De acordo com o filósofo e pensador russo Bakhtin (1981), a língua é um objeto de estudo concreto, resultante de uma interação social entre pessoas que se encontram em uma situação de comunicação. Segundo o autor:
A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua. (BAKHTIN,1981,p.123)
Sendo assim, a reflexão desse autor acerca do objeto de estudo língua nos direciona a perceber que a língua não é algo sem forma, pelo contrário, ela deve ser vista como algo palpável que se consagra na palavra pronunciada por alguém (locutor) em direção à outra pessoa, neste caso, o ouvinte. Toda essa relação estabelecida entre o falante e o ouvinte resulta consequentemente numa situação de interação entre as partes envolvidas no processo de comunicação, levando sempre em conta o contexto social, histórico e cultural em que os membros estão envolvidos.
Ao lançarmos um olhar para as práticas escolares de acordo com a visão sociointeracionista da linguagem, elegemos o ensino da língua indiferente ao tradicional, que se restringia a estudá-la como representação do pensamento. A respeito dessa visão, Bakhtin (2002) explica que, para seus adeptos, a expressão linguística é formada de alguma maneira no psiquismo humano e é exteriorizada objetivamente com a ajuda de um código de signos exteriores, como se fosse uma tradução: “O exterior constitui apenas a material passivo do que está no interior” (p. 112). Portanto, as pessoas que não conseguiam se expressar eram rotuladas como seres não-pensantes.
Uma outra concepção de língua é a do estruturalista Ferdinand de Saussure (1977), para o qual a linguística deveria se ocupar dos elementos que são “internos” à língua e deixar de lado tudo o que lhe fosse “externo”. “Nossa definição da língua supõe que eliminemos dela tudo o que lhe seja estranho ao organismo, ao seu sistema, numa palavra: tudo quanto se designa pelo termo ‘Linguística externa’” (p. 29). Dessa maneira, a língua era vista como um sistema independente de fatores exteriores, sendo que eles não influenciam em nada o seu sistema interno, aonde os signos linguísticos mantinham uma relação de ser o que o outro não era e assim o que se levava em conta era apenas o que estava presente na estrutura, língua enquanto estrutura.
Em meados do ano de 1960 surge um outro ponto de vista acerca do objeto de investigação Língua: o paradigma funcionalista, cujo maior defensor foi o respeitável teórico Roman Jakobson (1982), para o qual a língua é compreendida como um código, utilizado para transmitir uma mensagem de um emissor para um receptor. Esse código, por sua vez, deve ser usado de maneira semelhante, preestabelecida e convencionada por todos os falantes envolvidos na comunicação para que esta realmente se efetive com sucesso. Com o avanço em seus estudos este teórico acrescentou mais dois elementos ao processo comunicativo, neste caso, o contexto (ou referente) e o contato (ou canal). Assim, a comunicação aconteceria através do seguinte esquema tático: a existência de um emissor trazendo em mente uma mensagem com o intuito de transmiti-la a um possível receptor, como forma de concretizar seu desejo ele a transforma em código e a remete para o receptor utilizando um canal (meio físico dotado de ondas sonoras), e por meio do código cabe ao outro interpretar a mensagem recebida.
Inspirando-se no modelo tradicional sobre a linguagem de Karl Buhler (1990), onde a comunicação servia apenas a três funções: a expressiva, a informativa e a estética, Roman Jakobson (1982) faz algumas alterações referentes à mudança na nomenclatura das três funções já pré-existentes, as quais passariam a ser chamadas de referencial, emotiva e conativa. Ele também acrescentou outras três funções, neste caso, a fática, a metalinguística e a poética.
Os textos com função referencial (também conhecida como informativa, representativa, denotativa ou cognitiva) são aqueles que colocam em evidência o referente (ou contexto) e transmite uma informação objetiva sobre a realidade. Já a função emotiva ou expressiva refere-se à manifestação do ponto de vista do remetente, seus sentimentos, suas emoções a respeito dos fatos expostos no texto. Segundo Barros (2004), são vários os indicadores usados para chegar a essa função, dentre eles estão: o uso de interjeições, exclamações, reticências etc, uso de verbos na 1ª pessoa, com o objetivo de enfatizar uma subjetividade e consequentemente criar uma relação de proximidade entre os sujeitos envolvidos na comunicação.
