quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Marguerite Duras e a memória amante

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Por Germano Xavier


Amigos, leitores de literatura ou não, é já sabido, pois: a palavra é um ser vivo, como a parafrasear o grande Victor Hugo. “Tão vivo que se transforma, se ajusta, se articula, se combina, de acordo com os humores do seu manipulador ou ante as exigências do texto (oral ou escrito)”, como diria Maria Teresa Gonçalves Pereira em seu texto A Língua Portuguesa e a leitura: Convergências no ensino e na vida. A palavra é também o tempo. E foi, sim, o tempo de Marguerite Duras. “Muito cedo na minha vida ficou tarde demais. Quando eu tinha dezoito anos já era tarde demais. Entre dezoito e vinte e cinco meu rosto tomou uma direção imprevista. Aos dezoito anos envelheci” (DURAS, 1985, p. 7).

Assim, assaz, muito é o tempo e muito é a palavra. Demasiado é o tempo para Marguerite Duras, que confessa a nós um tanto-imenso de sua adolescência em O Amante, livro dos mais-mais saídos de sua verve. O tempo que revela o próprio tempo das coisas, das coisas que também são as palavras. Palavras. Como acontecimentos. O tempo que elabora e desvela a vida. O tempo que ilumina. A palavra que abarrota. Mas quem terá sido a menina amada pelo amante do livro? Seria ela mesma, a autora? A narradora duvida de seu próprio tempo enquanto ser vivo: “Aquele rosto, novo, eu o conservei. Foi o meu rosto. Envelheceu também, é claro, mas relativamente menos do que devia. Tenho um rosto lacerado por rugas secas e profundas, sulcos na pele. Não é um rosto desfeito, como acontece com pessoas de traços delicados, o contorno é o mesmo mas a matéria foi destruída. Tenho um rosto destruído” (DURAS, 1985, p.8).

A face destruída da menina é o retrato do tempo. Um portfólio de suas palavras. Mas que rosto é esse que tanto viu e viveu? Quem é a dona da palavra vida? “Não, aconteceu alguma coisa quando fiz dezoito anos que moldou este rosto que tenho agora. Devia acontecer durante a noite. Eu tinha medo de mim, tinha medo de Deus” (DURAS, 1985, p.11). O medo fala? O que fala a treva de nós mesmos? O que cala? “A história da minha vida não existe. Ela não existe. Jamais tem um centro. Nem caminho, nem trilha” (DURAS, 1985, p.12). Só pelo centro da vida é que contamos nossa vida? O que está no centro? Duras fala o que quer falar, quer o que vive: enredo, história, o modo como se narra a memória, a escolha das palavras que tecem o texto, sem limite, limpo, rígido, sem constrangimento, doce.

Cuidado. Pode não ser o que você pensa. “Comecei a escrever num ambiente que me obrigava ao pudor. Escrever, para eles, era ainda moral. Hoje, muitas vezes escrever pode parecer não significar nada. Por vezes sei disto: a partir do momento em que não for, confundidas todas as coisas, ir ao sabor da vaidade e do vento, escrever é nada. A partir do momento em que não for, sempre, a confusão de todas as coisas numa única por essência inqualificável, escrever é nada mais que publicidade. Mas na maioria das vezes não tenho opinião sobre isso, vejo que todos os campos estão abertos, que não haverá mais muros, que não haverá mais muros, que a palavra escrita não saberá mais onde se esconder, se fazer, ser lida, que sua inconveniência fundamental não será mais respeitada, mas nem penso mais nisso” (DURAS, 1985, p.12). Mais dúvida: escrever é nada? Quem lê não enxerga além? A leitura é uma prática que faz pensar, falar, comunicar, sentir. Quando lemos, muito além do conteúdo, estamos a observar a forma das coisas, as palavras do tempo, as disposições das frases, dos parágrafos, os demais elementos, todos, unidos, constituídos e constituintes. Para Marguerite, escrever não era nada. Escrever era tudo. Por isso, escreveu. Por isso, principalmente, viveu, amou. Suponho.

A menina do livro não responde nada. Ela antevê. Ela é prisma. Assim como a palavra de Duras, que deflagra todos os processos, que explora todas as possibilidades. “A palavra age quando encontra (quem) outra que a provoque, obrigando-a a livrar-se do conformismo, se (re)descobrindo em novos sentidos. Não há vida onde não há luta”, regozija Maria Teresa Gonçalves Pereira. Estará certa? A menina no livro luta. Ferve. O amor é um lutar, quando não um luto. Descreve. “A pele é de uma doçura suntuosa. O corpo. O corpo é magro, sem força, sem músculos, podia ser o corpo de um doente, de um convalescente, ele é imberbe, sua única virilidade é a do sexo, é muito fraco, parece estar à mercê de um insulto, parece sofrer. Ela não olha para o rosto. Não olha. Só o toca. Toca a doçura do sexo, da pele, acaricia a cor dourada, a novidade desconhecida. Ele geme, chora. Dominado por um amor abominável” (DURAS, 1985, p.44). Eis o amante. Eis o amor?

“Juro por minha vida que nada aconteceu, nem mesmo um beijo. Como é possível, eu digo, com um chinês, como quer que eu faça alguma coisa com um chinês, tão feio, tão raquítico?” (DURAS, 1985, p.66). Seria o amor possível assim pensado, possível? Seria o amor capaz de ir além-muros? Que tipo de amor é o ilustrado por Marguerite Duras em O Amante? Quem, afinal, ama? “O amante de Cholen perdia-se no prazer da adolescência da menina branca. Esse prazer que desfrutava todas as noites tomava todo o seu tempo, toda a sua vida” (DURAS, 1985, p.108). O que é, deveras, o amor? Explica-se? Mede-se? “Ele a abraça como abraçaria sua filha. Abraçaria a filha do mesmo modo. Brinca com o corpo da filha, faz com que se vire, cobre-lhe de beijos o rosto, a boca, os olhos. E ela, ela continua a se abandonar, seguindo a direção exata determinada por ele no começo do jogo” (DURAS, 1985, p.110).

Sentir não é uma decisão. Sentir é uma ordem. Uma ordem do instante. Se não for assim, simples, não é sentir. Necessário, faz-se, jogar-se. Banhar-se. Afundar-se. “Penso que minha vida começou a desvendar-se para mim. Penso que já começo a me conhecer, tenho já o vago desejo de morrer” (DURAS, 1985, p.113). O amor é um espanto. Rota. Amores. Sempre díspares. Quem ama? O que ama quem ama? Quantos tipos de amor existem? “O corpo do meu irmão havia morrido. A imortalidade morrera com ele. E assim caminhava o mundo agora, privado desse corpo visitado, e dessa visitante. Todos tinham errado completamente. O erro percorreu todo o universo, o escândalo” (DURAS, 1985, p.114).

Quantos tipos de amor são possíveis? “Seria preciso avisar as pessoas dessas coisas. Ensinar que a imortalidade é mortal, que ela pode morrer, que já aconteceu, que acontece ainda. Que ela não se anuncia por si mesma, nunca, que é a duplicidade absoluta. Que não existe no detalhe, mas somente no princípio. Que certas pessoas podem contê-la em si, desde que ignorem o fato. Assim também outras pessoas podem descobrir sua presença nos outros, com a condição de ignorarem seu poder. Que é enquanto se vive que a vida é imortal, enquanto ela está viva. Que a imortalidade não passa de uma questão de mais ou menos tempo, que não se trata de imortalidade, mas de outra coisa ignorada” (DURAS, 1985, p.115).

Em O Amante, livro vencedor do Prêmio Goncourt de 1984, Duras esclarece parte de uma memória extremamente particular invadida pela própria vida, que teima em violar os laços aparentemente inquebrantáveis do ser que tecem o novelo de todas as criações humanas, feitas de passos, fugas e revelações. Um livro singelo, rude, com gosto de vinho e cheiro de mar. Mar-alto.


