Por Germano Xavier
Autran Dourado, prestigiado escritor brasileiro nascido em Minas Gerais, dizia que “a única coisa que um autor tem de verdadeiramente próprio é o corpo” e que “em cada autor há uma série de pequenos autores”. Se pensarmos que o “corpo” ao qual o autor supracitado se refere nada mais é que o texto, o “seu” texto, isso ganha de chofre um tom de necessidade e, por conseguinte, de requisito básico para a atividade literária dita de excelência. Encontrar a tal da “pulsação narrativa”, a citar aqui o conceito tão difundido pelo grande pernambucano Raimundo Carrero, autor de romances muito respeitados pela crítica literária nacional, é deveras um desafio enorme para quaisquer escritores. Na maioria das vezes, demora-se uma eternidade para encontrá-la e, quando encontrada, mostra-se fugidia e arisca ao menor dos ventos.
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Um homem velho que não aguenta mais a vida, um outro homem que mata a enfermeira e tudo parece permanecer normal, uma mulher solitária que afoga suas mágoas em uma piscina, o sonho interpretado por quem sonha o sonho, o desamparo de personagens várias... tudo isso há no livro de contos OLHO MORTO AMARELO, de Bruno Liberal, goiano radicado em Petrolina-PE, onde morei durante 5 anos. A obra, vencedora do I Prêmio Pernambuco de Literatura, realizado no ano de 2013, facilmente pode não entrar para a lista dos melhores compêndios de contos dos últimos tempos, porém revela o encontro do autor com o domínio de seu próprio texto, de sua própria verve ou veia literata. As estórias pulsam sobre uma ponte de brandas sensações e a narrativa, ao fim da leitura, ergue-se envolta em uma nuvem de mistérios e suspeições, o que para um conto é quase sempre um ponto positivo.
Tal ligação é feita com singular destreza que todas as pequenas narrativas presentes no texto se entendem com o leitor prontamente, pontualmente. Há um estilo, uma forma de amar as palavras e os olhos de quem lê não se perdem no vazio das páginas. Liberal conhece a intimidade de cada cena e comanda com talento as personagens. Vozes se entrecruzam, verbos agem com sutileza, as frases se harmonizam. Um problema é então criado, sempre ao término dos contos. Um problema ousado, disfarçado de sobriedade na escrita, que se alarga silenciosamente pelos campos da representação. Pequenos dramas são indefinidos, para o bem geral dos leitores. Como se Liberal tocasse um sax contemporâneo de som instantâneo e tão oculto, mas tão oculto, que somente com ouvidos bem treinados poder-se-ia evitar o inevitável das significações.
* Imagens: https://pixabay.com/pt/olho-parede-horror-arrepiante-3383682/
http://editora.cepe.com.br/livro/olho-morto-amarelo
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