segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Poemas de Germano Xavier em Francês (Parte XXXVII)

*
Por Germano Xavier

"tradução livre"


Sexta-feira, 23 de Outubro de 2015
Sobre as regas

Sur les arrosages

arroser les fleurs
[même celles en plastique]
arroser les fleurs


* Imagem: http://dougnz.deviantart.com/art/Untitled-579246365

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Poemas de Germano Xavier em Francês (Parte XXXIV)

*

Por Germano Xavier

"tradução livre"


Segunda-feira, 12 de Outubro de 2015.
Prêmios para pulhas em manobra


Des prix pour des connards en ascension

ceux qui croient à tout ce qu’ils lisent,
car ils sont les plus nombreux,
formeront le groupe des desavisés
ou des volailles obtuses.

ceux qui ne croient plus à rien
car ils sont des nomades de fait,
se méfieront amèrement de la turbulence.

ceux qui se soumettent à la critique, en vue du jugement dernier
[des paons élitistes encore attachés aux soins de Maman]
lirons, perplexes, des nouvelles sur leurs comportements honteux

À bas Le Danger ! À bas Le Danger !

[les autres
des boites sans clous
auront le prix de l’insouciance]


Imagem: http://www.deviantart.com/art/Falling-angel-578491547

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Um olhar sobre Sintaxe e Discurso

*

Por Germano Xavier


(Um resumo)


AZEREDO, J. C. Introdução à sintaxe do português. Rio de Janeiro: Zahar, 1990, p.120-139.

É de se saber que os períodos, na língua portuguesa, utilizam-se não apenas de referenciais de natureza sintática para se associarem, mas também de meios discursivos que, por tradição, sempre estiveram atrelados à retórica e à estilística. Ao que toca o ato enunciativo, conferimos, de maneira clara, a expressão de um eu que se assume enquanto locutor, produtor individual de um dado discurso. Todavia, para que entremos nas demandas dos estudos envolvendo sintaxe e discurso, faz-se importante visualizar que o discurso está situado entre a ação de um enunciador/locutor e um contexto variável de produção discursiva.

Diante da expressa relevância da figura do locutor/enunciador em toda a engrenagem de produção discursiva dentro de um emaranhado linguístico, algumas variáveis podem ser classificadas em três categorias: a modalidade, a referência e a polifonia. O campo da modalidade refere-se à ligação existente a tudo que intrínseco ao interlocutor e ao conteúdo, a esfera referencial trata das relações entre tempo e espaço e, por último, a polifonia dialoga sobre as interações intertextuais ou interdiscursivas.

Acerca da modalidade, devemos perceber sua intimidade para com os conteúdos das orações, interesses e intenções enunciativas. As indicações locutárias podem ser expressas através de alguns pontos, a citar:

a) Sintagmas adverbiais ou preposicionados;
b) Predicadores seguidos de que + oração ou justapostos no enunciado;
c) Modos do verbo;
d) Marcadores de foco;
e) Verbos modais;
f) Empregos modais dos tempos verbais;
g) Conjunções;
h) Verbos que explicitam o ato praticado pelo locutor;
i) Entoação.

Já as intenções e interesses do enunciador podem ser expressas a partir das seguintes pontuações:

a) Predicados seguidos de infinitivo ou que + oração;
b) Verbos modais;
c) Verbos que explicitam o ato praticado pelo locutor;
d) Modos do verbo;
e) Entoação;

Quanto aos marcadores de foco, são elementos constituidores de ideia de inclusão, exclusão e de designação e situam-se na linha limítrofe dos sintagmas, sendo de difícil classificação. São, por assim dizer, marcadores sintagmáticos. Os marcadores sempre estarão entre as fronteiras de dois sintagmas, servindo ou não como marcadores de foco ao lado de determinados verbos, como acontece em alguns casos envolvendo construções de sentido com a utilização do verbo “ser”.

Os meios usados pelas variantes contextuais que se misturam ao discurso através do locutor é o que chamamos de referência. Aqui há uma preocupação com marcações de tempo e de espaço. Aqui, expressões pontuam o presente, o passado e o futuro com clareza. As questões elaboradas no panorama referencial atendem, em parte, ao contexto mediato e ao contexto imediato, que terminam por apresentar variações de ordem temporal, cada qual ao seu estilo. Há de se destacar também, ainda no tocante à referência, o caso dos tempos do subjuntivo, que são influenciados em suas formas simples.

A polifonia, por sua vez, pode ser entendida como mecanismo de intertexto. Na polifonia, um enunciador incorpora ao seu discurso afirmativas de outros enunciadores. Esta instrumentalização, dentro do discurso, pode gerar o elemento implícito. Um fenômeno vasto, muito utilizado em todo o campo linguístico. A polifonia é propriedade de todo texto. O discurso indireto é um recurso típico pelo qual o enunciador efetua a troca do contexto imediato pelo contexto mediato. Há de se notar que a principal característica do discurso indireto é o fato de ser um discurso que se tornou conteúdo de outro discurso.

Além da modalidade, da referência e da polifonia, a coesão é mais um fator que confere a qualquer fragmento discursivo o caráter de texto. A coesão aparelha todo um complexo de sentido a partir das ferramentas de união (dêiticos) presentes nas fronteiras dos períodos. Dois aspectos da coesão necessitam ser evidenciados, pois: o tópico e a junção, que pode ser conectiva ou por justaposição. O tópico faz a ponte entre sequências de período, sendo, portanto, um conceito discursivo. A junção conectiva é um operador que se realiza por meio de palavras e locuções que se relacionam com parte outras do texto. Destarte, segmentos outros atribuídos a diferentes atos discursivos ou a diferentes locutores se relacionam por justaposição.


* Imagem: http://carlosmatheus.org/o-discurso-politico/

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Avô matingueiro

*

para Elizeu Xavier,
in memoriam

em pegas de boi, viu furar os olhos
da filharada-homem o graveto pontudo
do mato caatingueiro.

montou carcaça
de animal bravo, dobrou as rédeas
de uma vida avessa. armoriou o pó
das estradas solares, debruçado
na alvorada roncosa dos secos gerais.

cego dum olho, enxergou horizonte
de filho caçula. foi distante, amigo
dos destinos, arvorou lenta luta.
em cirandeados, clandestino amou
moças avulsas.

a história que não vivi
conta que Seu Elizeu, homem rude
da Cajarana, meu avô matingueiro,
havia de nos ensinar duas coisas:

que adentrados, nós, na esteira do tempo,
ninguém mata nem desmata, pois
um dia tudo se destripa.

e mesmo a flor dos cajus, a dizer ventos
mais mornos, é prenúncio: acre sumo
de gosto travoso no balé dos maturis.


