| Desde 2007 | Por Germano V. Xavier | Em memória de Milton de Oliveira Cardoso Júnior | + de 2.200 textos publicados |
terça-feira, 17 de agosto de 2010
O segredo de Kant e Sofia relendo a carta
Ritmo de toda hora, cor de toda forma, avesso de quem vai embora, lágrima de quem não chora, céu de cada um, música de um acorde só, origem do espinho, nuance do neologismo, volta incompleta de um círculo, movimento turvo no escuro, grito de voz rouca, parada militar na TV, peça de mostruário, intervalo para cigarros, sinal para pedestres, ave que voa sem bando, Beauvoir sem tentação, crítica qualquer sem lança chamas, medo de altura, tremor de terra distante, tremor de carnes sobre camas, visão gigantesca do abismo, queda livre em busca do equilíbrio, vozes do ventilador, ranger de porta engraçada, risada de deboche antes da piada, recôncavo sem entonação, imitação de canto avulso, marcha de cupins, filme europeu sem final feliz, peça encenada em dois atos, gente decorando sua fala, roubo de órgãos, auto-piedade, intoxicação boca a boca, revestimento da pele, hipotermia, insolação, cultos de preservação, melodias, sorrisos de criança, trajeto curto no espaço, segredo sem mistério, moça fazendo magistério, coagulação dos hemisférios, niilismo da nova estação, encontro sozinho, mãos sem abrigo, noite sem vinho, semente fora do ninho, pacificador, antropofagia de amor, levitação, vociferação, verbos e arquétipos, Anaïs Nin, Denser sem jardim, filosofia de boteco, casa sem teto, teto sem gente, linha sem trem, telefone fora do gancho, roupas na tinturaria, lavanderia, palavrão de cada dia, boca suja, velha tia, aposto, bom vício, sobriedade de virgem, linguagem médica, linguagem poética, metalinguagem de uma nova era, era tempo, era vez, era sol outra vez. Era começo de mundo, começo de tudo, poeta se irritou, apagou texto e deixou tudo nas mãos do leitor.
* A escritora Letícia Palmeira disse que escreveu este texto pensando em mim, após uma conversa virtual demasiado aconchegante, numa noite de encontro. Vindo da dona da Livraria Cósmica, a palavra se transforma em átomo primordial, passível de explosões... Muito obrigado, Letícia! Desse modo, a gente costura a teia da vida eterna e brinca de ser humano...
sexta-feira, 6 de agosto de 2010
Desbunde
Por Germano Xavier
Eu ficaria bem se tivesse permanecido ali, mesmo imótuo ou com aquele ar de criança chorando por querer tomar um pouco de sereno na noite que desce, sim, eu ficaria muitíssimo bem. Principalmente se jamais me passasse pela cabeça que o momento do agora não fosse coisa tão real assim. Pôr fim a um amor é encontrar um deserto, pedir ao pai do mundo, o criador do céu e da terra, um instante de silêncio para que toda a intensidade do abalo sísmico humano seja capaz de ser absorvido e interrogado se. É quase ter de pensar que com muito menos pesar ou dor poder-se-ia pensar em outra coisa qualquer, arrojada numa esfera destituída de lamentos, discórdias e decepções. Eu penso em como é inútil o pensar nestas horas! Parece mais a forma do abisso se formando por detrás das nossas retinas, a cor do inferno empapando as bolsas embaixo de nossos olhos, a febre doentia do molestado arruinando o corpo da alma e a alma do corpo, a corrente presa à pata traseira de um corcel indomável, este mal que me toma, este mal que me traga, este mal que não me soma... como é desnecessário o fim tendo começado esta toda história, agora estória, como é imprestável o pensamento feito de amargor! A quem cabe a engenharia das desamarrações? A quem se presta a patente das forçadas indiferenças? E pensar que deste modo estarei desistindo de tudo, principalmente do que fiz e que simplesmente ficou, por um motivo ou outro, descomposto e com o alicerce frágil, pois sonho era, e apenas, e ainda... e quando é a pergunta que fica, capitânia, capital, cercando o horizonte do porvir talvez. Grosso modo, quando um amor termina, os astros no firmamento afirmam, desbrilhados, que é hora de apagar as luzes e pôr as estrelinhas para dormir. E quando é a pergunta que torna sempre, que corteja o tempo infiel, que desabilita a juventude das certezas mais certas. Eu gostaria de ter ficado até o fim e no fim ter de contar uma outra história, ou ter conseguido beirar o sonho e realizar ao menos os desejos ou as vontades, estes édens. Mas se é para pôr fim, então que seja simples, porque é no simples que o amor persevera. Dou-te adeus, ex-amor.
"Recebi esta MISSÃO do blog da Pâmela Rodrigues, que consiste em criar uma carta terminando um relacionamento com alguém. Essa idéia surgiu a partir da exposição Cuide de Você, da francesa Sophie Calle. Ela convidou 104 mulheres para interpretarem um email de seu ex-namorado que gostaria de romper o relacionamento de ambos. Espero ter me saído bem, literalmente. (Escrito em 2009)"
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