domingo, 23 de setembro de 2018

Se o leitor não vier



Por Germano Xavier


"Escrever é que é o verdadeiro prazer; ser lido é um prazer superficial."
(Virginia Woolf)


mais um texto que nasceu dentro de uma Toca Literária 
(oficina de criação literária liderada por Marcelino Freire)



Se o leitor não vier, não haverá problema maior. Melhor ainda dizer, se o leitor não vier não haverá problema algum. Não haverá dor nem sentimentalismos exacerbados de minha parte. Se o leitor não vier, o escritor que me habita seguirá tecendo as manhãs em forma de palavras. Se o leitor não vier, o poeta em mim continuará sendo o mesmo poeta que fez com que eu, homem comum que também sou, despertasse para o poder transformador das artes. Não tenho como divisar tal perda, meu nobre amigo. Se o leitor não vier, toda palavra se manterá viva, o verbo conjugará todos os sentidos possíveis e os impossíveis, a humanidade permanecerá a conhecer as diversas faces do bem e do mal. Nada poderei fazer se o leitor não vier. Repito: Nada! O livro, o texto, a narrativa, o enredo, as personagens, lá estarão elas, mais vivas a cada dia, mais esperançosas a cada aurorar. Não tenho o que descrever se o leitor não vier, com sua fome de saber e sua sede curiosa. Se o leitor não vier, essa massa de sensações a qual me junto todas as vezes em que abro os meus olhos fará, como sempre fez, parte do mundo e ele tornará a rodar e rodar e rodar. Se o leitor não vier, o moinho não parará de girar suas pás, muito menos a gangorra encerrará suas descidas e subidas. Nenhuma frequência de prazer oscilará se o leitor não vier um dia. Nada, absolutamente nada será eliminado do meu caminho caso o leitor não apareça. Poderemos sobreviver se o leitor não vier. Poderemos construir elos, reconstituir, conservar, desenvolver, alterar, formar, preservar. Poderemos tudo se o leitor insistir e não vier. Poderemos supor e acabar, adequar novos fins ou meios, ou ao menos admitir alguma fraqueza ou franqueza. A vida continuará difícil para o povo, com dores, decepções e tarefas insolúveis. Se o leitor não vier poderemos até suportar, divergir, insensibilizar. Se o leitor não vier, não haverá discórdia. Vale salientar: se o leitor não vier não haverá violação de nenhuma espécie. Não haverá falta, é bom que se entenda. Se o leitor não vier, enfim, não haverá ganho ou pormenor. Se o leitor não vier, eu teimo e reitero, toda palavra se manterá vivaz e buliçosa, o verbo contará as sortes e os destinos. Minha mão será minha espada no tempo e sangue verterá ao sol se o leitor não vier. Como sempre, para mim. E a respeito disso nada poderei fazer. Repito: Nada!


* Imagem: https://pixabay.com/pt/homem-velho-%C3%ADndia-sadhu-viagens-1145467/

A poesia como um caminho grávido de coisas



Por Germano Xavier


Lá ia, pois, um leitor a contemplar um livro de poemas. Lá ia, pois, um leitor a lembrar de duas frases de dois grandes nomes da literatura universal: “Escrever é um ócio muito trabalhoso”, de Goethe, e “Escrever é que é o verdadeiro prazer; ser lido é um prazer superficial”, de Virginia Woolf. Uma dupla de frases que podem muito bem funcionar no ousado intuito de resumir a escrita de Nadine Granad, que aponta agora para inícios.

Pois, lá ia, ela, sendo isto: a balança entre o seu labor “preguiçoso” (poemas quase sempre breves) e a escrita na busca de ser lida ou não. Por um lado, penso que a própria autora – iniciante ainda no fazer livresco-literário, ou pelo menos em matéria de publicação – pode ainda imaginar-se descrente deste “talento” que por ora mostro aqui... Contudo, ainda protestante desta sina, pode também revelar-se uma esquizofrênica neste “querer-não querer” de caráter ontológico; por outro, buscando ocultar-se na querência do sucesso.

Escrevo estas palavras iniciais sobre a poesia de Nadine Granad porque amo o ofício do escritor, do poeta, e odeio-o ao mesmo tempo, e também por ser macunaímaco e operante e/ou me satisfazer plenamente de prazeres verdadeiros e nutritivos ou vis e débeis... Também é isto que deve suceder com a poeta no presente livro. É quase imperativo dizer que o que se quer com a poesia, poetas e escritores que somos, é que ela, através de nossos olhares e palavras, seja confundida com um holofote eclíptico, com a honraria e com o disfarce, com a calma e com a tormenta que torna ora ar, ora mar... e que toma a todos, no fim.

Reúne ela, então, em seu livro FELICIDADE DA ALMA PERTURBA, poemas seus aqui subdivididos em capítulos, certamente criados após amor, pessoas, fatos ou fases que passaram ou ainda passam por sua-nossa vida, um tremendo cabedal de iné(ditos) que nada temem, que nada reprovam, supernovíssimas tiradas poéticas ainda não divulgadas ou mostradas ou nuas ou seminuas para o homem-além, aqui publicadas para não dar ideia de ácaro ao grande Frankenstein que promete este Prometeu aqui...

