quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

A linguagem enquanto atividade constitutiva



Por Germano Xavier


Sobre a natureza e as funções da linguagem são variadas e múltiplas as inferências e as interpretações produzidas ao longo do tempo. Aos bandos são também os (re)surgimentos de teóricos e teorias que tentam classificar e burilar este universo tão vasto do estudo linguístico. Carlos Franchi foi mais um exemplo deste embate tão frutífero quanto melidroso que é o estudo da linguagem humana. Para ele, a língua é uma atividade constitutiva cujo problema básico é o da significação, e não o da comunicação. 

A significação, para Franchi, não está somente na ordem das relações sintático-morfológicas, mas no anteparo de atos intencionais que motivam interlocutores, atos comunicativos e formas de expressão. Todos estes elementos, juntos, ajudariam a situar a linguagem como uma ferramenta de construção do pensamento, da identidade e da realidade. Para Franchi, crer que a linguagem seja somente reflexo do real é uma falha no mínimo grotesca. Antes, faz-se preciso norteá-la como um ativo construtor de referencial para as ações humanas. É a partir dela que universos inteiros de significados são fomentados. 

Sua função constitutiva, assim posto, daria à linguagem uma historicidade, já que não serviria apenas para reproduzir a natureza das coisas. Por tomar a linguagem como um cosmos recheado de complexidades, a visão constitutiva de Franchi atrela a ela uma dada reflexão filosófica, bem como uma investigação experimental e uma elaboração teórica. Os sentidos e os significados dos discursos, destarte, ganham mais importância que os objetos linguísticos propriamente ditos.

A crítica à concepção institucional da língua produzida por Saussure é apenas umas das pontas do iceberg instalado pelo pensamento de Franchi, que, também, ao passear pelas ideia de Searle, Grice, Halliday, Buhler, Chomsky, entre tantos outros, também espeta a ferida do estruturalismo americano sem ressentimentos, realizando assim um esforço visível para articular diferentes concepções funcionalistas da linguagem, jamais ignorando-as. Portanto, fica mais que evidente que para Franchi é dos modi significandi (modos possíveis de significação) que podem surgir o real entendimento das funções da línguagem. Assim, mais fácil se torna a percepção de que a linguagem é comunicação, sim, mas não somente. Ela está também a serviço da dialética e das intervenções homem-mundo-homem.

A linguagem, segundo Carlos Franchi, está para construir, está para expressar, para comunicar e para significar, especialmente. Sendo cíclica e transitória a linguagem, tais fenômenos variantes a ela ligados podem não seguir ordenamento plausível e sofrer mutações e intermitências. Todavia, enquanto atividade essencialmente criadora, a linguagem sempre operará em alta no cotidiano das civilizações e no fazer-ser da humanidade. O exercício da linguagem, afinal, é o de sempre ser provisória, espontânea, iconoclasta e transformadora. 


* Imagem: http://materiais.parabolaeditorial.com.br/linguagem-atividade

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

O moderno Jorge de Lima



Por Germano Xavier



Todas as vezes em que passei pela frente da cidade alagoana de União dos Palmares, duas imagens me foram sempre recordadas. A primeira é a do líder negro Zumbi dos Palmares, refletida na vista que temos da Serra da Barriga assim que logo apontamos nas redondezas da localidade. A segunda, sem dúvidas, é a do poeta Jorge de Lima, que ali nasceu e que, mesmo passando pouco tempo (cerca de seus 7 primeiros anos de vida), carregou União dos Palmares ao longo de toda a sua obra poética. No livro POEMAS (Record, 2004), observamos um poeta muitíssimo interessado em desvendar as coisas de sua aldeia (União e o nordeste em si) para também ser desvendado, elucidado enquanto ser humano. Claro, deixando intacto aquele fio de mistério que nos cobre desde o nascimento até a nossa morte. O conjunto de poemas revela o menino que se abriu à poesia do mundo e o mundo atravessado pelos olhos do poeta visto desde o Rio Mundaú até Terra-Lavada, passando pela Serra dos Macacos e, também, pelos territórios marcados em suas novas feições mundanas ganhadas no tempo das descobertas juvenis. Poeta que atirou no peito do Parnasianismo, ceifando sua vida já por demais avançada em nossos brasis, e que revigorou o Modernismo Brasileiro, Jorge de Lima ainda é um tanto quanto desconhecido da massa leitora neste nosso já entrado século XXI. O que é uma pena, diga-se de passagem. Para este ano de 2019, é bem já de planejado uma minha ida (agora para me enveredar) até as plagas nascentes deste que é um dos nossos maiores nomes na literatura. Jorge de Lima, salve!


* Imagem: Google