Por Germano Xavier
MARTINS, Geovani. O sol na cabeça. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
Visitei o Rio de Janeiro por duas vezes até hoje. Da última vez, o motivo maior foi o de prestigiar um show de Maria Bethânia no espaço Vivo Rio, evento por pouco cancelado devido a uma chuva torrencial que caiu sobre a cidade durante aqueles dias. A primeira vez foi no ano de 2012. Sozinho atravessei em voo os céus brasileiros e, através de um convite de uma amiga, daquelas da gente guardar para sempre no coração, pude conhecer de perto a Cidade Maravilhosa, segunda capital do país e berço de muita cultura desses nossos rincões tupiniquins.
Nesta oportunidade, tive o prazer de conhecer a cidade histórica de Paraty em dias de FLIP - Feira Literária Internacional de Paraty, cujo homenageado do ano era nada mais nada menos que Carlos Drummond de Andrade, um de meus escritores diletos. Em Paraty, fiquei hospedado numa pousada bastante aconchegante na Ilha do Araújo, rodeado de muito verde e azul. Já na metrópole carioca, lembro que fiquei hospedado no Sesc Copacabana, ali pelas imediações da Rua Domingos Ferreira, a alguns passos de distância das praias mais famosas do lugar.
Entre um ou outro passeio, em deslocamentos bastante saudosos, via, ao atravessar a pé os entroncamentos e as esquinas daquelas ruas, o horizonte próximo ser pintado em cores vivas de comunidades/favelas por todos os lados, numa dissonância bastante peculiar e já traço definido da terra que hospeda a sede do meu time do coração, o Clube de Regatas do Flamengo. Andando pelo centro ou caminhando em direção à barca que nos levaria à Niterói, também deu para ver, ainda com mais clareza, o tamanho real de tantos contrastes sociais, estampados fielmente nos semblantes das pessoas e na toda-matéria visual que meus olhos absorviam.
Conto tudo isto para dizer que o Rio de Janeiro das favelas não é o Rio periférico, não. É o Rio orbital. O Rio solar, mesmo. O Rio-Astro-Rei. O Rio que impera sobre os outros Rios. Esta foi a minha primeira constatação, quando num pensativo instante me prostrei diante da estátua de Drummond ali pelo Posto 6 da orla de Copacabana. Todo um sistema planetário, onde pessoas transitam em massa, com suas sedes e suas fomes universais é o Rio de Janeiro. Um mundo contado com bastante simplicidade e honestidade através das letras do jovem escritor Geovani Martins, que sambou suas palavras às vistas do leitor num misto de oralidades com pandeiros mambembes acompanhados de retratos gravemente sérios de um sistema de sociedade de escanteamentos e opressões/repressões.
Para o autor supracitado e motivo destas minhas impressões, o Rio é o próprio centro das atenções, das ações e das reações. O Rio do sol que aquece a cabeça das centenas e das milhares de pessoas dali, e que nos projeta para além via holofotes globais. Uma literatura onde não há o que supor, o que imaginar, o que solicitar. Só sentir, o clima, a barra que é viver. Só viver, viver-com, a Vida, mesmo sabendo que tudo é ainda em maior intensidade do que o narrado. Nas pouco mais de 100 páginas de seu livro inaugural estão os cariocas, as favelas, as drogas, as relações sociais, a realidade, a violência, o presente e o futuro repleto de passados. Pecado de um escritor em início de carreira esta falta de potência narrativa? Não vem ao caso tal discussão. O livro teve uma campanha de marketing exagerado? Melhor deixar isso para outro momento. Leia O SOL NA CABEÇA, de Geovani Martins, e se sinta na pele de um carioca da gema, armado até a tampa de um olhar nada trivial.
* Imagem: https://racismoambiental.net.br/2018/07/10/a-inspiracao-por-tras-do-livro-aclamado-de-geovani-martins/
2 comentários:
‘Pecado de escritor em início de carreira está na falta de potência? Não vem ao caso tal discussão. O livro teve uma campanha de marketing exagerado?...’
Essa também foi uma das minhas sensações, ao ler... Umas das pergunta que me ocorreu: o que faz editoras internacionais de peso 'implorarem' pelos direitos de edição de tal obra?
Reforcei a sensação ao assistir ao trecho da entrevista exibida no Globonews Literatura, na qual ele comenta que, diferente do companheiro Jessé Andarilho, não consegue mais escrever, no momento, devido aos inúmeros compromissos de promoção do livro... Vale destacar que Jessé, também iniciante e com sucessos emplacados, se disse não muito simpatizante das aulas de redação e de literatura, na época escolar, e só escreve usando as teclas de seu velho aparelho blackbarry).
Continuam valendo as suas perguntas, Capitan...
Continua intrigante o mundo editorial brasileiro, e também o mundial. Uma mecânica doentia, que por vezes sufoca o autor em detrimento dos interesses do mercado. Decerto que, num mundo infestado por youtubers & afins, que escrevem livros a rodo e nada dizem, o livro do Geovani Martins se sobrepõe ao ser mais uma voz a dizer do real, mesmo sendo um tema já tão exageradamente mastigado pela cinematografia nacional e, também, pela literatura daqui. Esperar dele um grande nome da literatura contemporânea, aí é outra questão.
Obrigado pela leitura, Condessa.
Sigamos.
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