De acordo com Jakobson (1982, p.125), a função conativa ou apelativa “encontra sua expressão gramatical mais pura no vocativo e no imperativo”. Essa é uma linguagem bastante utilizada nos discursos, sermões e propagandas que se dirigem diretamente ao consumidor procurando persuadi-lo e, por isso, ocorre a interação entre remetente e destinatário.
A função fática tem como palavra chave o canal ou contato. Segundo Jakobson (1982), essa função tem por finalidade estabelecer, prolongar ou interromper a comunicação com a intenção de verificar se o canal está funcionando corretamente. De acordo com Barros (2004), existem algumas expressões linguísticas que fazemos o uso para que possamos chegar aos objetivos citados acima, os quais são: unh e hã (elementos prosódicos de pontuação da fala usados para manter o contato entre os participantes da comunicação), olá! tudo bem? como vai? tchau, até logo, bom dia (fórmulas prontas usadas para começar ou encerrar a comunicação) e você está escutando? (para garantir que haja realmente o contato).
A função metalinguística, por sua vez, tem como foco o código. As pessoas envolvidas em uma situação de comunicação desejam saber se estão utilizando o mesmo código. Para exemplificar esse determinado tipo de função, Jakobson (1982, p.27) afirma que “ela ocorre quando o receptor pergunta ao emissor “não o estou compreendendo – que quer dizer?”. ou quando, ao contrário, aquele que fala, antecipando perguntas como essa, pergunta a quem ouve “entende o que eu quero dizer ?”. Para finalizar, temos a função poética, que coloca em evidência a forma da mensagem, sendo assim, há cuidado mais com o que dizer do que como dizer. De acordo com o linguista Roman Jakobson (1982, p.128):
Qualquer tentativa de reduzir a esfera da função poética à poesia ou de confinar a poesia à função poética seria uma simplificação excessiva e enganadora. A função poética não é a única função da arte verbal, mas tão somente a função dominante, ao passo que, em todas as outras atividades verbais, ela funciona como um constituinte acessório, subsidiário.
Portanto, é importante destacar que embora a função poética seja própria da obra literária, não é pertinente e nem aceitável postulá-la como algo exclusivo da poesia ou tão pouco da literatura em geral, já que podemos encontrá-la também em outras atividades verbais.
Através de suas obras intituladas Marxismo e filosofia da linguagem (2002) e Estética da criação verbal (1997), Bakhtin edifica sua teoria de língua como interação, posicionando-se teoricamente avesso as ideias concebidas pelas correntes anteriormente citadas, localizando e também raciocinando a respeito das lacunas encontradas naquelas teorias. Sendo assim, ele buscou mostrar que o conceito de língua adotado pelo mesmo era indubitavelmente o mais apropriado para tratar dos fenômenos linguísticos.
Dessa forma, o ensino da língua deve ser entendido e ensinado como uma forma de interação, o professor tem o dever de elaborar estratégias que contemplem os mais variados textos-contextos em que se faz necessário o uso da linguagem, com o intuito de que seu aluno desenvolva a capacidade de adequá-la a heterogeneidade de situações presentes no seu cotidiano, sejam elas de caráter formais e informais, orais e escritas. Em relação ao trabalho do sociointeracionismo para com a linguagem, Costa-Hübes (2008) explica:
Na realidade, o que estas correntes têm em comum é o fator histórico e o fato de terem se estabelecido como disciplinas dentro de uma ciência específica, a Linguística, e de se sustentarem na filosofia da linguagem, elevando a interação à condição de princípio explicativo dos fatos da língua. Amparadas neste pressuposto, não mais trataram do estudo de palavras ou de frases isoladas, mas relacionadas ao texto,ao contexto sócio-histórico, ao(s) usuário(s) que as produziu/produziram, aos gêneros discursivos/textuais. Estamos nos referindo a uma nova concepção de linguagem: a concepção interacionista ou sociointeracionista que passa a tratar a língua como elemento histórico.(COSTA-HÜBES, 2008, p. 109-110 – grifos da autora.)
A concepção interacionista ou sociointeracionista ocupa o lugar de notável relevância para a maior parte dos teóricos que se dedicam a estudar os fenômenos da língua, no que diz respeito ao ensino, partindo do pressuposto de que o ensino da língua deve ter como principal objetivo formar cidadãos aptos a agir nas mais variados situações de atos de comunicação. Segundo Bronckart (1999, p.103), “a apropriação do gênero é um mecanismo fundamental de socialização, de inserção prática nas atividades comunicativas humanas”. Para a construção desta pesquisa, buscamos ter como base uma perspectiva de ensino engajada na noção de gêneros textuais, sendo assim, pretendemos através dela defender que é fundamental apresentar aos alunos situações que carreguem em si traços semelhantes àqueles que vivenciamos fora do âmbito escolar, reais, variadas, que tenham sentido para eles e que ocorrem em diferentes esferas de interação social.
