| Desde 2007 | Por Germano V. Xavier | Em memória de Milton de Oliveira Cardoso Júnior | + de 2.200 textos publicados |
sexta-feira, 27 de março de 2009
terça-feira, 24 de março de 2009
Ondas nada comuns
Por Germano Xavier
O uso da esfera pública com a finalidade de formação de uma consciência coletiva (localidade), a democratização da comunicação e a promoção ao engajamento da comunidade em prol da defesa e da manutenção de sua particularidade social, possibilitando a geração de movimentos sociais que encontram no pleno direito ao exercício da cidadania a sua meta primordial, formando também “agentes políticos” saudáveis… Talvez sejam essas as três características mais desrespeitadas no ambiente de uma rádio com a concessão para ser comunitária. Em síntese, a maior parte das características e funcionalidades objetivas ligadas a qualquer rádio comunitária é desrespeitada e/ou desviada a partir do momento em que seu pensamento básico atrela-se, direta ou indiretamente, à mídia. Tal fato explica, de uma forma mais contundente, a desvalorização do caráter original das emissoras de rádio comunitárias. Perde-se assim o foco da racionalidade, abrindo espaço para a introdução de uma metodologia discrepante da que a origina. A defesa e a preocupação com o que é de ordem social e de interesse geral (maioria) da comunidade/localidade é reprimida a tal ponto que o cidadão é obrigado a aceitar posicionamentos que não condizem com a sua realidade, tornando-o alienado e reduzindo-o ao papel de mero consumidor de bens simbólicos. Há uma espécie de prática de uma “violência” simbólica por parte dessas estações transgressoras, um nuvem negra que sobrevoa a atmosfera cognitiva e intelectualizante de milhares de pessoas. Outro ponto a se destacar é a instrumentalização do meio comunicativo, nessa caso o rádio, por meio de figuras políticas ou partidos/legendas, com o desejo de angariar conquistas eleitorais. Uma apropriação indevida de um espaço destinado a outros objetivos, mas que serve de combustível para a máquina da corrupção. E o pior de tudo é saber que esses atos são, indubitavelmente, facilitados por administrações também fraudulentas. Muitos mitos são forjados através dessa prática ilícita. Desse modo, a comunidade acaba perdendo a vez e a voz, o direito à cidadania, à moral e à liberdade de expressão. Essa atitude, quando não aparece clara e inteiramente perceptível aos ouvidos do cidadão, surge camuflada, jamais perdendo o seu caráter degenerante. Não obstante, há a prática do que se convencionou chamar de “coronelismo radiofônico”, entre tantos outras artimanhas que são utilizadas. Aqui o patrão (geralmente um candidato político) arma uma rádio comunitária, difunde suas propostas e, depois de se sagrar vitorioso – ou não – “entrega” a emissora à população, manipulando interesses e vontades que deturpam os anseios da massa.
Signo Linguístico e Saussure
Por Germano Xavier
Com base nos conceitos do lingüista suíço Ferdinand de Saussure, o signo lingüístico deve ser definido como uma unidade composta por duas faces diversas: uma face conceitual e uma imagem acústica, que corresponderiam, respectivamente, a significado e significante. O signo “tucano”, por exemplo, é a unidade que une uma face do som “tucano” a uma esfera de pensamento – como, por exemplo, ave silvestre. Ainda de acordo com Saussure, o conceito e a imagem acústica mantêm vínculos de ordem psíquica, já que necessitam de regras pré-modeladas mentalmente para se estabelecerem como signo.
Saussure revela duas características como sendo as principais do signo lingüístico: a arbitrariedade e a linearidade. Para o estudioso, a combinação entre significante e significado é feita de forma arbitrária, imotivada, determinada por convenções e hábitos sociais, fora do poder do indivíduo de criá-lo ou modificá-lo. Sendo assim, não haveria nenhuma ligação natural entre a idéia de “pé” (significado), por exemplo, e a seqüência de sons p-é-s (significante). Saussure destaca como exceção as onomatopéias, que, em sua concepção, remetem direta e objetivamente aos elementos da realidade que evocam.
