Em maior ou menor grau, toda gíria é – ou pretende ser – a
expressão máxima de um determinado grupo que se utiliza da linguagem verbal
para efetuar fenômenos comunicativos. Expressão máxima porque é ela que
assegura os limites de uma privacidade de compreensão em quesitos tidos como
passíveis de sigilo ou segredação tribal. É natural à gíria o seu poder de
guardar ou proteger um desejo por diferença. As expressões giriáticas, dentro
do contexto maior da linguagem, buscam a todo instante a sedimentação tanto de
uma marca lingüística pormenorizada – e ao mesmo tempo evoluída – quanto de um
sentido que, sendo ele lógico ou ilógico, possua o poder de dar significado a
algo ou a alguma ação humana, verbalizada ou verbalizável. Esta incessante
procura em definir o que é particular a uma tribo social, como num processo de
demarcação de uma dada territorialidade expressa através da palavra e suas
ramificações, ocorre em sua quase total generalidade na esfera do coloquial.
Por sua vez, a coloquialidade inerente à gíria traça para si mesma um perfil
estritamente popular. Debutante que é ao que se apresenta como sendo de ordem
cotidiana, e desprovida de uma armadura lingüística mais forte capaz de lhe oferecer
a necessária proteção ao desgaste natural que o fator tempo impõe a tudo e a
todos, a gíria tem entre suas maiores e mais visíveis características a
efemeridade. Por nascer e morrer assim, tão aligeiradamente, no falar do povo,
a gíria alcança o ápice de sua condição muito rapidamente. É quando o seu
sentido extrapola o seu domínio inicial, vaza pelas brenhas de sua própria
espacialidade, adentra outros universos, agride outros, prolifera-se na
multidão, e termina por perder muito de suas particularidades e possibilidades.
De todo modo, mesmo após sua morte, a gíria sobrevive – as mais contundentes,
diga-se de passagem -, tal qual uma alma penada, agora funcionando como um
registro de um tempo passante, passageiro, passado. Nelly Carvalho, professora da
UFPE, em artigo publicado em periódico pernambucano, diz que: “A efemeridade da
gíria toca nossa sensibilidade porque demonstra concretamente a passagem do
tempo, dos fatos, dos homens, enfim, põe em relevo a fugacidade e a vida”. Não
basta que usemos a expressão giriática a torto e a direito, é preciso conhecer
o seu funcionamento, a sua situação dentro do contexto linguístico, a sua
operacionalidade, a sua serventia. Deste modo, além de nos transformarmos em
seres atuantes e participativos dentro de nossa língua, propendemos a melhor
nos entendermos como seres em progressiva atualização, ao mesmo tempo
individuais e coletivos, descartáveis como uma gíria de verão, eternos como uma
gíria dicionarizada.
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