* Imagem: http://www.deviantart.com/art/Marguerite-Duras-412423150

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

As coisas cegas e inteligentes de Matheus Rocha (uma entrevista)

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Por Germano Xavier


"Quem diria que naquele espaço estéril, encardido e pálido do apartamento aquilo ia acontecer – não sei o que aconteceu, e se aconteceu. Tudo isso podia ser só invenção, mera especulação descarnada do plano físico. Mas sabia, desde já, que aquela coisa ia virar referência: ia ser tatuagem, cicatriz, mancha, massa sem fermento ou qualquer coisa que o valha. Eram os olhos abertos, a boca pronunciando e provocando, os lábios se chocando maciamente, e tudo isso se avolumando, se encorpando – condição humana. Não era amor, não é e não será. Amor desumaniza. Era o que tinha que ser. E o que podia ser?”

Impossível não citar o excerto supracitado. A autoria é do Matheus Rocha, um “caba” novo lá de Garanhuns, Pernambuco, e seu livro de estreia na literatura é o INTELIGÊNCIA DAS COISAS CEGAS (u-Carbureto, 2015). Novo de idade, o sujeito parece bem mais velho na escrita. Velho, sim, mas velho de se dizer experiente. A obra é um pequeno compêndio de “onze contos e uma narrativa mais longa”, como o próprio autor definiu na apresentação.

O retalhe posto em evidência é apenas uma demonstração da escrita madura do autor, caminhante-camarada de dois outros grandes nomes da literatura garanhuense, Mário Rodrigues, que recentemente ganhou o Prêmio Sesc de Literatura 2016 com o livro de contos RECEITA PARA SE FAZER UM MONSTRO, e Hélder Herik, que levou o Prêmio Pernambuco de Literatura de 2014 com o livro A ARTE DE RUMINAR PALAVRAS. Tais nomes ainda se juntam ao de Dominguinhos e ao de Luís Jardim, dois fenômenos artísticos da cidade.

No trato do conteúdo do livro, o autor parece revisitar um conjunto de memórias dolorosas da vida, de uma vida, real ou não, e não se importa em nos revelar tudo com detalhes. O tom geral dos contos é de angústia. Algo parece não estar bem com as personagens e, por consequência, com o todo das narrativas. O leitor embarca, assim, numa viagem por dentro de brumas nada epifânicas. Como se Matheus não quisesse ensaios ou, como ele mesmo escreve na décima quinta página, “como se eu quisesse viabilizar uma estranheza permanente em cada linha...”.

Muito gentilmente, Matheus concedeu uma pequena entrevista a este que vos fala. Segue...


ENTREVISTA COM O AUTOR

Germano Xavier - O canal Redemunhando, do Youtube, listou uma sequência de temas ligados ao INTELIGÊNCIA DAS COISAS CEGAS, seu primeiro livro, a citar “solidão, insegurança, incerteza, morte, amor, desejo, desamor”. Do que trata o seu livro, Matheus?

Matheus Rocha – Inteligência das Coisas Cegas é um livro angustiado, sim. Pesado, inclusive. A Natasha acertou demais quando usou Back to Black, da Amy, como um eco do livro. É muito de como ele aconteceu. Foram três anos escrevendo, reescrevendo, mexendo nos contos. Eu diria que é um livro sobre dar adeus apenas com palavras – usando uma frase da própria música. É tudo isso em latência. Tá ali, às vezes explícito, às vezes implícito.

Germano Xavier - Helder Herik, escritor garanhuense, diz num vídeo-resenha no Youtube que a sua literatura provoca um “buscar”. Afinal, o que sua literatura busca?

Matheus Rocha – Não sei bem, ainda. Meus contos são muito pessoais – obviamente, a única experiência que posso ter é a minha própria e isso acaba sendo indissociável da literatura que produzo. E, geralmente, eles me tomam completamente e não dão espaço pra outras coisas. Passo semanas cozinhando histórias, convivendo com personagens até que eles se escrevam. Não paro muito pra saber ou perguntar o que busco, ou o que os contos buscam. É um processo muito vasto. Acho que essa busca é uma ressonância em quem lê. Talvez os leitores saibam mais disso do que eu.

Germano Xavier - Fale-nos de seu blog, o NA SOLIDÃO DAS VEIAS...

Matheus Rocha – O Na solidão das veias é um blog (parado, no momento) que criei pra colocar algumas impressões de leitura. Leio sempre e bastante, colocando metas de leituras mensais e anuais. Tenho pais professores, cresci rodeado de livros. Então, nada mais certo do que continuar com esse movimento. Geralmente, escrevo sobre livros que me afetam e me movem. Isso de elaborar literatura sobre literatura é um exercício interessante e importante. Hoje não tenho feito muito isso – acabo tragando todas as referências para os contos do próximo livro, e não numa coisa mais resenhista, mesmo.

Germano Xavier - No conto intitulado DUAS EPÍSTOLAS, você escreve: “Enquanto a distância for maior que o alcance das mãos, sim vou escrever”. A literatura tem alguma serventia, Matheus?

Matheus Rocha – A rigor, não. Nenhuma. E acho que isso é o mais importante, mesmo. Ela não é uma coisa que precise ter serventia. Ela é um caminho possível – que não tenho ideia da onde vai levar, isso só se sabe caminhando, mesmo.

Germano Xavier - Alberto Moravia, certa feita, disse que toda literatura é antissocial. Concorda com essa afirmação?

Matheus Rocha – Penso que sim. Escrever é algo muito solitário. Leitura também. Você tá sozinho, de cabeça baixa, lendo. Ou escrevendo. A forma como te afeta, como te move, já é outra coisa. É outro momento, já. Então, enquanto prática social, é sim terrivelmente antissocial.

Germano Xavier - Por que escreve?

Matheus Rocha – Por pura necessidade. Uma hora, é como se a literatura aprisionasse, segregasse e obrigasse à ter uma espécie bem dark e herege de vida. Pra ter o que produzir. Necessariamente, não é doloroso e nem precisa ser. Mas não é legal, não é feliz escrever e precisar disso. Eu escrevo, inclusive, por excesso. Tiro todas as referências da minha vida, mesmo. Claro, existem as homenagens que vou deixando nos textos. Apesar de transportar a sensibilidade pros contos – impregno tudo com afetos -, o texto é pensado. É possível viver o caos e escrevê-lo ao lada dessa organização estranha que chamam de razão. No fim das contas, tudo acaba sendo artifício – a própria vida, inclusive.

Germano Xavier - Como avalia as obras de Clarice Lispector e de Caio Fernando Abreu, que parecem figurar como grandes inspirações para o seu INTELIGÊNCIA DAS COISAS CEGAS?

Matheus Rocha – O Caio F. é o meu grande amor literário. Conheci sua literatura quando tinha 15 anos. A biblioteca da escola tinha uma grande quantidade de exemplares dos Morangos Mofados. Um dia, tentando pegar um livro do Pedro Bandeira, acabou que um dos exemplares do Caio caiu na minha cabeça – literalmente. E levei pra ler. Era tão cru, tão doloroso, era tão sensível – no sentido de sentir, mesmo – que me senti completamente sugado nos contos. Ele não escreve amenidades nem essas pílulas de auto-ajuda que a gente vê nos status do Facebook ou nas fotos do Instagram. É uma literatura de desespero, de contestação, de resistência mesmo. Sempre que o leio, e leio sempre, me emociono. E escrevo. A Clarice eu conheci por conta dele. Ela era sua grande paixão literária. E acabou que aconteceu o mesmo comigo. A obra dos dois dialoga muito, embora o Caio seja muito mais apocalíptico e urbano. A bruxa Lispector tem uma obra epifânica, súbita e inexplicavelmente simples. Isso me encantou. Tudo isso tento trazer pros meus textos. E nunca escondi essas referências nos contos. São homenagens diretas e abertas aos dois. E à outros mais.

Germano Xavier - A literatura é mesmo uma forma de insurreição, como preconiza Mario Vargas Llosa?