* Imagem: https://blogdadeia.wordpress.com/tag/cordel-encantado/

domingo, 29 de novembro de 2015

Varrimentos

*

para o sensei Assis


BARAI

pés em base,
varredura em giros,
imitação de eixo-sol


GYAKU

inverter o centro,
ser a lua no dia claro,
reescrever o verbo


KAKATO

defender-se das flechas,
respeitar nossa vulnerável
mitologia de Aquiles


KIHON

fundir-se ao chão,
cursar o rio das brisas,
amar o que se move


MAWASHI

fazer redemoinho
com o pó das forças,
ser o ponto circular


KUMITE

avançar com fé,
ser a livre cautela,
compreender a pausa


* Imagem: http://www.deviantart.com/art/Karate-Gi-95278788

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Nada muito sobre filmes (Parte XXI)

*
Por Germano Xavier


NARCOS

Quando pequeno, escutava sempre nos jornais alguma notícia sobre os famosos cartéis de Medellin e de Cali. Sem suspeitar direito de quase nada daquilo que era veiculado pela mídia da época, as notícias entravam por um ouvido e saiam por outro. Ao assistir a primeira temporada da série NARCOS, do diretor José Padilha, que conta em giros um pouco da história do traficante colombiano Pablo Escobar (Wagner Moura), pude perceber a magnitude da trama que era motivo para todas aquelas notícias. Ficção ou não, decerto que dá para se aprender um tantinho mais sobre América Latina assistindo ao referido material. Recomendo a todos os mortais!


ATARI: GAME OVER

Fiz parte da geração Atari (ainda tenho guardado em casa um modelo 2600, em perfeito estado de conservação). Antes da entrada da Sega e da Nintendo no país, jogávamos Pac Man e Space Invaders, clássicos ali no fim dos anos 80 e início dos 90. Éramos extremamente felizes com aqueles parcos bits de entretenimento. Muita gente aqui sabe do que estou falando. O documentário ATARI: GAME OVER (2014) mostra o famoso caso do enterro dos cartuchos do jogo "ET - O extraterrestre" na cidade de Alamogordo, no estado do Novo México, maior fiasco da empresa e, como apontam, o motivo que levou a Atari à falência pouco tempo depois de seu lançamento. Para os que viveram um pouco desta febre, vale a pena dar uma olhada. Sigamos, bucaneiros!


A MARCHA DOS PINGUINS

De uma beleza impactante é o documentário A MARCHA DOS PINGUINS (2004), dirigido por Luc Jacquetcada. A película mostra a saga anual vivida pelos pinguins imperadores durante o período do inverno na Antártica, um dos locais mais inabitáveis do planeta Terra. Para fins de perpetuação da espécie, os pinguins marcham em fila indiana por longos meses e quilômetros em busca de um local seguro para a procriação e lá permanecem (os machos) por quatro meses praticamente imóveis vencendo uma temperatura de -70 graus, enquanto que as fêmeas fazem o percurso de volta em busca de alimento para os filhotes que irão nascer sob os auspícios dos machos. A natureza e sua extrema poesia. Assistam, bucaneiros! Recomendo a todos os mortais!


UMA PROVA DE AMOR

UMA PROVA DE AMOR (2009), de Nick Cassavetes, é daquele tipo de filme que faz embrulhar tudo por dentro da gente, em rompantes de tristeza e redenção. Emocionante, dramático, belo e ao mesmo tempo singelo. O direito à vida num enlace de duas razões diversas. O "politicamente correto" colocado em questão quando das perspectivas de usufruto de nosso próprio corpo. Está longe de ser uma obra de arte, mas vale muito a pena dar uma conferida. Sofia Vassilieva em atuação digna de louros. Recomendo a todos os mortais!


TARJA BRANCA – A REVOLUÇÃO QUE FALTAVA

De Cacau Rhoden, o documentário TARJA BRANCA - A REVOLUÇÃO QUE FALTAVA (2013) percorre um canal ímpar de depoimentos de pessoas já "grandinhas" para esclarecer um pouco da boniteza que tem o ato de brincar. Se você se encaixa naquele grupo que jamais permitirá que a sua "criança-interior" morra dentro de si, a presente película o levará a fortificar tal engajamento. Para muitos, pode ser transformador. Não deixem para depois, bucaneiros! E um feliz Dia das Crianças a todos nós, seres brincantes em essência!


MAGIA ALÉM DAS PALAVRAS: A HISTÓRIA DE J. K. ROWLING

MAGIA ALÉM DAS PALAVRAS: A HISTÓRIA DE J. K. ROWLING (2011), é uma produção cinematográfica em tons de biografia. O filme narra um pouco da história da escritora britânica, criadora da saga Harry Potter. Mesmo sendo uma produção de qualidade duvidável, com atores que não inspiram segurança, assisti-lo pode se tornar interessante, especialmente para quem é fã do mágico bruxinho, que a fez vender milhões de livros em todo o mundo. J. K. Rowling é um ícone de nossos tempos e sua obra merece um olhar atento, sob diversos ângulos. Que tal começar por aqui? Paul A. Kaufman é o diretor.


HISTÓRIAS MÍNIMAS

HISTÓRIAS MÍNIMAS (2002) é um drama argentino dirigido por Carlos Sorín. No filme, três narrativas (três personagens) se entrecruzam pelos arredores da Patagônia. Oriundos de um pequeno distrito ajuizado no "fim dos mundos", uma moça sai com seu filho pequeno em busca de um prêmio que ganhou num programa de TV, um ancião foge de casa em busca de uma reconciliação com seu cão e um vendedor de adesivos para emagrecimento instaura uma pequena jornada em prol de um novo despertar amoroso. Cada qual descobre um pouco de beleza na força de seus ingênuos e incertos passos. A felicidade vista como uma questão de tentativa, de não desertar. É um filme bonito, daqueles de inflar o peito da gente. Recomendo a todos os mortais!


GÊNIO INDOMÁVEL

GÊNIO INDOMÁVEL (1997), do diretor Gus Van Sant, é um cativante drama que se passa na cidade norte-americana de Boston. O filme centra-se na figura de um rapaz de aproximadamente 20 anos, personagem encenado por Matt Damon, cuja natureza rebelde e confusa parece não permitir que ele se "encontre" no mundo. De repente, um professor da universidade onde ele trabalha como servente, descobre que o jovem é um gênio da matemática. O professor tenta acompanhá-lo e incluí-lo no mundo científico, mas é na companhia de um analista que Will começa a se descobrir de verdade. Para ver e rever. Recomendo a todos os mortais!


* Imagem: http://www.guiadasemana.com.br/cinema/noticia/classicos-do-cinema-mudo

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Ciabotti e a pressa dos hojes

*
Por Germano Xavier

Zé Alfredo Ciabotti possui um fraseado célere, permeado com as nuances cotidianas visíveis das grandes cidades. Descreve, nas páginas do seu recente O AMOR PODE TER FIM e outros contos, uma porção dos pequenos grandes acontecimentos do mundo. Como a nos indicar sentenças de vida a cada fato disfarçado de natureza morta, o autor mineiro escaneia a outra face das vidas comuns a nos reportar sobre o fantástico de nossas caminhaduras.

