inegavelmente aterrador. Um relato sincero de como as coisas podem ficar após um desarranjo de nossa máquina corpórea. Talvez até, um pequeno postulado poético de como se safar de tais agruras, ou mesmo de como dirimir a dor de conversões desta natureza. Dirimir no sentido de amenizar, eu disse. Até porque só conhece a dor quem a possui.


* Imagem: http://www.deviantart.com/art/corpo-I-171824679