Matheus Rocha – A partir do momento em que a gente se dá conta de que a gente vive imerso numa cultura imagética (e não necessariamente narrativa), é possível pensar na literatura como insurreição. Isso porque o que tá em jogo é ser visto. Nas redes sociais, nos eventos, e assim vai. Existem ecos disso na própria cultura literária, claro. Ainda mais num país como o Brasil, com leitores dispersos e onde prêmios formam clubinhos autorais e chancelam qualquer tipo de qualidade. Então, ler e escrever acaba sendo um ato ambíguo de resistência. Justamente por essas questões.

Germano Xavier - Fale-nos sobre o trabalho das Edições u-Carbureto e a cena lítero-cultural da cidade de Garanhuns-PE.

Matheus Rocha – A u-Carbureto começou como um jornal literário. O trio de ferro aqui da cidade - Helder Herik, Mário Rodrigues e Nivaldo Tenório – inventaram o jornal pra ter um espaço literário por aqui. Acabou que virou um pequeno selo editorial independente, onde começaram a publicar suas obras. Ganhou notoriedade no estado, pela qualidade da edição e, obviamente, da literatura produzida por aqui. Logo que me lancei nessa desventura literária, os três abriram as portas do selo e lancei por ele. O próximo, que sai ano que vem, também leva o selo em negrito. A insistência e iniciativa dos três foi um impulso importante pra quem produz literatura por aqui. Pra além, claro, da herança de Luís Jardim – indispensável leitura. Em termos de literatura, Garanhuns já mostrou o peso que tem. Helder e Paulo Gervais, recentemente, levaram o Prêmio Pernambuco de Literatura. Mário trouxe o Prêmio Sesc, um prêmio nacional – do qual ele já tinha a menção honrosa. Outro que figurou nas menções honrosas foi Wagner Marques e seu isso que escorre, uma coletânea brutal de contos. E você, Germano. Tem Fernanda Limão, uma poeta maravilhosa. Uma poesia de toque, mesmo. Alexandre Revoredo, idem. Além de poeta de mão cheia, um músico e tanto. Leo Noronha e sua Neander, um espetáculo à parte. Andrea Amorim, claro. Outra explosão maravilhosa daqui. E Marcelo Francisco, que tem uma adaptação teatral de um dos contos que mais gosto do Caio F., dama da noite. Vale demais ver. O que me incomoda profundamente, nesse cenário todo, é a cidade não dar a mínima pra todo mundo. Com todo esse peso literário, Garanhuns não tem UM festival de literatura. Apesar da cena ser bem clara e ativa, ainda existem algumas ilhas – inclusive entre quem produz arte aqui. Talvez seja ingenuidade pensar numa unificação e fortalecimento – no fundo, tá todo mundo muito só, mesmo.

Germano Xavier - Michel Temer, Donald Trump, Jair Bolsonaro... o que nos reserva o futuro, Matheus?

Matheus Rocha – Acho que não precisa ir muito pra frente pra sentir o que nos reserva. Tá tudo muito escancarado. As neuroses todas transbordando. Preparem seus punhais, amigos.



* Imagens: Google.

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Sigamos, bucaneiros!

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Por Germano Xavier


Veredito final para a manhã do dia 24 de novembro de 2016: 

Mestre em Letras pela Universidade de Pernambuco, minha querida UPE. Um salve ao meu orientador Dr. Elcy Luiz da Cruz, à coorientadora Dra. Amara Cristina de Barros e Silva Botelho e aos examinadores Dr. Kleyton Ricardo e Dra. Jaciara Gomes. Agradecer aos colegas de mestrado pela intensa partilha, ao coordenador do programa, professor Dr. Benedito Bezerra, a todos que fazem a UPE/Campus Garanhuns e a todos que, de uma forma ou de outra, contribuíram para este momento. Foram 2 anos de muitas batalhas enfrentadas e vencidas. Em mim, a certeza de que tudo vem no tempo certo, no tempo certo de cada um. Agora é olhar para frente e, com calma, trilhar caminhos para se chegar aos próximos passos dessa jornada acadêmica. Deus é grande. A literatura é a minha arma para melhorar o mundo. Sim, melhorar o mundo é possível. Sigamos, bucaneiros!



















* Imagens: Vida.

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Poema-Trump

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Por Germano Xavier



ogivas em marcha, homens
à prancha: a flor com náusea
está para (re)nascer!


* Imagem: http://www.deviantart.com/art/Trump-Nightmare-601518563

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Os engenhos da máquina do mundo

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Por Germano Xavier


"Atravesso a noite
lírico:
sou poêmio."

(Trecho de POEMIA, de Wilson Pereira)



Marcelo Mourão, poeta carioca, publicou em 2016 o livro de poemas MÁQUINA MUNDI. O livro é dividido em cinco partes, intituladas na seguinte sequência: A máquina do mundo ou O mundo da máquina, As engrenagens de Eros, Os mecanismos poéticos, Os engenhos de dentro e A máquina de interrogações. Todos os capítulos, por assim dizer, juntos, elaboram uma visão sobre a atualidade, sobre a realidade das relações humanas que vigoram no hoje e terminam por esboçar uma visão de mundo autêntica acerca do que se passa com o agora da humanidade.

Mourão é feliz ao escolher as palavras com que narra suas angústias e medos, pois sentidos vivos por demais expressivos podem ser visualizados desde as primeiras páginas. Beijando a face de filósofos e escritores de rara estirpe, num jogo de alusões e de referencialidades bem direcionadas, o poeta, que também é um dos idealizadores do Sarau POLEM (Poesia no Leme), retrata a doença da modernidade com olhos sinceros e ao mesmo tempo simples. O resultado é um corpo poético onde cabem várias forças orgânicas de imaginação e de existência.

MÁQUINA MUNDI é um pequeno tratado poético que intenta, ao fundo, a promoção de um senso de resistência. Resistir, convenhamos, é tão essencial hoje em dia quanto respirar. Num mundo onde a informação desinforma, onde amor desanda e agride, onde o homem decide desumanizar-se para chegar ao topo (dos nadas), onde o maior peso é o de não-ter, a poesia de Mourão escancara a certeza de que a dúvida está muito presente no ser (humano) do homem contemporâneo. O mundo, sabemos, espera já cansado um ressurgimento, um rebrotamento. A arte, esmagada pelas catástrofes diárias, inclina-se, doente, para o horizonte dos quandos.

Assaz assim, há quem comporte a absoluta resolução dentro de si acerca da função inutilitária conferida à poesia, não raras as vezes colocando-a num rol onde se despejam sandices e alumbramentos vãos. Todavia, é sendo esse acessório aparentemente “inútil” que a boa poesia revela-se tal qual um grande artefato de luta e de rebeldia. A poesia contida nos engenhos de dentro de MÁQUINA MUNDI não instaura um manual para bons comportamentos nem está a serviço da ordem da informação seca, antes se pronuncia enquanto conjunto de mensagens sobre o desconforto da vida moderna.

Inusitado, MÁQUINA MUNDI explica o inexplicável, o mundo que perdeu o rumo, o homem que naufragou nas águas do tempo, o tempo que está sem receber a corda necessária. Mourão nos faz recordar aqui as palavras de Louis Guillaume, que dizia crer “que numa sociedade a poesia não serve para nada, e nisso é que está seu valor”. Sim, a poesia, de quem quer que seja, não serve para nada nem jamais servirá. Mas é somente ela, a boa poesia - este deus-ser ilógico e sublime -, que tem a potência e a sagacidade de nos prestar para tudo.

(Oficina Editores, 2016)

* Imagem: http://www.deviantart.com/art/Black-Light-81834879

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

A palo seco (ou O melhor baile que não dancei)

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Por Germano Xavier

Para Belchior, selvagem homem de corações.