Com o intuito de compreendermos de que maneira isso ocorre, recorremos às ideias de Miller (1984, apud BAZERMAN, 2006) que concebe o gênero textual como uma ação retórica tipificada, que funciona como uma resposta a situações recorrentes e socialmente estabelecidas. Essa teoria explica que, quando precisamos agir discursivamente em uma nova situação, tomamos como base situações semelhantes, nas quais buscamos alguma forma textual que nos permita atingir os objetivos pretendidos. Ao fazermos isso, acabamos criando um modelo textual que passa a fazer parte de nosso conhecimento e que será aplicado a outras situações semelhantes que possam surgir.
Sendo assim, os indivíduos que utilizam a língua notam que uma determinada forma de emitirem enunciados se faz eficaz em certas circunstâncias, e assim, quando presenciam circunstâncias que tragam algo em comum com as já vivenciadas anteriormente, sofrem uma grande influência de usar um tipo de enunciado semelhante. Através do tempo e das repetições, originam-se padrões e expectativas que englobam os envolvidos e os auxiliam na interpretação de circunstâncias e também na produção de enunciados. Como defende Bazerman (2006, p.23), os “gêneros são os lugares familiares para onde nos dirigimos para criar ações comunicativas inteligíveis uns com os outros.
Schneuwly (2004), relembrando as ideias de Bakhtin (1997), explica que, no momento da produção textual, o sujeito locutor/produtor escolhe um gênero em função de uma situação definida por uma série de parâmetros: finalidade (a vontade enunciativa ou o intuito discursivo do locutor), destinatários (o conjunto constituído dos parceiros), conteúdo (as necessidades da temática do objeto de sentido). Sendo assim, o gênero textual constrói uma base que serve como uma espécie de guia para uma ação discursiva. Bakthin (2007) fala que para ter sua estabilidade os gêneros textuais buscam subsídio a três elementos que os caracterizam, os quais são: o conteúdo temático, a construção composicional e o estilo.
Referente ao conteúdo temático, Schneuwly (2004) explica que o gênero define os conteúdos e os conhecimentos dizíveis por meio dele (por exemplo, é comum o gênero crônica tratar de assuntos do dia-a-dia, envolventes e de interesse de muitas pessoas; esse é o tipo de conteúdo específico para esse gênero); concomitantemente, o que precisa ser falado define a escolha de um gênero (se eu necessito escrever minha opinião a respeito de alguma matéria jornalística, eu consequentemente vou optar por escrever um artigo de opinião.
Em relação à construção composicional, refere-se a um tipo de estruturação e acabamento do todo. Ela é composta por certas organizações textuais partilhadas por manifestações de natureza linguísticas reconhecidas como integrantes de um gênero. Finalmente, o estilo que segundo Bakthin (1997, p.279) diz respeito à “seleção operada nos recursos da língua – recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais”. É importante enfatizar o fato de que o estilo não carece ser acatado como um efeito de individualidade de um falante/escritor, na verdade ele precisa ser considerado como um elemento próprio do gênero.
A junção dos três elementos citados acima constituem o gênero. Sendo assim, eles foram explanados separadamente apenas por uma questão de didática, pois todos os gêneros possuem esses três elementos não existindo possibilidade de enunciado com apenas um ou dois deles. Em concordância com isso, Bakhtin (1997, p.279) afirma que o conteúdo, a construção composicional e o estilo “fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado”.
Em relação à produção textual, Dolz e Schneuwly (2004) afirmam que o gênero se impõe como uma forma evidente que o enunciado a ser produzido deve tomar. Os gêneros textuais são entidades de grande poder e de acordo com Bronckart (1999), condicionam-nos a escolhas (do ponto de vista do léxico, do grau de formalidade ou da natureza dos temas) que não são aleatórias. Logo, os gêneros acabam por limitar nossa escrita. Bazerman (2005) complementa versando que o formato padrão do gênero nos dá um rumo em dois sentidos, sendo um em relação a qual informação apresentar e o outro de como apresentá-la.
