sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Sobre ferrugens


Por Germano Xavier

Acabei pontilhando um misto de vermelho e azul no verso do tecido que tinha comprado na loja dos alfaiates, ali na rua do Verde. Tive a impressão de morrer num banheiro público. O lavabo escorria o delgado sorriso que se perdia de mim. Uma vertigem. A atmosfera fétida e insólita do cubículo feria-me, num movimento cortante de dentro para fora. Hoje estou feliz, mas não tenho dentes de ouro. Meu medo da morte acabou no mesmo instante em que me tornei uma catástrofe. Perde-se a morte no átimo primeiro de nossa resignação. É como defenestrar nossos silêncios através de nossas vontades e quietudes gritantes. A morte está muito próxima, não só para mim, mas para todos. Enquanto, divirto-me. Estou a participar da brincadeira dos meus companheiros. Meu amigo mais novo está doente, mas hoje é o seu aniversário. Seus dezoito anos. Ele brinca sorridente na gangorra enferrujada do parque. A vida é mesmo um jogo... e eu não sei se ela virá. Está tudo tão triste. Se eu pudesse ao menos... não, eu não posso. Na verdade, sei que não devo insistir. Poetas são sujeitos chatos e taciturnos, tentando abrir o mundo às pessoas com chaves feitas do ouro mais puro: a palavra. Por receio de usar a expressão incorreta na hora também incorreta, sei que não devo insistir. Cada palavra tem o seu instante, o seu objetivo, o seu preço. Tenho medo que ela não venha. Pode soar estranho, mas é o que sinto nessas ocasiões. Medo. A paciência nos faz ouvir o pio da alma e a voz do nosso silêncio. Hoje, desisti... eu acreditei em tudo. Eu acreditei, em tudo. Ontem fui à biblioteca municipal e trouxe dois volumes para ler em casa. O silêncio de nossas casas é quase a perfeição para uma boa leitura. Um, as "Cartas a um jovem poeta", de Rainer Maria Rilke; o outro, uma biografia do elisabetano William Shakespeare. É a primeira obra de Rilke que leio. Quanto ao inglês, já o conheço de outras noites sem sono. Por curiosidade, peguei as cartas para ler primeiro. Um livro muito gostoso, gosto de romã. Certa feita, li em um jornal o depoimento de uma pessoa que dizia ler em média cem livros por ano, o que dá, desconsiderando os anos bissextos, um percentual de um exemplar a cada 3,65 dias. Mas, quando falo para as pessoas que no último ano li 172 livros, poucos acreditam. A maioria finge acreditar. Uma média de um exemplar para cada 2,1 dias. Na verdade, isso não significa absolutamente nada. É apenas um fato que demonstra ser possível aproveitar o tempo. Uma dica: não assista televisão. Outra: quando for ao banheiro leve um material literário. A questão é usufruir desse precioso bem que é o tempo. Agora, seja um tanto mais solitário. Essa é das mais fundamentais, como diria Rilke.

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