Para Saussure, o significante, enquanto natureza auditiva, deve ser disposto numa só dimensão de ordem temporal. Tal propriedade, denominada por ele de linearidade, opõe-se aos significantes visuais, já que estes podem explorar mais de uma dimensão no espaço, podendo ser apreendidos simultaneamente e de diferentes maneiras. A partir dessa organização em cadeia, segundo a qual os significantes se sucedem uns após os outros, é possível a estruturação de um sistema lingüístico.
Sobre a literatura
Por Germano Xavier
O linguista Roland Barthes, estudioso renomado da área das ciências que envolvem e/ou sofrem influência da palavra, defende que a literatura fundamenta-se a partir da ideia/conceito da prática da escrita, deixando de lado a noção de que a literatura é apenas um arcabouço onde se encaixam enormes listamentos de obras ou, ainda, algo ligado à esfera do comércio-ensino. Tomando como ponto de partida a práxis, a ação de escrever, o autor supervaloriza o “texto”; para ele, o “texto” simboliza o “tecido dos significados que constitui a obra” (Barthes, 2001). Já o extrapolar de representações que um texto pode abarcar não faz a cabeça do pesquisador, que acredita que o elemento basal da literatura está, somente e só, no corpo da escritura, no que indifere ao ordenado de palavras em conjunção, e não nas possíveis compreensões extratextuais ou mensagens que um material literário possa transmitir. Barthes ainda desloca a literatura das demais disciplinas, dando a ela um caráter libertário e emancipatório frente aos mais variados ramos de estudo. Ao mesmo tempo que segrega, Barthes faz da literatura um baú, capaz de zelar por vários saberes. E eis aqui o caractere que torna a literatura um “monumento” quando posta ao lado das demais disciplinas. Para o autor, a literatura “é a realidade, isto é, o próprio fulgor do real”, o que a faz ser e estar sempre em excesso e vantagem diante das outras. O ingrediente a ser analisado, no caso a literatura, é o objeto ou o conjunto de instrumentos que desbastam o irreal, o que é baba ou imprestável. A literatura é o real, ou o seu fragmento, ou o seu motor, ou a “realidade” do que é real. Para Barthes, um lugarejo onde se vive do todo, para o todo e como o todo. Barthes aponta a força de representação como sendo a segunda força da literatura, dizendo que a literatura representa o real para a humanidade através de suas capacidades. Mas o real não pode ser representado, ou seja, a possibilidade que se tem é demonstrá-lo. Há uma constância em se dizer que o real é representado por palavras, através do intermédio da história da literatura. Têm-se várias idéias para uma definição do real, dentre elas afirmá-lo como algo impossível, que não há uma coincidência entre o real e a linguagem, pois estão em planos dimensionais diferentes. Sendo que, o primeiro é pluridimensional, e o segundo unidimensional. O conflito acaba sendo gerado porque é nesse ponto (a união: real + linguagem) que “a literatura não quer, nunca quer render-se” (Barthes, 2001). Os homens se recusam a aceitar tal conclusão; a consequência disso é justamente a produção contínua e ávida da literatura. Para o autor, a literatura caracteriza-se como sendo realista e irrealista. Realista na medida em que está sempre em busca do real, e irrealista porque acredita na lucidez do “desejo do impossível”. Esse último conceito chama-se “função utópica”. Aproveitar tudo, absolutamente tudo. Para o linguista, a transformação , a aprendizagem, o usofruto, a “decência” do escritor-leitor, ou vice-versa, pode ser encontrada no universo de “teima” do banquete da língua, e só. Então, talheres à mesa…
Pequenos olhares sobre alguns poemas
Por Germano Xavier
Poema 1
RETIRA-SE DESDENHOSA DO POETA PARA HUM SOLDADO DE CUPIDO A TEMPO, QUE ELLE FAZIA O MESMO COM ANNICA.
Quita, como vos achais
com esta troca tão rica?
eu vos troco por Anica,
vós por Nico me deixais:
vos de mim não vos queixais,
eu, Quita, de vós me queixo,
e pondo a cousa em seu eixo,
a mim com razão me tem,
pois me deixais por ninguém,
e eu por Anica vos deixo.
Vós por um Dom Patarata
trocais um Doutor em Leis,
e eu troco, como sabeis,
uma por outra Mulata:
vós fostes comigo ingrata
com a grosseira ingratidão,
eu não fui ingrato não,
e quem troca odre por odre.
um deles há de ser podre,
e eu sou na troca odre são.
