sábado, 30 de novembro de 2019

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Sobre "O velocista", de Walter Cavalcanti Costa




Por Germano Xavier


(Cepe, 2018)


O VELOCISTA, do pernambucano Walter Cavalcanti Costa orbita pelos anéis da experimentação literária com maestria e simplicidade: Pensamentos-ideias-de-longe-e-além conferem ao livro um chassi de modernismos e de influências de vanguarda que não se escondem nem deturpam a obra. O fragmento reinventado, uma era que se inova. Como veículo reformado: possibilidades. Loucura sã na linguagem com toques importantes da teoria da literatura. Um livro sobre Jô Tadeu, afinal.

Ele, que viaja para-além, atraca e atravessa o Tempo. Memória que é Tempo. Tempo que é uma espécie de cerco. Não se escapa. Está. Estamos. Somos. Jô Tadeu deu ao autor o título de Vencedor do V Prêmio Pernambuco de Literatura. Eu, após a leitura: O que dizer? Há o que dizer? E como dizer? Minha cara de estupefação resume bem o conjunto e a proposta da obra. Um livro impiedoso. Um livro que se quer veloz, mas no íntimo.

E por falar em Jô Tadeu, lá vai um “Explicativo”: “Eu sou Jô Tadeu Tábua, sou astronauta. Sou filho da estilista Carolina Vásquez e do Professor de Ciências Contábeis João Tábua. Sou casado com Bevita Santana, a governadora do Estado de Pernambuco, no Nordeste da República Federativa do Brasil e sou irmão do artista plástico Von O’Val, que é casado com a bibliotecária Valbuena Sales, que fala sete línguas ocidentais. Sales trabalhou com meu pai, João Tábua, no local onde é hoje a biblioteca que recebe o nome dele. Tenho um filho chamado João Tadeu. Uma filha que está para nascer. Nasceu. Estou há 35 dias, seis horas e 27 minutos terrestres no espaço.”

Pá. Cal. Fumaceira branca. Ninguém nem. Só lendo, meu nobre amigo. Passa por cima de tudo o que se vê ali, nas páginas. Coisa de quem ousa. Como alguns assim fizeram. Livro chancelado. Torre de Babel. Literatura de excelência. Um salve, Walter. Pá. Cal. Vento. Mais fumaceira. Branquitude. Brumado, um. Tudo continua. Até a névoa. Não se pode ver nada. Sideralismo. Cá. Chegue. Atente-se: este é um bom manual de teoria literária. E muito contemporâneo. E.

domingo, 10 de novembro de 2019

Sobre "Dancing Jeans - Baixo Augusta e outros contos", de Milton Morales Filho




Por Germano Xavier


(Cepe, 2017)


É por meio do Tempo que a persona quase-única que atravessa todos os contos do livro "Dancing Jeans – Baixo Augusta e outros contos", de Milton Morales Filho, se ancora, incurável em sua rebeldia e sua perdição. Atmosfera neon tem a obra. Fala-se de vivos e mortos. Calabouços modernos são os pequenos espaços por onde transitam pessoas aparentemente comuns. Dancing Jeans, no livro, é uma espécie de Pasárgada de mesma falta de austeridade. O paraíso perto dos olhos, das mãos e dos sentidos. 

O Tempo é índigo, colorido para o homem, mas avesso à memória. Figura-se, até o cenário-escada, vivaz em excesso. Tudo é pó. Tudo é poeira. Tudo é pós. Como se existisse uma lua original sob a qual planetas orbitam, flexíveis. A melancolia é um poço. A fossa do cotidiano é quase palpável e, indubitavelmente, sem controle. "Dancing Jeans – Baixo Augusta e outros contos" têm no seu razoável grau de marginalidade um trunfo, por onde autor e obra se encaixam, tal qual um encanto ingênuo e surreal. 

Paralelismos. Condutas bifurcadas. Marés de concreto e luzes artificiais. Caminhos que nos percorrem por estradas já revistas. As nossas histórias sem esconderijos. O livro do Milton termina sendo um reduzido guia de instrução para aquéns nada imóveis, para superfícies que possuem o poder de nos transformar em futuros ainda que incertos, como aquilo que tende a acontecer de supetão e nos revela o dia. Para ler com economia ou voracidade. Como quem espera um depois.




terça-feira, 5 de novembro de 2019

Sobre "Paulatim", de Paulo Gervais




Por Germano Xavier



(Cepe, 2017)


"Tulerunt clavem?"


Peguei a chave. Mas a chave para abrir a Poesia não é uma qualquer-chave. Tem de ser chave-mestra, com várias possibilidades. Dentro ou fora, das duas: uma. A Poesia é Hydra de Lerna. Corta-se, envereda-se, mas ela se amplia. Não há esgotamento. Não há fim, só interstício. Para abri-la, é necessário delicadeza e tempo. Assim se levanta o pó enquanto o vento dura, já dizia Antônio Vieira. Tulerunt clavem? Sim, peguei a chave. Ou teria sido o contrário? Para onde ir depois que entramos? Há saída?

Fugiremos deste mundo ao menor envolvimento com a morte. A morte pode estar em qualquer parte ou em parte alguma. A morte é um Touro. Touros pastoreiam nossa verdes esperanças. Os Touros não morrem nunca, por mais que os espetemos com adagas ou com sabres ou com estiletes seus respectivos e grossos dorsos. Haverá sempre um Touro a ser enfrentado, na vida. A morte nunca deixará de ser. O chão da Terra faz brotar novos Touros, enfurecidos e vingativos. Correr será sempre uma proposta para quem.