A casa da minha melhor infância era grande, de vários cômodos, duas salas imensas, uma dedicada somente às esporádicas visitas. Esta, a maior, vivia sempre arrumada e com um ar solene misto de silêncio e inacessibilidade. Lembro muito bem. Meados dos anos 90, eu já entendedor das coisas, um gosto musical amadurecendo por dentro. No centro da sala, encostado à parede branca, ao lado da porta principal da casa, um imponente Gradiente 3 em 1. Entrei na sala descalço. Piso gelado de um dia bom na minha Chapada Diamantina. Toquei o botão Power. Pequenas luzes por toda a face do aparelho beliscaram com brilho o mofo do tempo. Naquele dia, minha professora de português, de nome Dalva, havia me emprestado um disco que tinha um homem bigodudo na capa. “Você vai gostar”, disse ela ao me passar o objeto.

Nessa época eu começava a esboçar, dentro e fora do ambiente escolar, um certo gosto pela leitura e pela escrita. Gosto é só um modo de falar, pois para mim era mesmo uma grande obsessão. Claro que fiquei surpreso. Do nada, a professora me emprestara um disco pessoal. Logo após o almoço, fui ter com todo aquele mistério. Mistura de curiosidade e apreensão. Levantei a tampa, posicionei o LP na pista plástica circular, ajustei a agulha, xiiii... Som! “Se você vier me perguntar por onde andei/No tempo em que você sonhava/De olhos abertos, lhe direi:/Amigo, eu me desesperava/Sei que assim falando pensas/Que esse desespero é moda em 76/Mas ando mesmo descontente/Desesperadamente eu grito em português/Mas ando mesmo descontente/Desesperadamente eu grito em português”...

A música entrando na alma e meus olhos vidrados na capa, fitando a letra da canção, os detalhes, as cores, os melindres, os alcances dos sentidos que me formavam e que borbulhavam como um grande astro em fervura, arrastando-me dali em questão de segundos. “Belchior”, eu li. “Belchior”. “A palo seco”. “Que será que significa?” A música tocando. “A palo seco”. “Tenho vinte e cinco anos/De sonho e de sangue/E de América do Sul/Por força deste destino/Um tango argentino/Me vai bem melhor que um blues/Sei que assim falando pensas/Que esse desespero é moda em 76/E eu quero é que esse canto torto/Feito faca, corte a carne de vocês/E eu quero é que esse canto torto/Feito faca, corte a carne de vocês”...

Aquele canto torto, feito faca, cortando na pele, a pele que é deveras a parte mais profunda da gente, aquela voz desesperada a me revelar uma tonalidade de mundo bem mais forte da que eu suspeitava até então... “Belchior”, eu lia. “Belchior”, eu repetia aquele nome desordenadamente. A sala, naquele instante, havia sido preenchida por uma espécie de espuma invisível, que tomava conta dos quatro cantos a formar uma câmara acústica de tal modo perfeita que todos os sons imprestáveis do mundo haviam dado lugar à mensagem que aquela voz me trazia. Mensagem de rebeldia, de pertencimento, de chão, de poesia, de humanidade, de sensibilidade, de veracidade, de engrandecimento, de simplicidade. Dessa forma, e durante todo o disco, como um encontro às avessas, marcado pelo espanto alegre, escutei Belchior pela primeira vez em minha vida. E aquilo me soou como uma voz ancestral, meio mágica, meio mítica.

Dali em diante, Belchior faria parte de minhas andanças pelo mundo tal qual um oráculo sempre presente e prestes a aconselhar-me sobre minhas próprias forças individuais, sobre minha identidade, sobre meus passos. Já homem, crescido em meus pra-lá de 20 anos, estudante em terras estrangeiras, fiquei sabendo por telefone que aquele músico fantástico e tão amado por mim iria se apresentar no tradicional festejo de São João da cidade baiana de Iraquara, minha terra natal. Impossibilitado de ir vê-lo se apresentar, por inúmeros fatores, acabei escutando-o à distância, num compasso que transcendeu uma vontade irrefreável. 

Tempos depois, vi algumas fotos do Belchior no pequeno palco montado no meio da praça Péricles Gama, empunhando seu violão selvagem e sua voz forte nordestina erguida numa jaqueta jeans de grosso pano. Vi, também, que ele até posou com moradores conhecidos do lugar que me viu nascer após o show. Certo é que jamais esqueci aquelas imagens. Era Belchior sob o céu estrelado da minha Iraquara. Era uma rota aberta no meio do meu espanto. Uma trilha salpicada de dores e amores a partir de um coração rebelde fincado na história de minha própria vida. Uma estrela que não vi passar, mas que senti, a palo seco, feito fúria engolida às vésperas de toda uma particular criação, como a iluminar o canto úmido de vida que há em minhas palavras.


* Imagem: http://www.deviantart.com/art/Belchior-251954440

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Menina a caminho

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Por Germano Xavier

em diálogo com o conto Menina a caminho, de Raduan Nassar.



menina a caminho
sem caminho
menina sem carinho
menina sem arzinho
de menina a menina
a caminho do ventre seco
da vida, da madrugada alheia
a caminho da tarde sem seda
menina-descaminho
menina sem menina dentro
nem fora, menina com fome
de ser menina
a menina, ser, quer ser
caminho


* Imagem: http://www.deviantart.com/art/Aldeia-da-Roupa-Branca-156185887

Nada muito sobre filmes (Parte XXVIII)

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Por Germano Xavier



THINNER

Um advogado tem muita dificuldade para emagrecer. Certo dia, é vítima de uma maldição “fatal” após atropelar uma velha cigana. A maldição? Emagrecer até a morte! Aí começa uma corrida contra o tempo. É preciso reverter a maldição. Mas, como fazer isso? THINNER é um terror dirigido por Tom Holland em 1996. O filme é baseado num conto de Stephen King, que está presente em uma das cenas do longa. Não me surpreendeu.


A VOLTA DOS MORTOS VIVOS

De 1986, dirigido por Dan O'Bannon. Um vazamento de gás, de procedência muito esquisita e causado por dois funcionários de um armazém de produtos médicos, misteriosamente faz com que os mortos de um cemitério próximo retornem à vida. O filme é muito trash. À época, deve ter sido legal de ver. Hoje, dói de tão bizarro.


OS OITO ODIADOS

Em 2016, Quentin Tarantino lançou OITO ODIADOS. Para quem viu CÃES DE ALUGUEL, vai identificar traços típicos do diretor desde as primeiras cenas. Durante uma nevasca, um carrasco, uma prisioneira, um caçador de recompensas e um xerife se confinam em um velho armazém. No local, encontram mais quatro desconhecidos que também fogem das péssimas condições climáticas do momento. Com o passar do tempo, estas oito pessoas começam a travar uma guerra particular uns com os outros, a partir da descoberta dos segredos de cada um. O resultado é um confronto que parece não ter fim. O espectador, de camarote, assiste tudo sem saber quem está certo ou quem está errado. Mais um filmaço com a marca de Tarantino. Para quem não gosta de sangue e cenas de violência, melhor nem tentar. Recomendo a todos os mortais!


STRANGER THINGS

Série criada por Matt Duffer e Ross Duffer em 2016. Nostalgia pura, anos 80, fantasia, monstros, crianças, bicicletas, aventuras, trilha sonora belíssima, mundos paralelos, referências a The Goonies (meu filme preferido da infância), Winona Ryder... enfim, podem me chamar de infantil ou de qualquer outra coisa, mas eu gostei. Gostei muito. Recomendo a todos os mortais!


BRUNA SURFISTINHA

De Marcus Baldini (2011), o drama brasileiro sobre a mocinha de família que resolve largar tudo e virar uma garota de programa consegue ser melhor que o livro em que se baseia: O doce veneno do escorpião. Sim, eu li este livro! No fim, quando você junta tudo, não sobra nada de serventia. Se ela foi feliz com tudo isso, sorte a dela. Mas o livro e o filme são dois zeros à esquerda. Bláh!


