segunda-feira, 16 de julho de 2018

A Grande Torre, de Nivaldo Tenório: sobre o nascimento de um escritor



Por Germano Xavier



Há livros que são grandes desastres literários, como o meu CLUBE DE CARTEADO, publicado em 2006 e primeira tentativa no meio das letras – é assim mesmo que o vejo, sem nenhuma espécie de compaixão. Outros, apesar de renegados por seus respectivos autores, principalmente em sendo os primogênitos, não podem ser taxados como catástrofes em excelência. É o caso de A GRANDE TORRE, livro inaugural de contos do garanhuense Nivaldo Tenório, autor dos recentes NINGUÉM DETÉM A NOITE e DIAS DE FEBRE NA CABEÇA.

Em entrevista ao jornalista Thiago Corrêa para a Revista Vacatussa, em 2014, o autor revela que tentou “justificar a falta de unidade do livro, recorrendo à torre de babel, como metáfora de confusão, e talvez um conto ou dois, de resto não gosto do livro, e quando digo que andei roubando exemplares das bibliotecas, para queimar, juro que não estou fazendo tipo. A grande torre precisaria amadurecer mais.” Na mesma entrevista, o autor ainda explica que sente que a publicação do livro foi precipitada, mas conscientemente conclui que “aquele escritor não mudou muito desde 2002. Quando falo que já era o mesmo escritor, refiro-me a ideia que fazia e faço da literatura. Naquele tempo eu já era o leitor de Borges, lendo e me surpreendendo com as semelhanças que o argentino tem com o nosso Machado de Assis. Eu já era o escritor que condenava o diletantismo, eu já me cobrava uma atitude mais profissional e sabia que para fazer literatura de verdade o caminho não era outro senão aquele apontado por Ernesto Sábato, de que é preciso ter uma obsessão fanática pela criação ou nada de importante será feito.”

Decerto que A GRANDE TORRE pode ter seus defeitos e suas inconstâncias por demais demarcadas em suas 160 páginas, além de uma visível escassez de unidade temática, mas como o próprio autor percebeu desde antanho, já é um livro capaz de denunciar a presença de um escritor de pulso, vivaz e sabedor de seus percursos. Uma hora beirando as margens do trivial, passando pelas veias do cotidiano, a obra outras vezes envereda pelo universo bíblico, mormente do Antigo Testamento, e burila o inferno no céu celestial das significâncias. Para um primeiro compêndio de contos, repito, não era logo a foice em suicídio ou em autoflagelo. Era, diria eu, a certeza de que muito mais haveria de vir.

E veio.


* Imagem: https://pt.wikipedia.org/wiki/A_Torre_de_Babel_(Bruegel)

12 anos de O Equador das Coisas



Por Germano Xavier


Este mês, mais precisamente no último dia 09 de julho, completei 12 anos no comando do blog O EQUADOR DAS COISAS, este-meu-nosso espaço lítero-cibernético que ajuda a contar um pouco da paixão que tenho pela literatura e pela arte em geral, além de revelar muito do que sou-sendo. Ao todo, já são mais de 635 mil acessos (IPs diferentes) oriundos de mais de 100 países diferentes. Aproximadamente 2.000 textos compõem o acervo e o número de visualizações diárias chega a superar a marca de 250 por dia. Por meio deste espaço, feito de leituras e também de leitores, conquistei laços fortíssimos de amizade que carrego até hoje. Depois de uma temporada sabática, resolvi seguir com o projeto a todo vapor. Estamos vivos e isso é tudo, bucaneiros. Sigamos, por um mundo com mais palavras! E um viva a'O EQUADOR DAS COISAS!


Um pouco de história...

