sábado, 19 de novembro de 2022

Os amarelos olhos mortos de Bruno Liberal



Por Germano Xavier


Autran Dourado, prestigiado escritor brasileiro nascido em Minas Gerais, dizia que “a única coisa que um autor tem de verdadeiramente próprio é o corpo” e que “em cada autor há uma série de pequenos autores”. Se pensarmos que o “corpo” ao qual o autor supracitado se refere nada mais é que o texto, o “seu” texto, isso ganha de chofre um tom de necessidade e, por conseguinte, de requisito básico para a atividade literária dita de excelência. Encontrar a tal da “pulsação narrativa”, a citar aqui o conceito tão difundido pelo grande pernambucano Raimundo Carrero, autor de romances  muito respeitados pela crítica literária nacional, é deveras um desafio enorme para quaisquer escritores. Na maioria das vezes, demora-se uma eternidade para encontrá-la e, quando encontrada, mostra-se fugidia e arisca ao menor dos ventos.

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Um homem velho que não aguenta mais a vida, um outro homem que mata a enfermeira e tudo parece permanecer normal, uma mulher solitária que afoga suas mágoas em uma piscina, o sonho interpretado por quem sonha o sonho, o desamparo de personagens várias... tudo isso há no livro de contos OLHO MORTO AMARELO, de Bruno Liberal, goiano radicado em Petrolina-PE, onde morei durante 5 anos. A obra, vencedora do I Prêmio Pernambuco de Literatura, realizado no ano de 2013, facilmente pode não entrar para a lista dos melhores compêndios de contos dos últimos tempos, porém revela o encontro do autor com o domínio de seu próprio texto, de sua própria verve ou veia literata. As estórias pulsam sobre uma ponte de brandas sensações e a narrativa, ao fim da leitura, ergue-se envolta em uma nuvem de mistérios e suspeições, o que para um conto é quase sempre um ponto positivo.

Tal ligação é feita com singular destreza que todas as pequenas narrativas presentes no texto se entendem com o leitor prontamente, pontualmente. Há um estilo, uma forma de amar as palavras e os olhos de quem lê não se perdem no vazio das páginas. Liberal conhece a intimidade de cada cena e comanda com talento as personagens. Vozes se entrecruzam, verbos agem com sutileza, as frases se harmonizam. Um problema é então criado, sempre ao término dos contos. Um problema ousado, disfarçado de sobriedade na escrita, que se alarga silenciosamente pelos campos da representação. Pequenos dramas são indefinidos, para o bem geral dos leitores. Como se Liberal tocasse um sax contemporâneo de som instantâneo e tão oculto, mas tão oculto, que somente com ouvidos bem treinados poder-se-ia evitar o inevitável das significações.





* Imagens: https://pixabay.com/pt/olho-parede-horror-arrepiante-3383682/
http://editora.cepe.com.br/livro/olho-morto-amarelo

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