NARCOS

A segunda temporada me causou um profundo desencanto. Da primeira temporada gostei. Aprecio as narrativas, muita das quais exageradas, que envolvem o traficante colombiano Pablo Escobar. Histórias que fazem parte do ser latino-americano diante do mundo. A história de Pablo Escobar tem muito a nos ensinar, em muitos sentidos. Agora é aguardar a próxima temporada...


A BUSCA

De 2013, filme de Luciano Moura. Um casal de médicos, que não está numa relação relativamente saudável, depara-se com o fato de o único filho ter fugido de casa quando de seu aniversário de 15 anos. O pai, prestes a se separar da mãe, resolve cair no mundo em busca do filho. Ao passo em que tenta descobrir pistas sobre o menino, vai aos poucos descobrindo mais acerca de si mesmo. Um filmezinho bom.


SEVEN - OS SETE PECADOS CAPITAIS

De David Fincher (1995). Dois detetives encarregam-se de investigar um serial killer que mata as pessoas de acordo com a ordem dos sete pecados capitais. Precisando lutar contra seus próprios egos, os dois travam um embate conjugal muito perigoso até as vias de fato. Confesso que esperava mais. Sigamos, bucaneiros!



* Imagem: http://mochilaonerd.com.br/category/cinema/

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Poemas de Germano Xavier em Francês (Parte LXV)

*

Por Germano Xavier

"tradução livre"



Sexta-feira, 20/05/2016
O velho lobo do mar


Le vieux loup de mer

"Que peut valoir la vie, si la première répétition de la vie est déjà la vie même ?"
(Milan Kundera, in l’INSOUTENABLE LEGERETÉ DE L’ÊTRE)


je me suis adossé à la mer plus d’une fois
et par crainte de l’inconnu, cette distance qui nous dévore
caché sous les fentes ondulantes des marées,
j’ai construit en moi le son des peurs réelles.

en partie conscient, j’ai su occulter
la bête indestructible des eaux dans les écumes.
en partie grâce à mes ruses, j’ai avorté des routes insensées
de vaillance vers les imprudences.

force est de constater que les histoires où je navigue
mes plus fortes campagnes en tant qu’homme
ont toujours été des traces jetées aux feux
et aux étoiles de l’âme.
tout se résume, donc,
jusqu’à présent (et ceci m’a sauvé la peau),
a une victorieuse carrière d’instants fugaces.


* Imagem: http://www.deviantart.com/art/Marujo-418521549

domingo, 9 de outubro de 2016

Poemas de Germano Xavier em Francês (Parte LXIV)

*

Por Germano Xavier

"tradução livre"



Domingo, 15/05/2016

Paraíso-quadro

À Adriano Ricardo, professeur d’étonnements

“Le paradis est, avant tout, un tableau”
(Bachelard)


Paradis-tableau

ce que j’ai vu, est vivant.

j’ai vu l’improbable
dans ce que j’ai abandonné de fait,
l’invisibilité des silhouettes, des motifs,
les mers devant la mer au delà de l’horizon.

j’ai vu mieux lorsque j’ai souffert
d’autres manières de voir, de vivre.
quand les mots banaux m’on teint
d’amour, d’angoisse, de rêve.

à l’aide de mes yeux comme unique instrument,
j’ai vu le mystique du visible. mais tout cela
n’aurait aucune valeur si la solitude s’accaparait de moi,
sœur en plongeons.

j’ai été l’heure littéraire, tel un poète
de mes rendez-vous échoués.

car j’ai vu la fantaisie, j’ai mieux vu
l’enchantement dans l’envie de l’être,
d’être là, lorsque ma musique m’a accusé
comme un soleil.

j’ai préféré le détour des routes là ou courent les enfants eternels,
ceux qui sauront encore jouer,
puissants, en priant de leurs voix immenses.

j’ai connu le sacré sur les lèvres isolées de la femme,
la but ultime de l’univers.

donc, j’ai vu
ce que j’ai simplement ignoré,
ce que je n’ai jamais imaginé,
le monde, le néant, le désir, l’organe ultime
de mes forces,

ma propre pourriture,
la mélodie inoubliable,
ce que la Grace a rendu sang et poignets

j’ai vu, enfin, ce qui a passé, ce qui est,
ce qui sera et, j’avoue, j’ai tout vu pour la première fois.


* Imagem: http://www.deviantart.com/art/Streuobstwiese-599088527

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Livro de Germano Xavier figura entre os finalistas do IV Prêmio Pernambuco de Literatura 2016

*

Por Germano Xavier


Meu livro de contos SOMBRAS ADENTRO foi um dos finalistas do IV Prêmio Pernambuco de Literatura 2016, realizado pelo Governo de Pernambuco (Secult e Fundarpe), em parceria com a Cepe Editora. O livro figurou entre os 14 mais bem avaliados, de um total de 250 inscritos. Agradeço-imenso à Carol Piva (projeto gráfico, edição, prefácio e revisão dos originais) e Iara Fernandes (revisão dos originais) pelos incentivos e andar-amores de sempre. Também compartilho minha alegria com o meu conterrâneo iraquarense Marcel Gama (artista-imenso de minha terra natal que produziu belíssimas ilustrações que farão parte da versão impressa final - em breve!), com Melissa Resch (artista também-gigante que produziu a capa para a versão impressa do livro), com a querida Cláudia Lemos (posfácio) e Thaís Helena Syllos Cólus (texto da quarta capa). Aos amigos e leitores do blog/jornal O EQUADOR DAS COISAS, minha gratidão. Esta menção honrosa é nossa! Felicidade além da conta! Sigamos, bucaneiros!


* Imagem: http://patativadoassare.com/7166-2/

terça-feira, 23 de agosto de 2016

Entre Mares e Marés: Conversas Epistolares (Parte XIII)

*


Olá, querido amigo!

Há quanto tempo não nos falamos por aqui. Só em intenções, em tentativas paralelas, em pequenos toques de palavras, com poesia, com recados breves.

Mas por aqui é diferente. A gente fala cara a cara e neste momento estou a ver a tua, espantada, mas serena, dizendo: “A Clara acordou para nós”, com um certo ar de reprovação mas ao mesmo tempo contemporizador. Não vou justificar-me. Tu farás isso, muito melhor do que eu, só tu percebes por que motivo as palavras se transformam em vazio algumas vezes na nossa vida; deixemo-las falar como bem entendem, calando-se, como parece ter sido o caso dos últimos meses.

Tenho estado em contemplação do mundo, numa expectativa permanente. Agora, no exato momento, ouvindo Tom Jobim cantar Insensatez com uma banda que não consegui identificar. E lembrei-me de Chopin (Op. 28 nº 4), https://www.youtube.com/watch?v=ef-4Bv5Ng0w, por ter lido algo a respeito da proximidade do tema do Tom com esta sinfonia, nem sei se é o termo. A verdade é que fui ouvi-la e confirmei a semelhança. Sublime descoberta que partilho contigo, meu amigo, é a primeira vez que me lembro de escrever uma carta com um link para o youtube, sinal dos tempos…

Começaram os Jogos Olímpicos no Rio, e a nossa atenção está agora voltada também para os nossos irmãos brasileiros e para o Rio de Janeiro, para o mundo, para esse encontro supremo de culturas e de atletas. A imprensa vai contando pequenas anedotas de bastidores, pormenores sobre alojamento, acolhimento; recordo uma citação engraçada e suscetível de gerar polémica também, que ouvi a respeito da imprensa há anos atrás: a imprensa é como o bikini, mostra muita coisa, mas não mostra o essencial. Partindo talvez do princípio que o que se oculta é sempre essencial, quem sabe se pelo simples facto de ser omitido.

Aqui em Portugal há um assunto recorrente que são os fogos de verão, causados por mão criminosa ou acidentais, ninguém sabe, poucas vezes se chega a uma conclusão. Neste momento há incêndios de grandes proporções em várias zonas de Portugal, inclusive no Funchal, que atingiram famílias de forma dramática. Fala-se em empresas privadas que combatem os fogos e que teriam interesse em que estes se propagassem. Parece uma coisa monstruosa, mas não impossível. Em todo o caso, à falta de provas, não passam de meras teorias, especulações, mais ou menos fundamentadas.