Um breve papeado com o uberabense Ciabotti:


1. O que nos contam suas “personas ordinárias” em “O AMOR PODE TER FIM e outros contos”, Ciabotti?

Contam o que o mundo apressado de hoje não quer parar para ouvir, ver ou sentir.


2. Por que o conto, Ciabotti?

Uma forma mais rápida de me comunicar com o leitor e, sobretudo, um bom jeito para formar leitores, pela dinamicidade e velocidade da linguagem do conto.


3. A realidade é quase o todo da mancha gráfica em “O AMOR PODE TER FIM”. O moinho de sua literatura roda nesta direção, Zé?

Sem dúvidas. A vida real e crua, com uma pitada das minhas inquietações. O que escrevo é parte do que vejo e ouço por aí, somado à minha indignação.


4. Seu livro projeta ares de produção e distribuição alternativas. Seria esta a solução para o escritor que deseja ser lido?

Sim.


5. Qual o lugar da literatura neste nosso mundo, Zé?

Provocar e libertar.




*
Imagens: Google e Arquivo Pessoal do autor.

domingo, 15 de novembro de 2015

Lambedouro

*

Por Germano Xavier
#soschapadadiamantina



"Candombá, dá providença!
Faz o teu fogo quemá
Ô pulo meno isquentá
Dos guverno a indiferença
Quema os papé das pendença
Dos vidraçado salão
Reduz a cinza os ladrão
E mostra no teu luzi
Que nos mapa do Brasi
Tomém inxeste o sertão!"

(Tude Celestino de Souza, 
trecho do poema CANDOMBÁ)


No punhal do diabo, o golpe insano,
no homem humano, um choro-botão.
Lambedouro de chagas, fogaréu-mucugês,
canbombás ressequidos teimam morrer.

Sincorá do Espinhaço, forte e centro baiano,
Marimbus moribundo e uma Mixila sangrando.
Fumacinha, Mosquitos, Paridas, Morro Branco...
de um verdume doente e de um mal a roer.

Foi homem, foi homem? Quem foi a lançar
a brasa-desgraça a crepitar o Capão?
Lacrau deslavrado, um solo de mortos,
a dor mina o rio e minh’alma caatinga.

Bacia, serra dos mitos, Pai Inácio das lendas...
Ramalho, Camelo, doces Campos de São João,
em cada episódio as chamas, Andaraí
e Paty, varrem fundo meu coração.

Minha Iraquara das grutas, nossos Lençóis
diamantes, brigada de luta nos abafos guerreiros.
Espera o Guiné por um sol bem melhor, ou por
um rio Preto inteiro em prior do céu despencar.

Ibicoaras e mocós em dança-esperança,
Igatu e Palmeiras, sem veias, sem vida.
Bravo fogo castiga nossa mata, intenção,
e é a morte tão viva em cada alma-estação.

Mas somos da alta-corte dos quebra-ventos,
meu garimpo é escravo de uma fé sem prisão.
Nacionais forasteiros e de um todo mundano,
Roncador sopra o fogo e põe no Caldeirão.

Águas Claras marinam o foco da turba,
dantesco infernal no dorso do Cardoso.
Andorinhas e Três Barras, os Cristais viajantes,
Véu de Noiva esconde o Buracão em sufoco.

Barbárvores encravadas nas pedras erguem-se
em livramento. Rochas calcárias, terras glaciais,
vozes de imortalidade ouriçam as gentes,
e a Chapada, clemente, renasce por nossas mãos!


*

Imagens: Chapada Diamantina/Google.

domingo, 8 de novembro de 2015

Entre Mares e Marés: Conversas Epistolares (Parte IX)

*

Meu amigo querido,

Desde a nossa última conversa (Céus, como o tempo corre depressa!), tenho estado a passar pela vida de forma interventiva ou mais contemplativa, alternadamente; as palavras que me trouxeste e as outras que procuras em mim têm estado permanentemente no centro das minhas preocupações. Delas me servirei hoje para quebrar um pouco desta ausência e mitigar a distância que agora se condensa num gesto de aproximação em papel, através da palavra. (desculpa, mas eu vejo sempre uma folha de papel quando escrevo!). Distância aliás fictícia, pois nós estamos sempre a dialogar pelas muitas linhas com que se cruzam os nossos interesses e pela estética que partilhamos, pelos fogos que nos incendeiam, pelas manifestações de arte diversas em que os nossos olhares se prendem num mesmo alvo.

Poetas, cantores, cineastas, filmes, obras literárias e momentos da vida social e política da nossa aldeia cada vez mais global acabam por atrair as nossas atenções e assim nos encontramos à porta das palavras, de um conceito, ou de um(a) artista que ambos admiramos ou procuramos conhecer melhor. O processo criativo é um parto. Um parto sofrido. Acho que já tenho partilhado esta angústia contigo. Não é um parto rápido, daqueles em que as águas rebentam e tudo se resolve em minutos, mas antes daqueles em que as contrações duram mais de 24horas e a pessoa vai sofrendo, acocorada, acordada, esperando o momento da libertação, assobiando e trauteando canções.

Um parto de primípara, no caso da escrita, ainda que se tenha já alguma experiência, cada novo texto, cada linha, é um mundo novo que se abre e as experiências passadas são só memórias irreplicáveis e romanceadas pela distância no tempo. Falo por mim, claro. Coisa curiosa, sabes que eu sou atenta a pormenores: quando escrevia “caso”, inadvertidamente surgiu a palavra “vaso” no ecrã… então fiquei a pensar se a escrita não terá também alguma autonomia e se não seria melhor deixar ficar essas palavras que não escolhemos, vendo que histórias elas nos poderão contar…um dia eu faço isso, vou ousar enviar-te um texto não editado, com todas essas gralhas, para ver que enredos se desenham no meio da inexatidão desse português coxo que se escreve sozinho. Deixar de policiar as palavras e que elas se desnudem despudoradamente diante de um (im)possível leitor (só teria coragem de fazê-lo contigo, creio eu, pois saberias encontrar nessas palavras mancas outras histórias por contar).

Agora, tentando ser mais pragmática, lembro-me sempre daquela frase do meu irmão, que é esta: “semeia-se todos os dias mas só se colhe de vez em quando”. (Se me repetir, avisa, estou a chegar àquela idade interessante em que se contam as mesmas histórias vezes sem conta e parecem sempre novas e divertidas!). Eu ainda estou no tempo de sementeiras que desejo férteis, esperando uma colheita que tarda. Por vezes, o desânimo instala-se, momentaneamente, para logo dar lugar a um novo alento. Também te acontece? Também te questionas se estás no caminho certo?