Em “Curta o Curto”, Nadine Granad explora a potência do verso rápido e o faz expandir-se na aurora das simples expectativas. Em “Suspiros d’Alma”, despe-se e encara o amor de frente, sem fronteiras para as dores e para os momentos de felicidade. No capítulo “Dicionário Reticente”, pequenos golpes verbais na boca do estômago da vida a nos embalar realidades e sonhos. Em “Indagações Pseudo-Humanas”, talvez o pulso mais ativo do livro, rompante de extensões e extinções sentimentais que, partindo da autora, também opera partindo o universo anímico do outro-leitor.

No capítulo final, intitulado de “Sombra e Luz no espelho”, a poética de Nadine Granad, entre parcerias ou não, entre poemas quebrados e rimas de liberdade, entre versos em prosa e prosaicas destemperanças, entoa o hino natural às chamas, às labaredas e a tudo que revoga o sol no e do homem. Tudo aqui, aparentando amenidades, lustra-se de violência simbólica a mais selvagem, do tipo que compromete o próximo passo ou o próximo olhar de quem lê. A poesia de Nadine Granad, vista como um caminho grávido de coisas, elabora por si própria sua história de rusticidade, diversidade, solidariedade e de humanidade. E só por isso, já vale a leitura.


Imagem: https://pixabay.com/pt/%C3%A1rvore-gravado-poesia-porta-malas-615663/

sábado, 22 de setembro de 2018

Resenha de Germano Xavier & Associação Nova Escola


Por Germano Xavier


É com enorme engraçamento que comunico a todos que minha resenha literária intitulada de AS PLANTAS QUE LATEM DE HELDER HERIK, publicada aqui em 19/05/2018, foi selecionada para fazer parte de um projeto lindíssimo na área da educação nacional promovido pela Associação Nova Escola tendo em vista a Base Nacional Comum Curricular - BNCC, numa parceria com a Fundação Lemann e o Google.org. Tudo isso em virtude do olhar apurado da professora doutoranda Ladjane Pereira, a quem agradeço imensamente. Em breve, deixo aqui mais informações sobre o projeto. Sigamos, bucaneiros!


* Imagem: https://br.linkedin.com/company/associa%C3%A7%C3%A3o-nova-escola

terça-feira, 11 de setembro de 2018

Não basta um nó para fazer literatura




Por Germano Xavier


DOIS NÓS NA GRAVATA (CEPE EDITORA, 2015) é o nome do segundo livro de contos do escritor pernambucano Rômulo César Melo e um dos vencedores da segunda edição do Prêmio Pernambuco de Literatura. As narrativas abreviadas da obra forçam os leitores a fazer um exercício de reencontro com o passado e, por conseguinte, com suas aspirações mais humanas e interiores, dentro de ambientes temáticos ora triviais ora bastante densos e, porventura, pintados com uma carga dramática – diria - impiedosa. A construção de algumas cenas é realizada de maneira limpa e esclarecedora, outras nem tanto. Os personagens são sólidos. Ao todo, são 17 narrativas e cada uma traz consigo um universo de abordagem díspar. O leitor faz, literalmente, uma viagem atemporal e também temporal a cada conto lido. Todo conto é um mundo e demanda um ticket novo por parte do leitor, que vai como quem não tem destino. Há a percepção de utilização de técnicas expressivas de escrita por intermédio do autor. Os contos com problemáticas urbanas enchem mais os olhos de quem lê, porém até os que burilam com a fantasia correspondem. Algumas tramas claudicam em um regolito quebradiço. Todavia, ao final, o livro nos aperta o pescoço feito dois nós na gravata. E é isso o que importa.



Trecho do livro:

Tome o lenço, pare de chorar. Já choramos o bastante, quase debulhamos um rio Volga de lágrimas. Lamentações sem futuro. Se médico algum conseguiu, quando em vida, ninguém removerá o tumor dos restos mortais de mamãe; e também se o fizesse de nada adiantaria; nem a bala na têmpora de papai, depositada horas depois do sepultamento da esposa. As manchas dos miolos passaram a fazer parte da parede do escritório, pelo menos algo dele permaneceu, desconfio que aquela frase repetida nos Natais “quando eu me for, meninas, algo meu ficará por aqui” se referia a essas manchas crucificadas na madeira da parede, as faxineiras não conseguiram limpar; tampouco seriam apagadas as ausências que nos seriam impostas a partir dali.


Imagem: https://colecionadordesacis.com.br/2016/07/23/clipping-assombracoes-do-recife-velho-inspiram-desafio-entre-escritores-pernambucanos/

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Pólvora



Por Germano Xavier


Miniconto nascido de um desafio proposto pelo escritor Marcelino Freire,
na ocasião de sua oficina de criação literária intitulada de Toca Literária.


Cama para quê? Dormimos mesmo na pele do solo. Na verdade, fingimos sono madrugada adentro. Eu mesmo me espantei várias vezes com os melindrosos sons do sítio de meu tio. Aquilo tinha arquitetura de evento. Meus dois primos levaram a carabina de pressão. O velho, sua espingarda cartucheira. Eu levei minha coragem. Pintos estavam morrendo às multidões. Suspeitávamos de tudo, até de Braulino, o encarregado dos galpões. Ele havia descumprido ordens ultimamente, sem motivos reais. Armamos tocaia nos fundos da granja. A manhã brotaria sob a bandeira da paz. De preferência, sem o cheio da pólvora.


Imagem: https://www.deviantart.com/chibilacra/art/Polvora-y-luz-I-90289031