Tenho que ter cuidado para não repetir histórias, assuntos, comentários, talvez esteja a entrar naquela idade interessante em que se repetem relatos sem cessar e devolvemos aos amigos as histórias que aprendemos com eles. Se são amigos da mesma idade a coisa funciona, pois eles também já não se lembram de ter contado… mas se forem mais novos, mais atentos, mais alerta e bastante críticos, a coisa descamba… envelhecer ou amadurecer proporciona-nos experiências curiosas. Noutro dia uma amiga querida dizia-me que eu não tinha rugas. Mas eu reagi: eu tenho, sim, não aquelas rugas como sulcos do arado na terra, não aquelas crateras de terra seca, fendas de terramoto, mas as rugas que eu tenho, embora discretas, são visíveis a olho nu. Acontece que a vista também já não as alcança no espelho, por isso, mais rugas e menos golpe de vista, equivale a juventude eterna! Não é sábia a natureza? E aqui entre nós, mesmo que as veja, elas são a última das minhas preocupações, não por falta de coqueteria mas porque considero que tenho preocupações mais prementes. E se as rugas dos outros não me incomodam, porque as minhas haveriam de afastar alguém? Irrita-me um bocado esse culto exacerbado da juventude que faz com a pessoa se sinta quase culpada por não parecer ter 20 anos aos 50. Porque deveria parecê-lo? A pessoa deve viver bem com a idade que tem: cuidar da saúde física e mental não significa recusa em aceitar que o tempo deixa marcas. Pode parecer um lugar comum, mas creio que o envelhecimento é uma questão que preocupa a todos, de forma mais concreta a partir de certa idade, e por uma questão social e cultural, as mulheres. Creio que a natureza nos castiga mais e a sociedade exige mais de nós em termos físicos. A mulher tem um curto período da sua vida para procriar, esse período é muito mais prolongado no homem. A gravidez provoca alterações de peso bruscas e variações hormonais. Talvez esteja a ser injusta ou insensível com os homens, no geral, mas nunca ouvi nenhum queixar-se dos efeitos da andropausa, se calhar apenas não o fazem à minha frente… hoje o meu discurso raia o feminismo mais primário e “déplacé”, mas não é por mal, nem por quaisquer radicalismos, apenas me sinto à vontade contigo para não insistir no socialmente correto o tempo todo. É cansativo ser assim… eu não quero ser assim contigo, nem tu querias, certamente.

A situação política no Brasil que referes na tua última carta também é inquietante. Nós preocupamo-nos aqui, e eu prefiro comparar a tua versão das coisas com as várias versões oficiais, o cidadão sente na pele todas as indignações, desrespeitos e manipulações e é importante conhecer o impacto da instabilidade na vida das pessoas reais, como tu, que és meu amigo e cuja palavra me chega sempre fresca e cheia de emoção, de verdade, sem contenções, espontânea como tu és.

O mundo já não é um lugar seguro; será que já o foi alguma vez? A violência grassa em qualquer ponto do globo, as religiões apostam na ritualização em detrimento da essência, as doutrinas são substituídas por práticas coreografadas, …eu sou uma ignorante nestas coisas, chamo coreografia à liturgia e já fui repreendida por isso. Mas tu entendes, não é? Eu preciso de ver e sentir para além do óbvio, nesta matéria e no geral.

Agora o meu pensamento voou para um fait-divers, que te vai deliciar: no outro dia encontrei uma menina numa festa familiar, uma menina da Guiné Bissau com quem eu ensaiava uns passos de dança. Dançámos funaná e ficámos super transpiradas, ela, eu e outros meninos com quem brincámos um par de horas, uma vez que eu, ingenuamente, cheguei à festa à hora marcada, coisa quase inédita entre latinos e africanos, e tínhamos que entreter-nos com alguma coisa…a menina era um doce, tinha uns olhos negros enormes e bonitos. Teria os seus cinco anos, pelo que percebi. (Sabes que eu tenho um monte de aventuras com crianças, histórias anedóticas, deve ser o meu lado Peter Pan). Então nós dançámos e desenhámos, no telemóvel, eu fazendo retratos e ela e os amiguinhos posando. Depois, do nada, a menina atirou: “Tu és branca ou és preta?”. Eu ri-me e nem respondi diretamente. Acho que apenas devolvi a pergunta, perguntei se isso para ela era importante. Aquela criança viu claramente para além da cor da pele, ela viu cultura, atitudes, reações e forma de estar; ela abarcou, com o seu olhar ainda puro de criança, tudo o que compõe um ser humano. Depois, quando eu fazia o seu retrato, ela pediu baixinho: quero que me faças um cabelo como o teu… aquele pedido entristeceu-me, disse-lhe que ela tinha um cabelo lindíssimo e um penteado muito bem feito, trancinhas ornadas com missangas, coisa trabalhosa, feita pela mãe. Mas eu percebi que a identidade e a consciência de si é uma coisa que se forma cedo, esta menina precisa de ter padrões positivos dentro da sua comunidade de origem, de perceber a beleza como algo muito mais abrangente, muito mais vasto, uma coisa feita de muitas cores e em constante mutação. Eu sei que estás a sentir o mesmo que eu em relação a isto, mas para entenderes melhor mando-te o retrato da menina. Da Jessica.

Agora eu vou ter que te abandonar, só no papel, como sabes, já antecipando a tua carta que virá um dia, quando eu menos esperar, envolta em nuvens e em sabores sempre diferentes. Com laços e fitas e papel brilhante. Uma coisa de encher a alma. Eu acabo por saber sempre de ti, querido Viana, porque te adivinho e te farejo, pelo que expões e pelo que omites, e até pela tua discrição e pelo teu cansaço. Mas é muito bom quando as notícias chegam por tua iniciativa e eu sinto que também precisas destas conversas para te reciclares.

Aqui está um calor insuportável. Eu não aprecio calor em excesso, ando permanentemente com um leque na carteira, bebo água sem parar.

Mando um abraço feito beijo para esse reino distante de onde virás um dia para me visitar, e visitar esta terra onde te sentirás em casa. Tens já aqui muitos amigos: Cristina, Sant’Ana e o Dudo lá em Luanda também, que adora ler-te. E mesa posta, passeios preparados e conversas intermináveis a germinar. Fico à espera de ti e das tuas palavras que abrem portas.

Clara
Lisboa, 10 de Agosto de 2016.


******


*

Clara,

Só em breves levantes, o encontro feroz. Assim, feito. Quisto. Bem. O encontro que marca a vontade de estar em paz, em pensamento, em corrida de se ir ao abraço amigo, força leve. A nossa. Mas que agora estamos, em novo confronto de ideias. Tardamos, mas estamos. Sempre. Assim que é. Não se faz preciso nenhuma justificativa mais aprofundada. O mergulho é o de outrora. Tua voz daí combinando marés com minhas sensações transatlânticas. Esse silêncio de dias, de meses até, bem necessário se faz, quando assim é o rumar, o remar. Da vida, das ondas de nossa amizade.

Pois bem, Clara, nos mesmos instantes em que você é levada via youtube a pensar e refletir sobre as coisas e o mundo, os Jogos Olímpicos do Rio – 2016 começam e, zás!, já terminam. No fundo, a mesma conjuntura de sempre. As grandes potências esportivas no topo. O Brasil, com todas as suas dificuldades, tentando ser menos pior que nos últimos Jogos. Não se pode ser exemplo em esporte sem dar incentivo a atletas e sem estruturação básica para treinos etc. O Brasil é uma piada nesse sentido. Não sei como é aí em Portugal... Bilhões de dólares jogados fora, pelo ralo, muito destes corrompidos e desviados, é certo, e no fim... no fim... no fim, nada. O desastre é colorido e tem as cores da exclusão. Pagaremos as contas, paulatinamente. Já estamos pagando. Ou melhor, há bastante tempo já pagamos.