E aqui chegamos à literatura, ao lugar onde a encontraremos. Diz à tua professora que a procuramos todos os dias e que com ela nos esbarramos seguramente sem mesmo termos consciência disso.

Eu encontro-a no homem que lê o jornal desportivo no café, na mulher que desenha na bula de um medicamento, no casal de idosos que se amparam caminhando devagar pela traiçoeira calçada portuguesa, mãos dadas e olhar cauteloso toldado pelas cataratas e pela humidade dos dias. Encontro-a no imigrante que vive à margem da correção formal das modernas sociedades com o único fito de dar uma educação aos filhos. No velho que finge que gosta daquele programa de televisão sem conteúdo - que lhe impingem diariamente - mas em cujo sorriso, ausente e vitorioso, se lê uma vida cheia de beleza e detalhes exuberantes. Um velho que não tem medo da morte porque ele é já um pouco a própria morte que se diverte com a mediocridade dos que vivem entre sombras. A literatura mora naquele outro casal improvável preso à rigidez das normas (s)em sentido único, que se apercebe que ser feliz é ter consciência do momento presente. Que sabe andar sob a chuva, andar sobre águas, desfazer-se em desculpas sem mágoas. Literatura é ir além do óbvio, descrever a realidade como se fosse mentira, desenhar mundos insuspeitos, dar voz àqueles que não a sabendo usar, têm algo a dizer. Pintar as árvores de roxo e pôr canários a costurar e macacos a fazerem próteses dentárias. E leões ao volante de um BMW e gazelas a dançarem kizomba. E velhas senhoras com sorrisos dóceis de meninas transformarem-se em sereias. E marinheiros nos saraus de poesia, e prostitutas fazendo tapetes de Arraiolos. E literatura é também procurar Penélopes em cada esquina de uma sombria sala de costura, desfazendo o tempo que teima em cobrar decisões inadiáveis.

Talvez seja um pouco este o lugar da literatura, omnipresente nas nossas vidas, longe dos holofotes e dos circuitos meramente formais de distribuição, caminhos quantas vezes enganosos. Perdoa-me se extrapolei…deixei-me levar pelo teu desafio. Apenas.

A tua última carta foi escrita a 10 de Setembro. Que terás vivido deste então? Que pessoas terás influenciado – positivamente, sempre - com a tua boa disposição, coerência, talento e doçura? Por aqui os meus caminhos cruzaram-se com pessoas improváveis; vou dialogando como posso, aprendendo, inteirando-me de outros mundos. Onde a honra tem um lugar cimeiro, onde a sobrevivência dita as regras e as palavras que usamos, tu e eu, fazem pouco sentido. Só os gestos contam, mundos povoados de rituais e de normas práticas autoaceites e amplamente difundidas.

A arte e todas as suas manifestações estão sempre no meu pensamento, nos meus anseios maiores. Tudo o que eu testemunho e vivo é suscetível de transformar-se em arte também. Tenho amigos que já não querem vir tomar café comigo com receio de se transformarem em personagens meus… brincadeirinha. Eu sei desligar o “complicómetro” quando estou entre os meus.

E agora, meu amigo, mando-te essa imensa saudade que advém, não só da distância, mas sobretudo da suave consciência da ausência.

Quero muito ler-te em breve, tão logo a tua vida cheia to permita.

Um beijo muito grande,
Clara.

Lisboa, 20 de Outubro de 2015.


*

Clara,

Incrível saudade é a que sinto, de nossas trocas, de nossos compartilhares. Dias tão mornos de vida passando, nada muito a me surpreender por aqui. Ruim isto, viver sem aquele pulso vital que faz a gente reluzir mesmo imerso na mais tenra escuridão. Porém, vem você assim para salvar de tais agruras, sorrateira, a me enviar seu feixe de luz e tudo se aclara, Clara!

Por cá, tenho me detido a ler, ler cada vez mais. A leitura, esta prática que me faz sentir coisas tão boas desde muito novo. Tenho lido bastante, livros e revistas que há tempos esperavam meus olhos fumegantes, sedentos, esfomeados. Fico feliz quando consigo prosseguir livremente neste ato. Ando revisitando um pouco os autores russos e alguns norte-americanos. Tenho lido bastante poesia também. Nos últimos meses, li livros fantásticos de autores conhecidos meus, de gente próxima ao coração. São como presentes para a alma.

Clara, você, alguma vez, já sentiu uma vontade imensa de fazer todas as coisas ao mesmo tempo e, ao fim do dia, quando as luzes se apagam, percebe que não conseguiu fazer absolutamente nada? Tenho vivenciado isto não raramente. É de causar na gente uma angústia perfurante. Não sei bem explicar a você como tudo acontece. Sensação de vazio. Chega a ser constrangedor. Um rombo na gente. Acontece mais quando estou pensando em escrever algum texto. Tenho vontade de escrever sobre muitas coisas, e nada. Nada acontece. Uma espécie de desânimo movendo a falta de ação... Uma dor nascendo. Você me fala sobre essa coisa da escrita ser um parto, e eu recordando destes meus casos de momento.

Pois faça tal experiência, Clara. Deite o verbo por sobre a “página” e permita que o texto caminhe sozinho, posto que é, ele, deveras um ser-centopéia, com mil pés, e com vontade própria. Quero ver como fica. Queremos. Estes aparelhos nossos diários, celulares e tablets e outros, possuem dispositivos de coleta que, ao menor descuido, fazem-nos reféns de suas conclusões binárias acerca do que está sendo digitado em seus teclados virtuais. Tudo por uma questão de celeridade. Troço-mania. Mundo que não pode estancar. Humanidade movida a turbinas. Haja pressão.

Sempre me questiono, Clara. Sempre penso que estou gastando tempo demais com coisas que no final não farão sentido algum para mim. Sempre paro e reflito: preciso mudar. Mudo, nem sempre o tanto que eu queria. Insisto em outras, dou de cara contra a parede, esbofeteio muros duros. Sangro. Se certo ou errado, o caminho, complicado inferir. Tenho constantes desejos de parar com tudo, de desviar a rota geral e pegar o caminhozinho mais vicinal, aquele de terra batida, andar para dentro dos matagais de nós todos. Descobrir as fontes. Vezes, bate um medo. Fiz isso algumas vezes e me observo no agora. Certo é que somos feitos de escolhas. Algumas, é claro, precisam esperar. Apesar de muitas vezes me sentir triste por tais afetações sensoriais, sou alegre e esperançoso. Consegue entender o que lhe digo?