Para nossas mortes e para nossos momentos de não-morte, escolheremos nomes. Convencionaremos, como assim o fazem majoritariamente. E dentro dos vasos que nos amparam serão aparados apenas os licores sem arrependimentos, a lágrimas que nunca foram vertidas, as dores que jamais foram gritadas. Para além das raízes, o Nome, assim justo, assim Belo. O Nome, para que fiquemos apenas nele, enluarados, feito linguagem máxima da existência. Feito "Paulatim", de Paulo Gervais. 

Paulatim: poesia de quem já andou. Pés para cima e para baixo. Itinerários. Poesia que serve para abrir as portas dos céus e dos infernos, nossos. Para abrir as portas da Percepção. Tudo planejado: como não ter planos. Homem X Solo X Sagrado. Do jeito que admiro e outros muitos, também. Uma poesia sem marcas, dormida ao sol do meio dia e fria como a madrugada mais gélida. Para pensarmos sobre nossos cálculos vitais, sobre o que importa realmente ou não. Pois até mesmo este discurso aqui pode não durar o suficiente para mover algo.


domingo, 3 de novembro de 2019

Sobre "Recife em tom menor", de Bartyra Soares




Por Germano Xavier


(Cepe, 2016)


Recife, capital do Pernambuco: uma cidade que não tem vergonha de revelar as suas faces e os seus fantasmas. Daqui de Caruaru, onde moro há 6 anos, pouco mais de uma hora em boa velocidade. Chega-se a ela, assim, quase-facilmente. Uma cidade que nos obriga a esperar, pois tem um tempo próprio. Recife, ondular, caminha entre suas árvores centenárias, seus dutos fétidos, seus rios quase-mortos e seu povo. Recife avança para onde não se pode mais, como tantas. Cresce para sua finitude. Sua ciranda malemolente é a de quem anda de lado. Manguetown.

Suas antemanhãs aclaradas pelo sol das chuvas quase diárias espalham suas feridas de Camaragibe a Boa Viagem, passando por todos os seus viadutos. Mar que arrebenta, horizontal-Brennand. Recife nos adverte: Transcender é preciso, viver também é preciso. Além-mar, rosa-dos-rumos, uma Mauricéia antiga tocada em tons menores entre o Estelita e as ladeiras de Olinda. Recife cinza e verde das mentes alternativas. Recife das vésperas de alguma coisa, sempre. Recife dos convites, dos casarões sem Tempo, das tantas possibilidades de nada vir a ser.

Seus Maurícios homens dormem sob as pontes, seus hóspedes gemem, sitiados no caos. Não se corre na lama. A lama é densa e afunda os pés. Insulado, o Recife se põe apesar das tardes. Exilado, o Recife se alucina para se abrir no próximo Galo da Madrugada uma folia de agoras e futuros. Suas torres me lembram as saudades do meu pai. Os Trólebus já inexistentes me remetem ao mundo dos cartões de memória, dos álbuns de família. Recife nos provoca mudanças. Muda. 

Bartyra Soares, brotada em Catende, sabe disso. Pede amparo às fotografias de Marcus Prado. Recife talvez seja mesmo fantástica a ponto de não caber apenas em palavras, em versos, em estrofes. A fotografia amplia a melancolia sufocada de seus canais e de suas ruas. Ao fim, página por página, o Recife acaba nos comovendo. Discretamente, em tom menor, sabedor que é de suas todas alegres tristezas. Recife, capital do Pernambuco, um imenso navio ancorado prestes a zarpar para o mais distante e bonito Nada.



sábado, 2 de novembro de 2019

Sobre "O azul também se revolta", de Paulo Gustavo




Por Germano Xavier


(Cepe, 2018)


Por vezes, é bom e necessário refutar o óbvio do mundo, o que já está entregue logo de cara nas frontes das pessoas, todas as gratuidades afastar... Marchar a ré em muitas das coisas que nos solidificam diariamente: vital. A poesia é uma força-una, sabemos. Mas quem a opera é todo mundo ao mesmo tempo, a soma de suas vivências e o total de suas quedas e conquistas. Paulo Gustavo, poeta recifense nascido em 1957, filia-se ao que há de mais universal e caro à poesia: sua própria voz, voz de poeta. De maneira natural e sublime, diga-se de passagem.

O AZUL TAMBÉM SE REVOLTA é um acordo do poeta para com a sua voz gutural, ancestral, universal, mas única e criteriosa, amansada após uma vida de aprendizados. Nos campos da forma e da linguagem, o poeta adere à personalidade acima de qualquer custo. Resultado: cria sua própria tradição, uma dialética modernosa e, simultaneamente, com um pé fincado nos antepassados, em seus ídolos, em suas referências (que não são poucas). Paulo Gustavo rompe com outros totens artísticos, mas sempre com paciência, como quem aguarda a procissão passar.

A palavra aqui é CONSCIÊNCIA. 

Há sempre uma retomada de temas, promoção de imagens verticais/horizontais, utilização de formas já há bem muito consolidadas. Todavia, Paulo Gustavo formata tudo com o raciocínio esmerado de quem recorre sempre às melhores experiências técnicas. Multiplica-se, asssaz-assim, em outros tantos sendo um só, sem precisar ser outro nem perder-se na vastidão de ser mais do que se é verdadeiramente. Um poeta de transição, "que tomou o último vagão" que rumava para estimada Geração 65 das letras pernambucanas e da contemporaneidade nacional.

Percebe-se, de antemão, uma espécie de condensamento na obra. Estamos, sim, diante de um Tempo repartido, porventura compartilhado. Uma memória congelada pelo poeta. Memória que é gênese para o futuro. Dócil, cheio de vertentes nada costumeiras para os dias atuais, Paulo Gustavo se insere maduramente na ordem de seus versos. Faz do Belo sua palavra de ordem, sua incessante jornada. O Azul aqui é de busca, de escavação, de intromissão. O Azul de todas as coisas, dos equadores todos, seu ofício virginal.