Você citando assim essas notícias tristes sobre incêndios, Clara, e eu me recordo com tristeza das muitas vezes que a minha Chapada Diamantina ardeu em chamas e nada, absolutamente nada mesmo, era feito. Por lá também havia tais comentários, de que haveria uma “indústria ou máquina” interessada nesse fogo. De doer o coração da gente, não? Pensar que é bem possível que assim se dê...

Temos dias difíceis. Nossos olhos quase sempre não amenizam a dor da realidade. A não ser nestes casos aí, contados por ti. Engraçado, dias atrás falava eu sobre a idade com uma pessoa. A idade que, acreditando em Quintanares, só vem de duas formas: ou idade de vida ou idade de morte. Melhor encarar assim, não? Estamos vivos e isso deveria bastar. Entrar em parafuso por conta de uma ou duas rugas no rosto não seria nada interessante, penso eu.

Ufas e ufas, Clara! Política aqui, de mal a pior, cobras e corvos, animalesca luta pelo poder, vampiros e sanguessugas... cada qual com seus próprios interesses, que não os do povo mais necessitado. Preços aumentando, dinheiro faltando. Receita de um desastre? Não sei. Prefiro acreditar que tudo isso passará e que novos ventos pousem no Brasil. E sim, eu te entendo, eu te entendo... tudo agora é panaceia, tudo ou quase. Que fazer, que fazer?

E a Jessiquinha, heim?!, tão linda e de tão nos preocupar já. Que mal o mundo faz com a cabeça de um serzinho desses? Quem terá sido o mal, o que terá sido o mal? Necessário investigar. A negritude é expansão, roupagem de força. Humanidade inteira numa cor. Precisa ser entendida desde pequena, precisa ser vivida. Quem terá sido o mal, o que terá sido o mal? Ah, Jessiquinha, continue a bailar com teus cabelos livres de qualquer maldade de ideias! Você vai ver que és bem mais quando! Vai, Jessiquinha! Vá! Seja! Seja!

Dizer, por fim, que a vida está sempre a nos apresentar bonitezas, e que precisamos sempre estar com a alma aberta diante desses acontecimentos. Apesar de todas as dificuldades, a vida me tem sido muito bonita nos últimos dias. Tenho me sentido mais vivo. Desejo isso a você também, Clara, uma vida sempre mais vida. Abraços em todos aí e até bem breve!

Caruaru dos bonecos de barro de Vitalino, 23 de agosto de 2016.


********

Clara e Viana são dois amigos de longa data que se redescobrem e desenham o mundo à sua volta pelas palavras que encontram, que constroem e que usam para pintá-lo. (De longa data em face da finitude da vida, recentes diante da imensidão da eternidade). Mas, que importa isso? Eles propõem-se descobrir dois universos complementares, sem artifícios nem maquilhagem, para além das máscaras habituais, as que protegem o ser humano da solidão e das agressões.

Clara e Viana são dois heterónimos, duas personagens que ganham vida através do tempo, do ritmo da palavra e do sabor dos respectivos sotaques.

Luísa Fresta e Germano Xavier dão vida a este projecto.
* Imagens: Luísa Fresta e Deviantart.com.

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Poemas de Germano Xavier em Francês (Parte LIX)

*

Por Germano Xavier

"tradução livre"



Sábado, 9 de abril de 2016
A estreita guarda das noções

à José Barbosa


L’étroite garde des notions

le temps de l’âme est insaisissable
aucune technique n’est développée,
et comme (im)précisé,
entre la vocation et l’intérêt,
entre la vocation et le plongeon
peut-on s’offrir le métier de rêveur?

nous voudrions, alors
les bras eternels des océans,
les lamelles aveugles des écumes,
pour pouvoir, en vain,
marcher en à-coups de départ
parmi la lecture affligée des dilemmes.

des fils de vie appliqués au mystère
domptent l’invisible vague des finissons,
qui mémorise, inlassablement
l’étroite garde des notions.


* Imagem: http://www.deviantart.com/art/2-611972814

terça-feira, 16 de agosto de 2016

Poemas de Germano Xavier em Francês (Parte LVIII)

*
Por Germano Xavier

"tradução livre"



Nosso tempo


Notre temps

rompre.
laisser venir les printemps.
même si rien n’arrive, c’est une vie.
c’était la vie même.

intervenir. et connaître pour pouvoir rompre.
connaître pour intervenir.
et connaître pour agir.
contribuer.

// l’erreur est aussi un manifeste//
la poésie est dans les actes.
la poésie est dans les faits.

la poésie n’est pas là
pour être n’importe qui.

la dame sans principes
est quelque part dans le monde.
et nous sommes là
dans le monde
pour vivre.

c’est un temps des sens,
un temps des hommes sensibles.


* Imagem: http://www.deviantart.com/art/Flowing-Through-The-Story-Of-Your-Whole-Life-602950222

domingo, 14 de agosto de 2016

Poemas de Germano Xavier em Francês (Parte LVII)

*

Por Germano Xavier

"tradução livre"



Quinta-feira, 10 de Março de 2016
Um intenso toque seco


Un intense coup sec

l’écheveau, comme un trait.
l’identification, comme un sceau.
le foyer, comme une devise.
le mot, comme un appel.

des âmes vont naître, le diable au corps. Pourquoi ?
alors que rien ne sera fait pour les retenir

//la machinerie humaine est un art.

la protection intelligente sera donnée comme une augure.
nos itinéraires n’auront pas le chemin du milieu.
tout s’adaptera à l’absence.
nous vivrons sans parfum.

et le danger, cet extrait,
n’est pas celui-ci.


* Imagem: http://www.deviantart.com/art/Sahara-620023092

sábado, 16 de julho de 2016

Manifesto do grito pela democracia!



Texto-montagem produzido pela turma 2014.2 do mestrado em Letras 
da Universidade de Pernambuco/Campus Garanhuns, 
apresentado em seminário da disciplina Literatura e Ensino, 
ministrada pelos professores Dr. Elcy Luiz da Cruz e Dr. Jairo Nogueira Luna.


Palavras não adiantam mais? Quantas defesas feitas para a nossa presidenta! E nada! Argumentos memoráveis, articulados, suntuosos... E nada! Como convencer quem não quer ser convencido? Será que palavras não adiantam mais? ADIANTAM SIM! Esse SIM não é o sim patético que ouvimos no Congresso Nacional há algum tempo, é o SIM de um grupo engajado na luta para fazer valer a palavra da defesa de um ideal democrático conquistado às duras penas pelo povo brasileiro.

Nós queremos liberdade. Queremos apenas expor nossas ideias, sem limites, sem prisões, sem exclusões. Queremos apenas o direito de ter nossos direitos garantidos. Não queremos mais do que isso. Queremos apenas LIBERDADE DE EXPRESSÃO, essa LIBERDADE de expressão que de uma forma golpista pode ser calada por facções que moveram uma guerra, apoiada por uma mídia avassaladoramente poderosa. Lamentável! Sigamos contra os oportunistas, contra os que querem sepultar a democracia. Não fiquemos inertes! O peso do chicote da censura poderá doer muito em nossas costas! O povo grita com medo da democracia escapar às mãos! Nossa democracia ainda engatinha, sendo um frágil rebento! “Os doutores da lei” querem nos tirar este rebento, querem nos roubar a última flor do nosso jardim, e querem que fiquemos calados. Nunca, jamais! Nosso grito ecoará na história!

Vamos insistir na manutenção do nosso direito ao jogo democrático, então é:

pelo direito à Democracia que lutamos, que brigamos, que insistimos...

pelo direito à Democracia que estudamos, que lemos, que insistimos...

pelo direito à democracia que falamos, que bradamos, que insistimos ...

pelo direito à Democracia que protestamos, que enchemos as ruas, que insistimos...

pelo direito à Democracia que, às vezes, silenciamos, que calamos nossa voz, mas insistimos...

pelo direito à Democracia que nossos pensamentos nunca se calam, antes bradam, esbravejam e, por isso, insistimos...

pelo direito à Democracia que jamais iremos nos prostrar diante de situações adversas que desonram o direito de todos. Assim, insistimos...

