domingo, 18 de novembro de 2018

Sobre a grávida gravidade da vida (Parte I)



Por Daniela Correia e Germano Xavier


Episódio de hoje: Saramago, loucura e lucidez



Desde os primórdios da civilização que o povo vive em constante e, até, em desenfreada deliberação. Mutação. Porque somos assim. Porque somos isso, simplesmente. Uma espécie animal resolvida em transformações, sejam elas fisiológicas, psíquicas ou atitudinais. Cada indivíduo infere, deduz, reflete, analisa e elabora uma forma de mundo diferente, à qual sempre incidirá um tipo de dependência frente ao momento, à situação, aos privilégios e ao lugar que o indivíduo vive.

Com o decorrer do tempo e, também, diante de seu natural transcorrer, o olhar da população diante do que a cerca pode sofrer fortes mudanças de trajetória, já que reflete nos acontecimentos vivenciados durante o decurso da vida e de sentimentos porventura surgidos em meio à jornada a qual estamos dispostos a percorrer. José Saramago, por exemplo, grande referência literária em Língua Portuguesa e antena sensitiva do mundo, afirmou que estamos a destruir o planeta e o egoísmo de cada geração não se preocupa em perguntar como é que vão viver os que virão depois. A sensação é a de que a única coisa que importa é o triunfo do agora. A isto, Saramago chama de “A cegueira da razão”.

Muitas pessoas têm a oportunidade de sonhar, planejar e consumar seus grandes objetivos, realizar metas, reformar e refundar desejos. Outros não têm tempo para seus sonhos, tampouco oportunidades para encará-los de frente, e nesta balada desanimadora logo acabam se tornando parasitas do hábito, numa simbiose por vezes quase incurável; muitos terminam por viver sem questionar o futuro, mais precisamente sobre os seus estilos ideais de vida e as suas preferências por determinadas áreas de trabalho. Tudo acontece numa implacável mecânica, tal qual uma corrente a qual se está preso e que leva boa parte dos cidadãos para uma dimensão escura e de inoperância, onde reina o acaso e a sorte. Há muita dúvida e incerteza para com todos aqueles que almejam por um espaço próprio de identificação no mundo. Como também há pouca esperança diante daqueles que estão longe de alcançar uma felicidade maior e segura.

Entretanto, quando ainda se é criança, é relativamente comum se ensinar a ser e viver de acordo com a sua respectiva realidade. Seria este um dos motivos da crise humanitária na atual sociedade? Uma criança da periferia não pode ter o mesmo acesso às melhores escolas e universidades que uma da zona sul? É obrigação do Estado exercer o seu papel sobre a Nação, bem como, também, é papel das pessoas burlar todos os padrões impostos pela sociedade, quando tais padrões não atendem aos seus desejos mais íntimos e férteis. Mudar o pensamento e a forma de existir quando necessário fosse deveria ser regra. Com estas mudanças, o indivíduo que via um muro em sua frente pode muito bem começar a repensar e criar suas metas para a vida.

Com a luta e a união de todos, qualquer forma de desilusão tende a desaparecer do mapa, e o ato de querer mudança por todos aqueles que não têm voz também passa a ser mais presente na alma do povo. Esta revolução, tão fundamental, ocorre simplesmente com um reflexo diante de um espelho, um instante de força maior, e em seguida abre uma janela de reflexão que revela que a existência humana não é unicamente posta à prática no intuito do bem individual, mas, acima de tudo, para um bem maior e múltiplo, para a inclusão de todas as classes excluídas.

Evidente que se torna indispensável o desenvolvimento da autoconsciência, do que podemos e do que não precisamos fazer. E saber que a aparência é um aspecto meramente referendado em padronizações. E saber que muito do que ensinaram ou ensinam, na realidade, é o oposto do que toda pessoa é capaz de conseguir. Saber, principalmente, que hierarquia dos povos existe sim (o Tempo soldou-a em vis moldes), mas que a educação também existe para que ela seja quebrada, desvelada, reformulada, reorientada. Para um bem maior e múltiplo, sempre.


* Imagem: https://www.deviantart.com/vermontster/art/Hand-500722555

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