Já falei a você, Clara, para não tecer este tom de perdão entre nós dois. Perdão, pelo quê?! A descrição que você fez sobre o lugar da literatura no mundo foi fantástica. Motes são para geração de outras estórias. Confesso que li, reli, treli, em consonância com suas palavras tão bem postadas. A literatura habita vários recantos. Habita todos os cantos. A literatura está em tudo. A literatura não está em tudo nem possui um lugar no mundo. Encontra-se, ela, em nossos olhos, retinas. Muito, muito clichê tudo isto, mas não menos verdadeiro.

A solidão me tem sido companheira desde o dia em que nos falamos, Clara. Uma solidão de andar só em muitos momentos, caminhar caminhos escuros, que só você pode trilhar, sem poder contar com o apoio de mais ninguém. Solidão de deixar que coisas sem brilho nos abatam. Amigos me faltam. Outros me suprem. Pouco contato social, alguns alívios ali ou acolá, mas nada muito de alterar rotas dentro de mim. Porém, nada que possa me deixar inútil. Sou castigado pelo tempo que me fiz descobrir ao longo de meus 31 anos de idade. Já sei me aparar em pedras pontiagudas quando esboço uma queda de grande altura. Muitas coisas andam me podando as asas. Todavia, possuo-as. E é bom saber que as possuo. E, depois, os dias passam e tudo muda. A gente sabe.

Meio silencioso na noite descida, despeço-me por hoje.
Amanhã é uma segunda-feira e tudo se renovará. Até a fé.

Beijos agrestinos,
Viana.

Caruaru-PE, 08 de novembro de 2015.


********

Clara e Viana são dois amigos de longa data que se redescobrem e desenham o mundo à sua volta pelas palavras que encontram, que constroem e que usam para pintá-lo. (De longa data em face da finitude da vida, recentes diante da imensidão da eternidade). Mas, que importa isso? Eles propõem-se descobrir dois universos complementares, sem artifícios nem maquilhagem, para além das máscaras habituais, as que protegem o ser humano da solidão e das agressões.

Clara e Viana são dois heterónimos, duas personagens que ganham vida através do tempo, do ritmo da palavra e do sabor dos respectivos sotaques.

Luísa Fresta e Germano Xavier dão vida a este projecto.
* Imagens de Cristina Seixas.

49 passos para se cruzar um infinito

*

Por Germano Xavier

A portuguesa Luísa Fresta, natural da cidade de Braga, encaixa-se perfeitamente naquele grupo de artesãos da palavra que gosta de esmerilhar a sua matéria-prima até vê-la reluzir em mais profundo e verdadeiro brilho. Dona de itinerários formativos vários, Luísa tem uma alma mista, composta de uma Europa infante e de uma África de desbravamentos. Angolana de coração, estudou engenharia civil na França. O manuseio vital para com a palavra é brotado já de longa data. Escreve contos, crônicas e poemas. Poemas que, em caso de reunião de alguns, deram origem ao seu livro 49 PASSOS - ENTRE OS LIMITES E O INFINITO, publicado em 2014 pela Chiado Editora.

A obra é recheada de projeções de memória, burila uma saudade do passado, infere sobre o amor e sobre a dor, em toques suaves e verazes, sem nada deixar a sujo em termos de construção. Dona de uma poética límpida, Luísa Fresta vai se revelando, a cada passo/poema, a um dom possuidor de encantos voltados para o olhar simples acerca dos acontecimentos da vida. Simples, não simplório. 49 PASSOS é um esforço para o encontro, um curto manifesto sobre a sinceridade, um conciso aparato poético cuja função maior é o sensibilizar. Num mundo onde a razão enegrece nossas frações emocionais a todo instante, tal característica revela-se no mínimo interessante.


Outros passos com Luísa Fresta:


1.Luísa Fresta, 49 passos separam os limites do infinito?

LF. 49 Passos são aqueles que me conduziram até estes textos, a uma orla que se pretende o início de outra estrada, em direcção a esse infinito intangível, mas do qual tenho uma consciência aguda.

2.Em muitos de seus passos poéticos, percebemos a escolha pela forma clássica do soneto. O soneto é mesmo atemporal? Até onde vai sua preocupação com a forma em seus poemas, Luísa Fresta?

LF. Germano, essa preocupação é real, sim! Eu acho que a forma do soneto não está ancorada em nenhuma época, enfim, não se diluiu no tempo… para mim, continua a fazer todo o sentido, lembro constantemente sonetos de Vinicius de Morais, de David Mourão Ferreira, de Verlaine; para mim, o soneto satisfaz uma procura obsessiva (que eu assumo) da musicalidade das palavras, do ritmo - na verdade eu gosto de ter essa estrutura musical para que as palavras façam mais sentido umas junto das outras e adquiram essa harmonia de conjunto. A forma, para mim, é tão relevante como o conteúdo, como bem intuíste; temo que este aparte possa parecer superficial, mas realmente creio que qualquer coisa pode servir de objecto poético, uma laranja, a neblina, uma curva da estrada, uma noite interminável… desde que olhada com ousadia, inovação, originalidade, sob um angulo novo ou renovado.

3.Em algumas passagens, uma África borrada em saudades várias é cantada, louvada. Qual a África que pulsa em 49 passos?

LF: Essa África está sempre presente. A minha (África) é sobretudo Angola, e a cidade que me acolheu na infância: Benguela. Curiosamente tenho muito mais tempo de vida noutras cidades, mas é esta a que eu considero verdadeiramente minha, que carimbou a minha identidade. A cidade ensinou-me o cheiro da chuva na terra, a simplicidade do convívio, todas as mestiçagens, as acácias rubras, as rosas de porcelana, a praia morena, a baía Farta, a baía Azul, a sonoridade suave do Umbundu e o pirão de milho. E um sotaque que permanece comigo ao cabo de décadas. Eu tenho um olhar universal sobre as coisas, mas não posso deixar de perceber de onde venho, para depois me agarrar às coisas e entender o mundo à minha maneira. Muito Benguelense, necessariamente (risos). Nem chega a haver motivo para saudades, sabes? Benguela, Luanda também, mas de uma forma mais ténue, Angola, estão sempre presentes na minha criação, na minha maneira de encarar o lazer, de pensar na família, nos amigos de infância. Eu continuo a senti-la pulsar através da música, da dança, da literatura, do cinema e das memórias e ficções que me chegam regularmente do meu pessoal de lá, ou dos “diasporenses” que como eu, recriam insistentemente Angola dentro de si.

4.Esperança, sonho, medo do erro repetido e desejo de mudança, além do amor imperioso, são alguns dos caminhos por onde o eu-lírico transita em 49 Passos. Quais são os outros segredos desta jornada, Luísa?