Sim, insistimos porque se faz necessário nestes tempos escuros, de homens partidos, como já dizia Drummond. Insistimos porque os direitos de todos estão sendo subtraídos por aqueles que falsamente nos representam e, dessa forma, nos desonram. Insistimos, pois é necessário agir.

Enfim, insistamos!

Nosso manifesto não cansa de falar em Democracia, palavra que vem do grego, que está sendo usurpada por um bando de patifes que deveriam estar sendo expelidos pela cloaca neste momento, aquela mesma cloaca que já ganhou contornos literários nos versos concretistas de Décio Pignatari. Nossa literatura neste momento é de luta, é de não aceitar o que está sendo imposto por um grupo de falsos moralistas, que querem o poder apenas para manipular os mais pobres, os quais conseguiram ascender um pouco com o governo que afastaram temporariamente com um golpe.

Não há dúvidas que nós, trabalhadores e trabalhadoras de camadas sociais menos favorecidas, estamos enfrentando um duro soco na democracia, pois são inúmeros os retrocessos já sinalizados por esse governo ilegítimo. Retrocessos que nem precisamos citar, porque o grito dos menos favorecidos socialmente já podem ser ouvidos nas ruas de todo o país.

“Se o penhor dessa igualdade conseguimos conquistar com braço forte, em teu seio, ó liberdade, desafia o nosso peito a própria morte!”

Como são fortes essas palavras do Hino Nacional brasileiro! Quantas conquistas alcançamos ao longo dos séculos, em diversos âmbitos, principalmente no politico. O direito de votar aos 16 anos, a liberdade de expressão que perpassa por qualquer assunto nos oportuniza a continuar lutando por melhores condições de vida. E agora, estamos prestes a perder! Jamais! Lutemos, bucaneiros!

Como ficamos esperançosos com um passado recente, vagas em Universidades Públicas ampliadas, direitos garantidos as empregadas domésticas e o acesso ao Profletras, esse por si só não deveria dar direito a ninguém que ingressou no programa e ser contra a nossa presidenta... e tantas outras conquistas! Vamos perder? Não! Lutemos, bucaneiros!

O impeachment é uma ferramenta jurídica e é regulado pelo Art. 85 da Constituição brasileira de 1988 e seu uso é restrito a casos que envolvem ofensas sérias (crimes de responsabilidade) feitas pelo presidente. Como as irregularidades contábeis na administração de fundos da dívida pública das que Dilma Roussef é acusada não se tratam de uma ofensa séria no senso prescrito pela Constituição, fica evidente que este processo de impedimento não é legítimo.

Então, não é exagero considerar esse processo de impeachment contra a presidenta um golpe branco que vai trazer consequências negativas e duradouras para a regra democrática brasileira. Nós consideramos necessário declarar nosso repúdio absoluto à destituição ilegítima da presidenta Dilma Vana Roussef em face de tudo que aconteceu, e, nosso apoio forte para a manutenção da democracia brasileira.

Trouxemos essa parte mais técnica no parágrafo anterior para aqueles que almejam algo mais jurídico, por isso nosso manifesto é completo, ele transita pelo técnico e pelo literário, e principalmente pela DEMOCRACIA!

Veio a nossa mente que o manifesto não é uma arma, e sim um instrumento que faz da palavra uma bandeira, um ideal, assim como o Futurismo iniciou sua caminhada com o “ Manifesto Futurista!, assim como o Comunismo conquistou seu espaço com o “Manifesto Comunista”, nós do Profletras 2014 não estamos iniciando nada, mas estamos fechando um ciclo levantando uma bandeira através de palavras a favor do democrático, mais uma vez sentimos no direito de evidenciar a literatura, nesse aspecto lembramos um poema que complementa nossa discussão: “Agosto 1964”, de Ferreira Gullar.

Agosto 1964

Entre lojas de flores e de sapatos, bares,
mercados, butiques,
viajo num ônibus Estrada de Ferro - Leblon.
Viajo do trabalho, a noite em meio,
fatigado de mentiras.
O ônibus sacoleja. Adeus, Rimbaud,
relógios de lilazes, concretismo,
neoconcretismo, ficções da juventude, adeus,
que a vida
eu a compro à vista aos donos do mundo.
Ao peso dos impostos, o verso sufoca,
a poesia agora responde a inquérito
policial-militar.
Digo adeus à ilusão
Mas não ao mundo. Mas não à vida,
meu reduto e meu reino.
Do salário injusto,
da punição injusta,
da humilhação, da tortura,
do terror,
retiramos algo e com ele construímos
um artefato, um poema,
uma bandeira.

Essa é a bandeira do nosso manifesto!

As coisas aqui no Brasil não estão em seus melhores dias. O cenário é de névoa. Tudo muito nublado. O futuro do país está em jogo. O futuro de um país que, ao que parece, será para sempre “o país do futuro”, e não o país do presente ou do amanhã próximo. Muito turvo é o horizonte. Um país de depoimentos ininterruptos. O drama é forte. Depoimentos quase sempre risíveis. Alguns não, a maior parte deles. Nem na literatura encontramos figuras tão caricatas, grotescas, teatrais, fanfarronas, cínicas. Assim são e/ou se portam muitos de nossos deputados federais, senadores e parte inteiriça da corja. Não dá para confiar na palavra deles. Acordos secretos escabrosos feitos. Panos quentes. Toalhas de enfrentamento ou desistência sendo vendidas, cargos, postos e depostos, compensações. Tudo muito escuro. O povo sem saber direito. Dúvidas. Incertezas. Medo. Ódios.

Somos contra o impedimento da Presidenta Dilma, por princípio. E por convicção. Não é bom para a imagem do país lá fora. Não é bom para a imagem do país aqui dentro. Não resolverá os reais problemas da nação. De nada adiantará. É evidente o propósito da oposição. Tomar o poder e não salvar o país. O que está para acontecer é um aborto. Impedimento, como o que está em trâmite e da forma como foi imposta, é uma violência na história política do país. Corruptos julgando outros mais ou menos corruptos. Um aborto, repito. Especialmente quando expõe e acentua a divisão política, ideológica, cultural, econômica e até regional de um país. Isso não favorece a igualdade no país, só reforça os preconceitos, os estereótipos. Um processo vergonhoso. No Rio de Janeiro e São Paulo, o carnaval pela democracia. Bem brasileiro. Bem a cara do Brasil? Mas o Brasil não é só o sudeste conservador! Pão e circo e o povo indo atrás.

Que país é esse? Uma calamidade. Na capital Brasília, um muro ergueram para separar os dois tipos de manifestantes, os dois tipos de “povo”. Aqui temos dois “povos”? Pode rir, se quiser. É cômico. Os que são contra e os que são a favor. É trágico. Um país de mais de 200 milhões de habitantes agindo como se dois times de futebol disputassem a final de um campeonato de futebol. O prêmio: a Taça do Poder. Um espetáculo. Uma imprensa manipuladora, interesseira e sem escrúpulos. Uma esculhambação geral. Desmoralizante. Uma tristeza. Torcemos nós para que nada disso se pinte de realidade e tudo fique como antes e que o antes progrida em face de melhorias necessárias a todos nós, brasileiros. Torcer. Torcer muito.

Sigamos, bucaneiros!

E, FOOOOOOORAAAAAAA TEMER!!!!!!!!!

(Todos assinam!)
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* Imagem: http://jcrs.uol.com.br/_conteudo/2016/05/geral/501545-parada-gay-em-sao-paulo-vira-ato-de-fora-temer-e-volta-dilma.html
** Turma 2014.2 - UPE/Campus Garanhuns.