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Por Germano Xavier
em homenagem ao meu pai Carlos Adailton Xavier
Meu pai sempre foi um homem forte, apesar de possuir uma sensibilidade muito aflorada dentro de si – e quase nunca tornada em coisa pública, já vou esclarecendo. Forte no sentido de saber a hora exata de usar as palavras e ações as mais cabíveis e necessárias. Nas situações mais difíceis do dia-a-dia, lá estava ele e sua lucidez interminável, poder especial que o ajudava - e ainda é do mesmo jeito hoje - a superar todas as intempéries e problemas com uma considerável facilidade.
Um forte antes de qualquer coisa, como diria o Euclides da Cunha, o sertanejo de São Bento do Una, nascido Carlos Adailton Xavier no interior de Pernambuco e que escolheu o território baiano da Chapada Diamantina como lugar de pouso quando já entrado na adultice. Eu, filho caçula, puxado à sensibilidade do pai e com uma capacidade de se espantar e de se encantar com uma facilidade extremada, admirava-o todos os dias, todas as horas - e ainda é do mesmo jeito hoje, só reforçando.
Meu pai sempre carregará o símbolo do heroísmo quando de fronte aos meus olhos se encontrar. É um sentimento inalterável dentro de mim, que ainda hoje sinto e nutro com enorme prazer. Porém, minhas memórias, insistentemente fracas e falhas, teimam em não se esquecer das duas únicas vezes em que vi aquele sertanejo herói sucumbir em lágrimas, causando desconfortos incontestes e de dimensões opostas quando chegadas ao filho atônito e inerte que porventura era eu.
De chorar por pouca coisa, meu pai nunca foi. Imagine, então, o espanto que me acometeu, menino de pouco mais de uma infante adolescência ardida em urgências, quando depois de um rápido banho, terminando de cruzar o corredor principal da casa, vislumbrei aos prantos soluçantes o meu pai, em pose cabisbaixa nunca antes observada em tais paragens do lar, ali no sofá preto lustroso, olhos pequenos e espremidos por tamanha tristeza, por sua irmã Estelita que acabava de iniciar a travessia eterna.
Eu sem saber se minha aproximação seria algo aconchegante, fiquei de longe segurando secretas lágrimas que naquele instante brotavam nas arestas de meus olhos. Tonto, cambaleei até a cozinha, quando minha mãe logo se encarregou de imprimir a notícia por completo em minhas significâncias ainda sem grande tenacidade nem maturação. Naquele dia, soube de maneira abrupta que meu pai não era um deus, mas um homem. Um homem que também chorava.
O tempo passou e lá estava eu, após longos anos transcorridos, já crescido, formado e com um destino incerto diante das vistas, a me direcionar até a misteriosa cidade de Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia. Aventureiro das causas incompletas ou desimportantes, abracei o vento dos dias sem formação e na despedida, à beira da porta que dava para a sala de embarque do aeroporto da capital de São Salvador, atraquei-me ao meu pai, que vertia lágrimas copiosas sobre meus ombros. Desta vez, não consegui segurar as cristalinas águas até então estocadas em minha represa interior.
Era o filho mais novo vivendo um filme que o pai no passado já houvera registrado na carne e no espírito. A bem da verdade é que foram duas as únicas vezes em que vi o meu pai chorar. A última, não foi por um motivo triste, apesar do desfecho da história não ter sido dos mais comoventes. Além das imagens duais que ficaram gravadas em minhas retinas até o presente momento, guardei o gosto dos dois momentos e hoje, quando paro para escrever esta pequena crônica, fabrico em meu imaginário o terceiro choro do meu pai, que porventura poderá estar a ler o texto do filho, agora um choro de beleza, acolhedor. Um choro de sublime e pura contemplação.
* Imagem: Meu pai e eu, às margens do Rio São Francisco, em Petrolina-PE (2007).
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