Da mesma maneira, Antunes (2002) explana que na leitura os gêneros possibilitam a projeção e também o enquadramento das interpretações que o sujeito ouvinte/leitor do texto realiza, ao mesmo tempo em que atuam como uma orientação capaz de fazê-lo enxergar o suficiente para se construir uma compreensão global do texto. No âmbito desse assunto, Bakhtin (1997) assegura que todos nós exercemos domínio sobre um rico repertório de gêneros do discurso (orais e escritos) e consequentemente nos sentimos a vontade para utilizarmos com segurança e desenvoltura.
Ao ouvir a fala do outro, sabemos de imediato, bem nas primeiras palavras, pressentir-lhe o gênero, adivinhar-lhe o volume (a extensão aproximada do todo discursivo), a dada estrutura composicional, prever-lhe o fim, ou seja, desde o início, somos sensíveis ao todo discursivo que, em seguida, no processo da fala, evidenciará suas diferenciações (p. 302).
Ou ainda:
É de acordo com nosso domínio dos gêneros que usamos com desembaraço (...) que realizamos, com o máximo de perfeição, o intuito discursivo que livremente concebemos (p. 304).
Entendemos que nosso conhecimento construído a respeito do gênero nos dá sustentação para que possamos distinguir no primórdio de um ato de comunicação de caráter (oral ou escrita), o gênero a ser usado, seu tema, sua estrutura composicional e, conforme notamos isso a troca verbal ganhará forma, ou seja, se concretizará. Os usuários da língua possuem um saber intuitivo acerca de que as formas textuais necessitam encaixar-se à situação de interação. Antunes (2002) afirma que as pessoas possuem um saber intuitivo a respeito dos gêneros e que a capacidade de identificação e uso dos gêneros é parte do conhecimento de mundo. Nesse sentido, o domínio dos gêneros possui uma dimensão cognitiva. Bazerman (1994, p.134) salienta que o fato de as pessoas dominarem os gêneros é uma condição fundamental para a própria existência do gênero, ou seja, “uma forma textual que não é reconhecida como sendo de um tipo, tendo determinada força, não teria status nem valor social como gênero. Um gênero existe apenas à medida que seus usuários o reconhecem e o distinguem”.
De acordo com Bakhtin (1997), a respeito da padronização dos gêneros textuais existe uma distinção entre os gêneros primários e os gêneros secundários. É importante enfatizar que, segundo Rodrigues (2005), o critério usado por Bakhtin para diferenciá-los não é funcional, e sim histórico, baseado na concepção socioideológica da linguagem, mais especificamente na diferenciação entre ideologias do cotidiano e as ideologias estabilizadas e formalizadas.
Nos gêneros secundários encontramos uma complexidade. Derivados de uma situação discursiva mais complexa, organizada e relativamente mais evoluída, em um ambiente de crenças mais formais e especializadas, tidas como mediadoras diante das interações sociais nas esferas artística, científica, religiosa, jornalística, escolar etc. Contrariamente, os gêneros primários são mais simples, ao ponto que os mesmos são constituídos em condições de comunicação verbal imediata e espontânea, no âmbito da ideologia do dia-a-dia (ideologias que fogem da formalidade e sistematicidade).
A respeito do empenho de alguns estudiosos em identificar e classificar os gêneros, concordamos com Bazerman (1984, apud MARCUSCHI, 2008) quando ele enfatiza que não é possível estabelecer taxonomias ou até mesmo classificações duradouras. Nossas identificações de formas genéricas terão sempre curta duração, pois os “gêneros são o que as pessoas reconhecem como gêneros a cada momento do tempo.” (p. 16). Marcuschi (2008) apoia essa ideia e afirma que os gêneros não são classificáveis como formas puras nem podem ser catalogados de maneira rígida.
Relativo ao aspecto citado acima, o teórico Bronckart (1999) alega que os gêneros textuais são entidades que em sua profundidade encontram-se vagas. Fala ainda que as classificações existentes são divergentes e parciais, e que nenhuma delas pode ser considerada um modelo de referência estabilizado e dotado de coerência. Ele atribui essa dificuldade de classificação a pelo menos dois motivos. O primeiro motivo é em relação à variedade de critérios para definir um gênero. Segundo Bronckart (1999, p. 73),
Critérios referentes ao tipo de atividade humana implicada (gênero literário, científico, jornalístico etc.); critérios centrados no efeito comunicativo visado (gênero épico, poético, lírico, mimético etc.); critérios referentes ao tamanho e/ou natureza do suporte utilizado (romance, novela, artigo de jornal, reportagem etc.); critérios referentes ao conteúdo temático abordado (ficção científica, romance policial, receita de cozinha etc.).