Tudo começou durante uma aula da disciplina Programas e Ferramentas II no curso de Comunicação Social/Jornalismo em Multimeios da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) que eu até então fazia. A professora Jussara Moreira, depois de explanar um pouco do seu conhecimento acerca da linguagem HTML para produção de sites pessoais e outros projetos de cunho cibernético, levou-nos a conhecer uma ferramenta que, para mim, ainda era uma incógnita: o Blog (ou blogue, como preferir). Lembro que ela havia indicado alguns sites onde poderíamos escolher a plataforma que mais agradasse nosso gosto e, ainda sem nenhum conhecimento de causa, entrei na ferramenta que o portal UOL disponibilizava àquela época. De pronto, achei tudo muito simples e funcional. Uma espécie de caderno virtual, de diário, de pasta, um portfólio, "mas que coisa boa!", pensei. E assim se deu o meu primeiro contato expressivo com esta ferramenta informática – hoje já considerada até obsoleta. Houve a luz, diria o outro. E sem muito pestanejar, fui logo criando o meu próprio espaço na blogosfera. PAROLAS DE UM SUJEITO QUEDO foi o título que dei ao meu primeiro ímpeto blogueiro e foi parido em 09 de julho de 2007. Lá, e aos poucos, fui colocando alguns velhos textos que eu já tinha e também escrevendo coisas novas. Como nestes idos ainda não possuía computador em casa, reservava alguns momentos quando me encontrava no laboratório de informática da faculdade para postá-los. No PAROLAS DE UM SUJEITO QUEDO, a série de textos do “Sonhador Gervixa” foi, talvez, o maior destaque. Com cerca de 20 capítulos publicados, foi através deste personagem, um sujeito que se dizia não ser deste planeta devido a sua extravagante repulsa por todas as más ações humanas, que os primeiros leitores – geralmente meus próprios colegas de Jornalismo e outros poucos amigos - foram se acercando de minha produção textual, conquistando assim paulatinamente o que posso chamar de credibilidade e por que não dizer fidelidade no meio. Depois de algum tempo, burilando na internet, achei de investigar a plataforma BLOGGER, ofertada pela cadeia Google de ferramentas. Percebi que nesta havia mais instrumentos de editoração e diagramação, além de que as interfaces eram muito mais convidativas que as do UOL. Destarte, abandonei o PAROLAS DE UM SUJEITO QUEDO e criei em 12 de novembro de 2007 meu segundo blog, agora intitulado A AUTO-ESTRADA DO SUL, por influência direta da leitura do livro de contos "Todos os fogos, o fogo", do escritor belga-argentino Julio Cortázar, que andava a realizar naqueles dias. Transferi, ao passar dos dias, todos os textos que havia publicado no PAROLAS DE UM SUJEITO QUEDO para o novíssimo e empolgante – pelo menos para mim - A AUTO-ESTRADA DO SUL e, de modo bastante paciente, fui colocando mais um montante de produções textuais de minha autoria, sempre com a preocupação de devidamente analisar se os mesmos se alocavam bem aos propósitos do blog. Com minha entrada no universo “BLOGSPOT”, percebi que o mergulho constante no blog - um saudável vício, penso - estava despontando em mim como um local de construção de saber e de possibilidades de diálogo acerca das incontáveis formas de conhecimento nunca antes imaginadas, cuja responsabilidade para com o que ali estaria exposto aumentava em progressão geométrica, o que muito me agradava. Alguns meses transcorridos, optei por mudar apenas a titulação do blog, que agora passaria a receber o nome do meu primeiro livro de poemas, publicado no ano de 2006 pela Editora Franciscana, com sede na cidade pernambucana de Petrolina. Era o nascimento do blog CLUBE DE CARTEADO, nomenclatura que permaneceu até bem pouco tempo, mas que por problemas de ordem estrutural tive de deixá-lo para trás. O CLUBE DE CARTEADO foi quem guardou a maior parte dos textos que eu havia escrito ao longo dos anos, desde poemas e contos, passando por crônicas e resenhas de todos os tipos, até projetos de pesquisa mais apurados e artigos científicos, sendo também, tenho quase certeza, o primeiro blog literário a ter (ou a querer ter) a figura de um ombudsman – experiência que infelizmente não vingou. No total, foram exatos 821 textos/postagens publicados em seu espaço, registrando no período de pouco mais de um ano cerca de 100 mil visitas reais e algumas centenas de comentários e participações várias. Depois de visualizado o problema em sua configuração, a construção de um blog totalmente novo foi a alternativa mais viável para dar seguimento a minha relação com esta significante parcela do mundo virtual. Foi aí que O EQUADOR DAS COISAS veio à superfície do ciberespaço. Com ajuda de pessoas mais entendidas neste universo da informática, selecionei um template que trouxesse um pouco da carga dramática que o título requeria, e logo foi feito a transferência de todos os textos que estavam no CLUBE DE CARTEADO para o arquivo do novo blog. O primeiro texto originalmente escrito para O EQUADOR DAS COISAS data de 23 de julho de 2009. Daí por diante, outros inúmeros textos foram publicados até o presente dia – só para constar, já aproximo da considerável marca das duas mil publicações/postagens. Como se números fossem importantes, não é mesmo?! Tantos números assim soam como um discurso contraditório até para mim, que sou daqueles que têm mais medo de um sujeito que escreveu um livro em toda uma vida àquele que escreve meia dúzia de títulos em cinco anos – se formos vasculhar, exemplos não faltam. Recentemente, o EQUADOR DAS COISAS passou por uma reforma, tanto na estética quanto em seu conteúdo. E como você vê, amigo leitor, hoje já está tudo diferente do que era antes. Tudo muda o tempo todo, não? Aí você me pergunta quando vou parar com tudo isso, e eu respondo que nunca. Cada vez que penso em desistir do blog, mais certo fico de que sem esta ferramenta, exemplo de expressão libertária e democrática, mesmo que virtualizada, fica mais pesada e difícil a balada das horas do meu dia. A vocês, leitores e leitoras, meu muito obrigado por ajudar na edificação e na concretagem deste real espaço de troca de experiências e saberes. Vocês são peças fundantes em toda esta ladainha. Recebam um abraço-amigo-imenso deste Germano que vos fala agora, exímio aprendedor de coisas. E para não dizer que não falei das flores, sim... continuemos, bucaneiros! – até porque o mar, o mar!, o mar quase nunca está para peixes...