Eu com Anica querida
me remexo como posso,
vós co Patarata vosso
estareis bem remexida:
nesta desigual partida
leve o diabo o enganado,
porque eu acho no trocado,
que me vim a melhorar
mais na Moça por soldar,
que vós no Moço soldado.
Se bem vos não vai na troca
pela antiga benquerença,
eu sou de tão boa avença,
que farei logo a destroca:
porém se Amor vos provoca
a dar-me outros novos zelos,
hemos de lançar os pêlos
ao ar por seguridade,
e eu sei, que a vossa amizade
há de custar-me os cabelos.
Poema 2
EPITAFIO À MESMA BELLEZA SEPULTADA.
Vemos a luz (ó caminhante espera)
De todas, quantas brilham, mais pomposa,
Vemos a mais florida Primavera,
Vemos a madrugada mais formosa:
Vemos a gala da luzente esfera,
Vemos a flor das flores mais lustrosa
Em terra, em pó, em cinza reduzida:
Quem te teme, ou te estima, ó morte, olvida.
Para começo de conversa, é preciso salientar que o poeta Gregório de Matos tinha absurda e considerável ciência acerca do que produzia. É preciso uma boa dose de vivência para que um determinado escrito consiga elevar-se como obra e conquistar outras dimensões de significação e representatividade. Ele, o “Boca de brasa”, é um retrato fiel da idéia de que a vida imita a arte, e também o inverso. Gregório viveu, comeu e bebeu do seu tempo. Para Alfredo Bosi, o bardo “é mais do que uma figura e um autor porque retrata, sob muitos aspectos, e tipifica, em quase toda a sua obra, o meio e o tempo”. E quando voltamos o nosso olhar à retratação da figura feminil em sua obra, cuja autoria é ainda bastante polemizada, nada acontece de modo discrepante. Analisando os poemas supracitados, percebe-se claramente um posicionamento ideológico baseado em extremismos. De um lado, fica fácil identificar uma visão essencialmente preconceituosa perante a mulher negra. Diante da questão, Gregório não titubeia, e escreve com a inicial maiúscula o termo “Mulata”. O destinamento e a evidência de um racismo é por demais escancarado. O poema tem como enredo, se assim pode-se aferir, um troca-troca envolvendo duas mulheres e dois homens. As mulheres, aqui, são negras e vêem-se traduzidas à míseras mercadorias ou produtos de negociação. O poema primeiro se desenvolve, do início ao fim, numa atmosfera densa, marcada por uma tensão que envolve os paradigmas do “ter”, do “poder” e, mormente, da efemeridade das relações humanas. Comparado ao segundo poema, este totalmente encaminhado sobre um território ameno, livre de aturdimentos e tensões, fluido e mais contemplativo, uma vez que o seu destinatário é uma mulher de pele alva, portanto digna dos mais altos congraçamentos. O primeiro poema expõe uma linguagem mais coloquial, chegando a beirar a vulgaridade, aproximando-se de um erotismo encadeado por expressões e jogos de palavras por demais singulares. Para corroborar da idéia de aproximação do que é popular através do uso de uma linguagem diferenciada, Alfredo Bosi vai ainda dizer que “não menos interessante é o estudo da contribuição de Gregório de Matos para a aproximação entre a linguagem literária e a linguagem popular, pela maneira como introduziu em suas composições não só palavras até então proibidas ou vedadas ou mal aceitas como expressões de uso comum”. No segundo poema, dedicado a Dona Ângela, a comparação elogiosa concebe à personagem um caráter de gigantismo e inesgotável estima. Dona Ângela, mesmo morta, é possuidora de uma beleza quase inefável, indiscutível. Aqui, a dualidade temática Vida X Morte faz-se demasiado presente. Eis, pois, poemas comprimidos em antagonismos, dum poeta-marco do Barroco, que pouco soube fingir a arte do fingimento das relações humanas, das coisas e do mundo.
Agora leia os seguintes poemas, de Gregório de Matos e Cláudio Manuel da Costa, respectivamente:
O todo sem a parte não é todo,
A parte sem o todo não é parte,
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga, que é parte, sendo todo.
Em todo o Sacramento está Deus todo,
E todo assiste inteiro em qualquer parte,
E feito em partes todo em toda a parte,
Em qualquer parte sempre fica o todo.