Marcuschi (2008, p. 164) do mesmo modo em seus estudos indica os critérios que, segundo ele, usamos para dar nomes aos gêneros textuais e enfatiza a possibilidade de muitos deles atuarem em conjunto.
1. forma estrutural (gráfico; rodapé; debate; poema);
2. propósito comunicativo (errata; endereço);
3. conteúdo (nota de compra; resumo de novela);
4. meio de transmissão (telefonema; telegrama; e-mail);
5. papéis dos interlocutores (exame oral; autorização);
6. contexto situacional (conversação espontânea; carta pessoal).
Bronckart (1999) relata que o critério mais objetivo que poderia ser utilizado para identificar e classificar os gêneros seria tomar como base as unidades e as regras linguísticas específicas que eles mobilizam. No entanto, ele adianta que a aplicação desse critério não é plausível, visto que um gênero pode ser composto por vários segmentos distintos.
Reavendo a discussão a respeito da dificuldade de classificação do gênero devido à diversidade de critérios utilizados, apontada por Bronckart (1999), podemos concluir que, dentre os vários aspectos que envolvem os gêneros e que podem ser usados para defini-lo, há um consenso entre vários autores de que a funcionalidade é o elemento primordial nesse processo.
Essa dificuldade de classificação, segundo Bronckart (1999), decorre ainda de um segundo motivo: o caráter fundamentalmente histórico e adaptativo dos gêneros. Devido a eles se multiplicam e se modificam à medida que a esfera de circulação onde eles atuam se desenvolve e se complexifica. Marcuschi (2008) explica que o gênero é flexível e variável, da mesma forma que seu principal componente – a língua. Isso porque, através da variação da língua, os gêneros também mudam. Portanto, eles desenvolvem-se de maneira dinâmica: eles variam, fundem-se, misturam-se, adaptam-se, modificam-se e renovam-se para manter sua identidade funcional com inovação organizacional. Cada novo gênero aumenta e influencia os gêneros da esfera social onde atua, multiplicando-se. Alguns gêneros tendem a desaparecer devido à ausência das condições sociocomunicativas que os geraram, assim como gêneros já desaparecidos podem reaparecer sob formas parcialmente diferentes.
Concomitantemente, como aponta Bronckart (1999), a emergência de novos gêneros pode estar relacionada ao surgimento de novas motivações sociais, ao aparecimento de novas circunstâncias comunicativas ou ao aparecimento de novos suportes de comunicação. Porém, Marcuschi (2008) salienta que nem sempre temos um gênero essencialmente novo. Devido ao fato de que gêneros novos também surgem a partir de outros, de acordo com as novas necessidades, atividades ou tecnologias que vão emergindo. Os gêneros se imbricam e se interpenetram para construírem novos gêneros e, assim, solidificam-se novas formas com novas funções.
Para concluir a reflexão sobre os gêneros textuais, é importante ainda citarmos sobre sua relação com a realidade social. Marcuschi (2008) salienta que não podemos manuseá-los independentemente de sua ligação com as atividades humanas em todas as esferas. Eles são parte integrante da estrutura comunicativa de toda sociedade, na medida em que ajudam a estruturar as ações de uma comunidade e a intermediar as práticas sociais. Permitem, assim, lidar de maneira mais estável com as relações humanas em que a linguagem é utilizada. É justamente nesse sentido que Miller (1994, apud CARVALHO, 2005) aponta os gêneros como categorias operativas e instrumentos globais de ação social. Ainda segundo essa estudiosa, o gênero é um mecanismo de estruturação e interação que regula as ações comunicativas individuais e o sistema social, sendo o elo e o mediador entre o particular e o público, entre o indivíduo e a comunidade.
Portanto, o estudo dos gêneros textuais consente enfatizar a língua em funcionamento nas mais variadas atividades de cunhos sociais e culturais. Para concluir este tópico, vamos adotar as palavras de Marcuschi (2008) e fazer um breve apanhado das principais características definidoras dos gêneros.
Resumidamente, poderia dizer que os gêneros são entidades: a) dinâmicas; b) históricas; c) sociais; d) situadas; e) comunicativas; f) orientadas para fins específicos; g) ligadas a determinadas comunidades discursivas; h) ligadas a domínios discursivos; i) recorrentes; j) estabilizadas em formatos mais ou menos claros. (p. 159).
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