LF: Olha, Germano, para além desses caminhos que encontraste nestes textos, posso dizer-te que 49 Passos representou, sobretudo, uma enorme porta que abri, a duras penas, que vou abrindo, para uma outra dimensão da vida e para o poder das palavras. O segredo desta jornada é prescindir de alguns bloqueios, ousar romper com a zona de conforto e com uma espécie de tédio intelectual, deixar que as palavras escolham os seus próprios alvos; há alguma autonomia neste processo criativo, que me exclui, no qual eu me sinto mera leitora da palavra já pronta que se oferece em espectáculo. Não sei se serão segredos, mas talvez zonas de nevoeiro e sombra nas quais adivinho ainda muito por descobrir e inventar.

5. Da admiração por cidades, como a citar Benguela, Nancy e Havana, até cantos destinados a plantas típicas do deserto do Namibe... 49 Passos tem um pé na observação geográfica do mundo. Como o conjunto de sua obra se serve de tais (inusitados) incrementos, Luísa?

LF: Olha, é interessante reparares nisso. Ninguém existe sem um espaço, sem um enquadramento real, sem um chão para pisar e deixar vestígios, sem um mar para olhar ou cantar. Eu encontrei essas influências nesses lugares todos, hoje acrescentaria algumas outras cidades/culturas como Lisboa, como a Praia, em Cabo Verde, pelas mornas, pela literatura, pela língua, pelas pessoas. Há uma cidade que eu nem conheço, no sentido de que nunca lá estive, mas com a qual tenho uma afinidade profunda, desde sempre: Havana. Talvez nem seja bom eu ir lá, para não desmistificar e romper com esse quadro de idealização da cidade, não é? (risos) Mas conheço de outra maneira, não a sua geografia, por não tê-la tateado, mas a sua gastronomia, música, recantos e a sua memória. Já é um começo para se amar uma cidade. O deserto do Namibe tem aquela flor magnífica que é característica do local (a Welwitschia Mirabilis) e que me fez olhar os grandes espaços e o horizonte com outros olhos, o deserto do Namibe, em Angola, o Sahara, e todos os desertos que nos povoam. Eu gosto de perceber que as pessoas são moldadas também pelas suas terras de origem, para além das vivências e da parte genética. Alguém que nasceu numa ilha, num meio rural, entre um engenho de aguardente, em meio a sete irmãos, e esperando eternamente uma chuva que não vem não pode ser igual a outra pessoa que nasceu e cresceu numa terra fértil com árvores frondosas e cheiro a banana seca pelas manhãs. Essas coisas ajudam a forjar uma personalidade, um apego a valores, a criar estruturas duradouras. Por isso eu quero dar alguma relevância a esses pormenores estáticos, a essas coordenadas geográficas, culturais, que tiveram influência na pessoa em que me fui tornando.

6. Luísa, por favor, um poema do livro que você considera bastante relevante.

LF. Rotas Paralelas, que segue assim...

"Para ti os abraços
São estilhaços de costelas
Pintam hematomas nos braços
E perpetuam esquálidas sequelas

Para mim os abraços
São suaves nuvens de calor
Fundem em nós inabaláveis laços
Desmantelam resquícios de rancor

Para ti uma viagem
É um reencontro permissivo
É uma despedida, uma paragem
Um silenciar intempestivo

Para mim uma viagem
É uma fuga cega para a frente
Redescobrir-te algures na bagagem
Saber-te comovido e comovente

Para ti um termo
É uma palavra inconclusiva
Ausente dos teus cem termos
(E se a soubesses seria decisiva…)

Para mim um termo
É um estrito e rotundo Não
Que me surge só de um lugar ermo
Longínquo e numa outra dimensão

Para ti as horas
São só minutos ímpares
Que arrumas onde não moras
São migalhas do tempo que ocupares

Para mim as horas
Convertem-se numa eternidade
Que em segundos devoras
Com laivos de cumplicidade

Para ti o encontro
É um espaço brutal de exaltação
De breves palavras e de reencontro
Laboratório da paixão

Para mim o encontro
É uma conversa visceral
Após um breve desencontro
Um longo desengano virtual

Para ti a palavra
É a não-dita, é a ignorada
É na verdade a falta de palavra
A cada instante mais silenciada

Para mim a palavra
É o verbalizar do que perdura
É uma chuva de ternura
Oferecida gota a gota"


49 PASSOS - ENTRE OS LIMITES E O INFINITO, de Luísa Fresta. (Chiado Editora, 2014)

Alguns dados relevantes:

* Em 1998, a autora participou, em Portugal, do concurso de contos curtos “Expo 98 palavras” no qual viu o seu conto CRIME publicado juntamente com cerca de outros 100, entre 2.364 candidatos.

* Em 2013, ficou classificada em 2º lugar no 9º concurso online – II Prêmio Licinho Campos de Poesias de Amor (Brasil) com o poema SONETO DO AMOR NO FEMININO. Também nesse ano obteve o 2º prêmio no 1º Concurso Internacional de Literatura de Alacib, na categoria “Crônica” (Brasil) com o texto intitulado OUTROS CAMPEONATOS.

* Em 2014, o seu poema TALVEZ foi considerado um dos melhores 50 apresentados a concurso e incluído numa coletânea publicada pela Academia Jacarehyense de Letras promotora do 8º Festival Internacional de Sonetos.

* Em 2015, o seu poema PEQUENO BILHETE foi selecionado para integrar uma antologia a ser publicada no dia da poesia pela Chiado Editora. Nesse mesmo ano a sua crônica LUANDA, aliás "São Paulo da Assunção de Loanda" foi escolhida para inclusão numa coletânea a ser editada pela Casa do Poeta Brasileiro de Praia Grande-SP.

* Publicou em 2012 e 2013 uma série de crônicas enquadradas num ciclo dedicado às décadas de 70/80 da vida em Luanda, através do Jornal Cultura - Jornal Angolano de Artes e Letras (http://jornalcultura.sapo.ao/) com o qual colabora regularmente e publicou também pontualmente em diversas publicações (revista moçambicana Literatas, revistas brasileiras Samizdat e Subversa, e site de crítica de cinema, Africiné (www.africine.org), do Senegal). Desde Outubro de 2013 escreve quinzenalmente no portal brasileiro O Gazzeta, (www.ogazzeta.blogspot.com.br) e desde Novembro de 2014 assina duas colunas na METROPOLIS, revista portuguesa especializada em cinema).

para outras informações, entre em contato:

https://www.facebook.com/luisa.cartaxofresta
https://www.facebook.com/49Passos/


Imagens: Arquivo pessoal da autora/Google.

sábado, 7 de novembro de 2015

Manoel de Barros, meu amor

*
Por Germano Xavier

"Agora não quero saber mais nada, só
quero aperfeiçoar o que não sei."
(Manoel de Barros)


Se um dia eu tivesse a oportunidade de conhecer o nosso tão estimado poeta das “coisas desprezíveis”, Manoel de Barros, não ia, jamais, almejar sair tagarelando com ele chatices alheias sobre o mundo das normalidades cotidianas. Ia, sim, querer saber se ele poderia me conceder a honra de um passeio por sua fazenda a passos bem lentos, com ele a me contar sobre lesmas e caracóis, com ele a me estupendear acerca das pedras e dos sapos.