O braço de Jesus não seja parte,
Pois que feito Jesus em partes todo,
Assiste cada parte em sua parte.
Não se sabendo parte deste todo,
Um braço, que lhe acharam, sendo parte,
Nos disse as partes todas deste todo
VI
Brandas ribeiras, quanto estou contente
De ver nos outra vez, se isto é verdade!
Quanto me alegra ouvir a suavidade,
Com que Fílis entoa a voz cadente!
Os rebanhos, o gado, o campo, a gente,
Tudo me está causando novidade:
Oh como é certo, que a cruel saudade
Faz tudo, do que foi, mui diferente!
Recebei (eu vos peco) um desgraçado,
Que andou té agora por incerto giro
Correndo sempre atrás do seu cuidado:
Este pranto, estes ais, com que respiro,
Podendo comover o vosso agrado,
Façam digno de vós o meu suspiro.
Fazendo um quadro comparativo entre os dois poemas:
Poema de Gregório de Matos
• Cultismo – o jogo intencional com palavras;
• Tentativa de reafirmação de um teocentrismo titubeante;
• O “chocar” em cada verso;
• Ambiente tenso, conflituoso;
• Construção imagética superestimada;
Poema de Cláudio Manoel da Costa
• A natureza como elemento primordial;
• Presença de elemento mitológico (fílis), com retorno aos ideais greco-romanos;
• Linguagem simples, sem rebuscamentos gratuitos;
• Relação de intimidade com a natureza, vista como fonte para a razão;
No poema árcade, o homem consegue, após consideráveis embates, encontrar-se. E é a natureza, o ambiente bucólico, o fator que ilumina o ser. Nela, sendo-a e estando inteiramente entregue a ela, o homem encontrar a necessária paz e a vida harmoniosa, pautada numa lida ponderada, racional, e sem aflições. Já no poema barroco, o humano confunde-se com a própria parte e o próprio todo conflituoso. O linguajar, o modo como a palavra e a imagem é confeccionada transforma-se em mais um entrave para a compreensão, impedindo o suave transcorrer da leitura por parte do leitor.
Notas sobre a leitura no mundo
Por Germano Xavier
A expansão avassaladora do Império Romano foi, entre outros fatores, um dos principais motivos para o desenvolvimento de uma cultura de leitura entre os indivíduos do mundo antigo e, posteriormente, em todas as épocas históricas vindouras. O Latim, língua que abarcou e agregou todas as “ferramentas” comunicativas e toda a produção de conhecimento da época, também representou uma forte arma para o progresso da prática da leitura naquela época. Todos queriam “beber” dessa fonte, pois era a partir dela que os indivíduos poderiam figurar em melhores condições sociais dentro do próprio contexto social em que viviam. Foi, também, com o advento da Reforma Protestante, formulada e praticada por nomes como Lutero e Calvino, que textos, antes considerados sagrados e extremamente sigilosos, vieram à tona, fato que acabou incentivando muitos leitores a desempenharem suas respectivas funções. Após este momento, a discussão sobre os relatos e passagens bíblicas começou a fazer parte do cotidiano das pessoas. Outro fato que ajudou a proliferação do hábito da leitura foi justamente a invenção da imprensa, em meados do século XV, pelo alemão Gutemberg, um dos maiores responsáveis pela popularização do objeto livro no mundo e, também, quem ajudou a lançar as premissas básicas e materiais para uma moderna e dinâmica economia baseada no conhecimento, assim como na disseminação da aprendizagem de proporção de massa. No Brasil, um pouco antes da promulgação do regime republicano, grande parte da população, principalmente a dos grandes centros urbanos, já tinham o conhecimento de publicações oficiais, como as vindas da Imprensa Régia e também por conta dos pasquins, folhetos de cunho revolucionário e crítico que circulavam livremente e/ou clandestinamente por diversos setores da sociedade. Pouco depois, a implantação de um sistema de ensino regular tornou-se no maior objeto para favorecimento da leitura em nosso país, fato bastante discutível nos dias de hoje. A partir de sua fundamentação, a escola passou a exercer função básica na construção de um país de leitores, o que, de fato, ainda é muito precário e de proporções diminutas se comparado a países do primeiro mundo. Claro, tudo isso antes da popularização da rede internacional de computadores: a internet. Daí para frente, é uma outra história.
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