* Imagem: Acervo pessoal.

sábado, 14 de julho de 2018

Espetáculo Poeta Preto e a humana voz-dor em demasia




Por Germano Xavier


A noite entrava já em sua meia-idade quando aportamos na Rua da Má Fama, reduto artístico-boêmio da cidade de Caruaru, agreste meridional pernambucano. Havia fomes de todas as naturezas – o dia havia sido de correr-idas-vindas. Por isso direcionamos os passos até o bar Carvão, logo ali do outro lado. O poeta dos rebuliços literários caruaruenses Thiago Medeiros fazia o acolhimento das pessoas interessadas em pur'arte... Era noite de sentir, sabíamos. Palavras trocadas, rostos novos e velhos. Joana Dark em surgimentos. O álcool necessário, um carboidrato civil...

Pouco tempo depois, cruzamos a rua novamente. Endereço: Mercearia Ponta de Esquina. Aguardamos os preparativos. Fomos convidados a entrar. Fundos. Todos a postos. Som de terreiro, clima denso, atmosfera de propriedade artística-artesanal. Logo o texto do escritor Vanderson Santos começou a ganhar vida na pele’ncenação do visceral Rosbergg Alexsander, ator-mundo.

O local, intimista e bastante informal, anunciava em suas paredes o verbo onírico-infame da personagem-nascente: o Poeta Preto. A montagem teatral, dirigida por Pedro Henrique e com iluminação executada por Jackson Freire, burila o real esquizofrênico inconsciente-mais-que-consciente do poeta-homem senti-dor de tudo e abarca-dor de todos. O poeta, ali, representa a voz rouca de toda a plateia que, em um silêncio nada mudo, assiste à peça como quem é sufocada por sacos plásticos mortais fabricados por uma sociedade insana e insegura - tanto de si quanto de seu futuro.

De chofre, luzes e sombras nos apresentam o espanto, o insólito, o desconhecido, a sutileza do grito interior, a morte em vida. Em um só nos tornamos, repentinamente. Pressentimos união, junção de forças. Se há esperança? Não sabemos. Cada um que prestigia a agonia do Poeta Preto se familiariza com suas próprias máculas, remorsos, repressões. Ou não ousa se insinuar. Aliás, a revolta é solitária, apesar de comunitária. Nada é forçado, ninguém é impelido. O coração dos homens é frágil aquém e além dos pulsos. Cada um sai do Poeta Preto armado com o sofrimento necessário, com a força da mudança nas mãos.

Nada ali é medo. Tudo é desejo e arte.

O Poeta Preto, esse ser negro-branco tão branco-negro, de tantas faces, vai aos poucos nos consumindo, tal qual um predador impiedoso, boca-voraz, monstro-deus insaciável. Cumpre a trupe Veja Bem Meu Bem o expressar poético da dúvida, o temporal da matéria-corpo encarnado no ator em cena. O experimento é de grossa envergadura e vai se formando em inacabamentos, como tem de ser. O palco acolhe um poeta-nós e seus rudimentos, suas sinceridades. O público vitaliza-se via racionalização-debate dos preconceitos e pelo peso de ser. Ele divaga entre o poético e o terrível, reclamando sua verdade doída e onírico-energética ao mesmo tempo.

Há quem diga que o Poeta Preto é a maquiagem do difuso, o sorriso dos descompassos, a ironia dos desafetos, a fúria do impossível. Há quem possa imaginar que seja até a liberdade totalmente liberta. O homem livre-homem. E há quem nada suporte após. O ser-destempero, coração-pulso, arrebol, olhar de fragilidades incontestes. O espetáculo, de tão natural e promissor, enverga um verbo novo na garganta imunda do mundo: poetapretar. Poetapretar é, pois, o ato ou o efeito de ser quem se é. Um grande dilema contemporâneo, convenhamos.



A peça estará em cartaz no FIG 2018 (Garanhuns-PE).

Um salve ao Letras em Barro (na pessoa de Thiago Medeiros), e ao Teatro Experimental de Arte (TEA).


* Imagem: https://www.feteag.com.br/espetaculos