| Desde 2007 | Por Germano V. Xavier | Em memória de Milton de Oliveira Cardoso Júnior | + de 2.200 textos publicados |
sábado, 28 de agosto de 2021
ASA DE LAGARTA, de Vanessa Reis + ISABEL ALLENDE (Parte II)
quinta-feira, 26 de agosto de 2021
Poemas estranhos e estrangeiros (Parte XI)
Diamantes, canais e o Distrito da Luz Vermelha
chegando em Amsterdam, fui ver
uns diamantes. falei para a moça que apresentava as
pedras "sou da Chapada dos Diamantes" e quem
me garante que esse aí reluzente não veio de lá?
ela deu risada, mas em minha fala havia revolta.
minha vingança foi maligna. aliás, eu sempre arranjo
um jeito de me vingar.
meia volta na fabriqueta e eu estava no centro da capital
holandesa. uma cidade belíssima. bicicletas.
muitas bicicletas. por todos os lados. de todas as
cores. bicicletas afundadas nos canais. um festival de
histórias sobre bicicletas e seus donos. tomei um vinho
e a embarçação abriu a noite.
dobrei umas ruas estreitas e me encontrei
no Distrito da Luz Vermelha. observei atentamente
tudo ao meu redor. uma maneira particular de ganhar dinheiro,
de vender o corpo, de exploração, de tanta coisa... muitos jovens
e muita fumaça e muito álcool e muitas drogas, eu sei.
até hoje relembro os olhos fugidios daquelas moças nas
vitrines. seminuas e tão nuas de tanta coisa. observei. mas nem tanto.
não quis constranger ninguém. a Holanda é um lugar que
merece uma atenção especial. muita coisa lá já é uma espécie de futuro.
ou não. um dia iremos saber.
foi quando pensei em Anne Frank.
fechei os olhos logo em seguida,
e meu pensamento me distraiu dores.
(Tarde e noite de 15 de junho de 2017)
sexta-feira, 20 de agosto de 2021
BUBUIA, de Jéssica Martins Costa + DICAS DE JAMES WILKER
Poesia em nome dos raios
Por Germano Xavier
Uma mulher-deusa de uma mística nada passiva dança um fogo branco-brando e a capa instaura um ar de sagrado sobre o papel feito de negrumes. Assim começa o livro de poemas intitulado EM NOME DOS RAIOS, do poeta baiano João de Moraes Filho, livro este coadunado a outro, CARTAS DE NAVEGAÇÃO, de Nuno Gonçalves. Dividido em cinco partes, a poesia presente na obra deste cachoeirense compõe um rosto aparentemente simples para quem o sente diante de uma primeira leitura. Porém, é com a paciência da decifração que a poesia demanda que uma face mais ígnea e áspera aponta no chão das páginas amareladas. O livro é feito de um silêncio calculado que não chega a dar ao livro um aspecto de som morto, mas pelo contrário, dele brota um argumento capaz de invadir com tenacidade a ópera de nossas almas. O uso de epígrafes no topo de muitos dos escritos alimenta os poemas com um mel de significado que gera marcas de força, o que auxilia a melhor incorporação do poema por parte do leitor. O tempo é recriado e ele mesmo elabora um espaço sem temporalidade, haja vista que ele, o tempo, “sobrevive ao fogo, corre/nos quintais e nada espera”, como diz o poeta em Portuário. O gesto do olhar, enquanto um dos sentidos-mor do ser humano, também obtém destaque nos versos, posto que são eles os responsáveis maiores por resgatar “ardências reais” onde algo pode estar na condição básica do abstrato. “Pássaros estalam rezas” e o que se instala na configuração do todo poético de EM NOME DOS RAIOS é a sensação de se estar lendo um tempo que realmente existe ou existiu num contexto exato de perdição. O futuro é apenas um pano de fundo recoberto de mistérios, apesar dos questionamentos inerentes, ele não aparece na obra: “... amanhã é depois./e depois de amanhã não será futuro/nem presente. Apenas um brinde”. O poeta segue o risco que há num sorriso e enobrece a humanidade no homem, já que “pouco importa/o canto,/descobre-se/a lágrima”. Os raios cantados por João de Moraes Filho caem também sobre a figura de sua terra natal, como podemos ler nos versos do poema Procissão: “Paraguaçu adentro./Nos Portos ancorados/se resumem histórias/margeadas de Áfricas/em estado de aves/cantando nos jardins”. É como se ecoasse em nós uma oração pela natureza humana, regada sempre por arcanos insubstituíveis e fundamentais. Por fim, as mãos do poeta tecem com uma candura aberta em dúvidas um universo drástico e obscuro sobre a incerteza da serventia de toda palavra. Falando de si, pergunta em Pátria Amada como se fosse nós: “Nossa vida, nossos amores:/o que somos?/Um sorriso escancarado de alguma boca?” E então?