Que com ele, amigo, é assim. A gente aprende a se coçar por dentro. Coçar, tanto e tanto, até sair borboletas da gente. Num passeio assim, decerto que eu ia aprender até que, se cultivarmos bem, viver a vida inteira na infância não é nada mal. Só ter infância é fantástico, é o que nos ensina o seu livro MEMÓRIAS INVENTADAS – AS INFÂNCIAS DE MANOEL DE BARROS. Já pensou a gente poder enxergar tudo sempre com nossos olhos ingênuos de espanto e inauguração?

Manoel é um desconstrutor das temperaturas mornas, inventor de linguagens do ver, amador de tudo aquilo que não possui serventia. Eu não sei você, mas durante o passeio, perguntaria coisas mais ou menos assim a ele:

1. Manoel, sapos sofrem solidão?
2. Manoel, os bocós não são os salvadores do mundo?
3. Manoel, o que fazer para ter a primazia das garças?
4. Manoel, isso era não é mania de amar as fontes?
5. Manoel, vamos brincar de lisonjear palavras?

Seria um passeio incrível, amigo. Certeza que, ao final, eu teria tocado o rosto dos dons da poesia através dos olhares e dos meneios do poeta amado. Ou me transformado num passarinho, que seria a mesma coisa.


* Imagem: http://www.vermelho.org.br/noticia/253513-11

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Qualquer embarcação para longe

*
Por Germano Xavier


"Lo que antes me enseñó lo guardo! Es aire,
incesante viento, agua y arena."
(Pablo Neruda)

há motivos para amá-lo:
olhá-lo, entre emissões do sol
e agudas ondas de espuma branca,

unge-me, carne e alma,
o verbo mais raro.

a dor, outra palavra para o amor,
coisa azul-esverdeada e sem lugar,
serve-se em regular as fases de maré
que blindam
nossas alvas vaidades.

o mar,
professor de movimentos,
cobaia para o azul dos céus,
capaz de qualquer patente,
assevera em mim

o coração caudaloso.

suas águas de saudade,
seus moinhos insolventes,
seus ministérios de corais,
suas radiais dobras no horizonte...

o mar salgado, de úmidos seres,
de onde evoluem as emboscadas,

o mar que me agride quando o ouço,
imperiosa música para cais.

mar,

herói de nossos cansaços,
pessoa máxima das lágrimas,
hiato das belezas em arremate:

- em dito teu fim, o que nos sobra?

a manta
de tuas cores areais,
saúdam em mim por armas, suores,
que lançado em teus braços infindos,
podemos

ser de tudo de tão mínimos
e amantes (mesmo que)
em vis instantes.

Praia de Porto de Galinhas-PE, novembro de 2015.


* Imagem: Germano Xavier

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Um olhar sobre colocação pronominal

*
Por Germano Xavier


VIEIRA, S. R.; BRANDÃO, S. F.. Ensino de gramática: descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2007, p.121-146.


A problemática envolvendo a questão da COLOCAÇÃO PRONOMINAL, principalmente com relação ao seu uso/ensino, termina por revelar de antemão a grande ligação existente entre a Fonologia e a Morfossintaxe, do mesmo modo que serve de ponto de apoio para identificar reais aproximações e/ou divergências no tocante ao uso da língua portuguesa tanto no Brasil quanto em Portugal.

A colocação pronominal obedece não só a fatores estruturais, mas também a aspectos estilísticos e rítmicos. De tal forma, um trabalho que envolva a temática da colocação pronominal vai sempre passear por três vertentes: a sintática, a morfológica e, por fim, a fonológica, não sendo possível deixar de lado alguma destas características em caso de se efetuar um estudo mais aprofundado acerca do assunto.

Dada a relevância do tema, e visto que se agrega em campos da pesquisa de caráter interdisciplinar, um olhar sobre o uso das colocações pronominais sempre se mostrará pertinente e, diria, fundamental para a lida diária de profissionais e pesquisadores que perpassam esta área do conhecimento.

Destarte, alguns pontos definidos com base em pesquisas recentes merecem destaque:

• A abordagem tradicional tenciona que há mesmo uma situação conflituosa envolvendo a colocação pronominal no português brasileiro e no de Portugal e que, num olhar aglutinante, a ênclise seria a regra geral;

• A abordagem descritiva em duas gramáticas estudadas indicam que ou a ênclise é o padrão básico, não marcado, ou os clíticos se colocam sempre anteriormente antes do núcleo do predicado (verbo);

• A abordagem sociolinguística aponta que há um equilíbrio na ocorrência de próclise e ênclise em lexias verbais simples nas duas variedades do português (modalidade oral), inexistindo casos de mesóclise. Quanto à escrita, há um leve aparecimento de casos envolvendo mesóclise na variedade europeia do português. De resto, mantém-se o equilíbrio quanto ao seu referido uso;

• No português europeu (oral), e com relação aos elementos condicionadores da ordem do clítico pronominal, observa-se maior ocorrência da variante intra-CV (Complexo Verbal), sendo que no caso do português brasileiro este índice pode chegar a 90% dos casos;

• O tipo de clítico, a forma do verbo não-flexionado e a constituição do complexo verbal são fatores importantíssimos para o condicionamento da ordem dos pronomes, tanto na variedade do português brasileiro quanto na variedade europeia;

• Quanto ao tipo de clítico, fica evidenciada a marcação maioral da posposição do clítico acusativo de 3º pessoa aos complexos verbais;

• Quanto ao tipo de complexo verbal, o comportamento do português brasileiro diferencia-se da variedade europeia pelo fato de apresentar o pronome anteposto à segunda forma verbal, como no exemplo: pode me dar;

• Quanto à forma do verbo não-flexionado, percebe-se que a forma do particípio não recebe bem o pronome. A variante pós-CV é, assim, bloqueada pelo particípio e desfavorecida pelo gerúndio;

• Com relação à análise prosódica, percebe-se que o pronome átono do PB assume feições de sílaba pretônica vocabular e o seu parâmetro de ligação fonológica é inclinado à esquerda, sendo que duração e intensidade são os fatores que mais influenciam na cliticização do pronome à esquerda;

• Dentro do ambiente da colocação pronominal brasileira, a caracterização sociolinguística a partir das pesquisas empenhadas infere que a próclise é a variante preferida, mesmo na escrita, ficando a ênclise destinada a alguns casos especiais em contextos morfossintáticos (a ênclise pode figurar significativamente na oralidade);

• O profissional/linguista deve estar ciente da co-atuação de variáveis extralinguísticas (modalidade e registro) e linguísticas (tipo de clítico e presença/ausência de “atratores”) no contexto da fabricação da regra variável;

• O ensino da colocação pronominal, observando os fatores da regra variável, promove diversas habilidades em leitura, desenvolvendo também o raciocínio científico do aluno sobre a língua;

• Para um melhor progresso na relação de ensinagem, faz-se preciso que o professor revele ao aluno cada contexto variável em função das variedades e das modalidades linguísticas em uso, apresentando assim todas as possibilidades inerentes aos diferentes níveis gramaticais, indo desde a ordem dos pronomes em relação ao verbo até a averiguação acerca da função sintática que os referidos pronomes exercem nos enunciados;

• Num olhar geral, a orientação denominada de “sociolinguística inovadora” é a que se apresenta melhor equipada para os desafios da ensinagem, pois viabiliza ao estudante o contato com o maior número possível de opções, valorizando para isso os contínuos da variação e não negando o estatuto social da linguagem, padronizador e mutável ao mesmo tempo.


