quinta-feira, 9 de julho de 2015

Joseph Mitchell, Joe Gould e o elogio à escuta

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Por Germano Xavier


“A melhor conversa é sem arte, sem cálculo.”
(Joseph Mitchell)


Joseph Mitchell foi um dos grandes jornalistas do século XX - há quem diga que foi o maior jornalista do século passado e outros que afirmam veementemente que ele foi o maior jornalista de todos os tempos. Eu não saberia precisar se tal afirmação é certeira, mas Mitchell foi, sim, um jornalista estupendo e realmente raro. Tinha faro, mas fazia questão de farejar tudo lentamente. Um homem, um artista das palavras, a quem devemos todo o nosso respeito.

Decerto, o legendário integrante da redação da New Yorker não se adaptava facilmente ao trabalho, era o trabalho que havia de se adaptar a ele. Processava os fatos antes de escrevê-los, coisa rara no meio periodístico dos dias atuais. Não foi, jamais, um jornalista comum. Sua maior característica era, talvez, a capacidade de escutar o outro e o mundo, como bem destacou João Moreira Salles em posfácio escrito para a obra O SEGREDO DE JOE GOULD, obra máxima de Mitchell.

Gould, como escreveu o consagrado jornalista da Carolina do Norte, nascido em 1908 e falecido em 1996, foi um “homenzinho alegre e macilento, conhecido em todas as lanchonetes, tabernas e botecos imundos do Greenwich Village há um quarto de século” e que às vezes se gabava por ter sido “o último dos boêmios”. Um homem com alma de menino e alado, um artista da loucura e da lucidez, a quem devemos, também, todo o nosso respeito.

Além de piolhento, ranzinza, de ingerir litros e mais litros de Ketchup sempre que podia, de saber falar a língua das gaivotas e de ter sido aquele que escreveria a obra mais fantástica e abrangente do universo, por ele intitulada de UMA HISTÓRIA ORAL DE NOSSA ÉPOCA, Gould foi a razão existencial de Mitchell. Não seria funesto dizer que Mitchell não teria sido Joseph Mitchell se não fosse Joseph Ferdinand Gould e vice-versa. Os dois, em vida, completar-se-iam ad infinitum.

Por décadas, os dois travaram conversas e discussões que, ao fim, resultaram em dois dos mais famosos e relevantes textos de Mitchell e, por conseguinte, do New Journalism norte-americano: os perfis “O professor Gaivota” e “O segredo de Joe Gould”, ambos com base na saga de Gould. De um lado, Gould e todo o seu mistério. Do outro, Mitchell e sua monumental paciência. Os dois, irremediavelmente, terminariam conflagrando-se numa das mais fantásticas histórias reais envolvendo um entrevistador e um entrevistado já existentes.

Escutar o outro – o ser entrevistado, matéria de suas palavras -, para Mitchell, significava uma questão de sobrevivência, de ética e, acima de tudo, de amor. Quando imiscuído em um novo projeto, jamais pretendia encurtar caminhos. Era um apaixonado pela demora, pelo critério das pausas, pelos sons que não se ouvem facilmente, pelas falas que atravessam horas a fio, pelos ritos do ir e vir sem ter de necessariamente se chegar a algum lugar. Não fosse o amor de Mitchell pelo fazer jornalístico natural e puro, Gould fatalmente viveria numa bolha de memória comum com data marcada para se desfazer no ar. Mitchell, para Gould, foi o arrebol. Gould, para Mitchell, o prato da eternidade.


*  Imagem: http://edfayette.com/2014/03/

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