* Imagem: http://edusampaio.com/2012/01/03/colocacao-pronominal/
Resumo: texto em formato de recortes.

sábado, 24 de outubro de 2015

O julgamento das almas largas (Parte II)

*

Por Germano Xavier e Camilla Tebet


“Nenhum homem é uma ilha.”
John Donne


SOBRE AS CONDICIONANTES


No meu coração bate vento e não passa mais nada no vão. Fui a uma festa que não acabou. Bebi demais. Não evaporou. Encostei numa parede qualquer, mexi no cabelo, cruzei um pé no outro e ouvia a música. As pessoas não pararam de dançar só porque eu me sentia estranha. Na verdade eu não tinha com quem falar. Minha meia calça rasgou no banheiro e minha bolsa era velha. Esses dias aprendi a fazer maquiagem, mas acho que exagerei. Tudo um exagero. Meu coração venta e tem bocas e vozes saem dele. Umas gritam. Alguém disse que é um grito. Eu tirintilo. Mas a pouca luz me conforta. Como se a qualquer momento pudesse fechar os olhos e viver a vida real. Há, quantas vidas eu vivo! E tem gente que acha que não vivi nenhuma. Essa estrada me leva em busca da falta que me move. Do estudo que ainda não fiz de mim. Da célula desgarrada. Sim, porque eu quero um caminho. Linha reta e gozar curvas. Minhas pernas tremem porque respeito as palavras.

dura realidade. a de não existir. não existindo, deixamos de amar. a realidade é uma foice. inda não caímos na real. não a compreendemos. um dia? somos guardadores de realidade. estocamos realidade. isto é ruim. isto é bom. isto é todavia. para onde nos esgarçaremos mais? estaremos como seres tisnados, carvão nos pulsos, extremamente poluídos de tudo. meninos carvoeiros. meninas carvoeiras. a realidade é incauta. somos incautos. o que inferir? beber a água que nos resta? forçar a chuva ácida? um arrocho. a realidade. existência é linguagem. sem linguagem, não há mundo nem ser. nem as coisas inteiras. só as coisas pela metade. e vida não pede metade. e vida pede inteireza. riscaremos o aglomerado dos indignificados símbolos da vida do mapa. somente através, atravessar. calada noite preta. imediata. zeugo: há música, porém. afinal, você tirintila. você inda lembra? você inda lembra de você?


*  Imagem: http://www.deviantart.com/art/Night-Path-568052559

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Sobre as regas

*
Por Germano Xavier

regar as flores
mesmo se plásticas
regar as flores


* Imagem: http://www.deviantart.com/art/Flower-field-241167105

sábado, 3 de outubro de 2015

A farsa

*
Por Germano Xavier

para o professor Elcy Luiz da Cruz,
desorientador de caminhos vagos
(todo o meu respeito)


pensando bem,
depois de Kafka veio a euforia.
a mão trêmula. a bandeira e o mastro.
a guia é a bomba morta que aviva o breu.
a palavra é o pássaro com altura de precipício.

pensando bem,
o desajuste necessário cabe
em não entender do mesmo jeito.
devemos, pois, tentar bagunçar o bolo
e lançar mãos de todo reinado.

uma vaga para o próximo domingo
livrar-nos-á o enterro das relutâncias.
geme a miserável pedra da história.

e aos democráticos,
e aos liberais,
e aos pacifistas,
e aos libidinosos,
e apesar dos humildes associais,
aqui jaz a pluralidade.

mas

como na cena de sua voz trôpega
a dor é sempre maior que um mero fato,
começo a contar o começo das covas rasas.

(não que morrer em branco lembre-nos um vegetal futuro)

o caso é:
extenso é o mal
e todo sonho é um manual de sobrevivência.

- Podemos nos consumir agora?


* Imagem: http://www.deviantart.com/art/The-Tree-of-Life-150216752

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Mariana Basílio e o seu NEPENTE: um breve diálogo

*
Por Germano Xavier


NEPENTE é o título do primeiro livro de poemas de Mariana Basílio, 26, poeta graduada em pedagogia, mestre em Educação e natural de Bauru - SP. O livro é um recorte poético que demarca o homem, o tempo e a natureza da vida. O tempo em NEPENTE é um tempo de acabar-se, de polir-se em terminuras, em fins e inícios, tempo da passagem do próprio tempo: a possibilidade do ser-além, do aprendizado constante. Aprender que é, antes de tudo, espantar-se. Porém, NEPENTE é também latinidade, é a contemplação dos mortos de Gaza, é a eternidade inaudita dos gritos mundanos, é o corpo como oração déspota, é a lembrança cigana de terras invioláveis, é o céu e o sol dos mantos das deidades, o “instante total da vida”: o amor.


1. No poema REBENTO, você escreve “Minha intenção é a pura essência” e se questiona logo após “(e qual a essência verdadeira?)”... Aproveitando tais versos, pergunto a você, Mariana, qual a essência e qual a intenção de seu NEPENTE?

Posso começar a falar dessa tal intenção-essência pelos versos finais do próprio Rebento: “Sinto-me ampla e ausente, /o rebento impensado da pureza, /coração poente”. Primeiramente, devo dizer que a principal intenção dele (Nepente), antes mesmo da formação dos conteúdos poéticos, foi a de me libertar, me assumir poeta. Este momento veio aos 25 anos. Pensei no Nepente timidamente, como uma espécie de salvação minha, um ritual, para que eu pudesse nascer, me crescer poeta.

Já a essência, mesclada com a intenção poética do livro, dos temas e do estilo nepêntico, foram moldando-se a partir do primeiro poema, nada foi muito pensado antes disso. Mas o sentimento da palavra-mãe “Nepente” – a tentativa de escrever um livro-poção contra a tristeza e o sofrimento, me levou a falar sobre rebentar-se mesmo, libertar-se, dizer um pouco da alma, da natureza, do místico, social e religioso - isso esteve comigo em todo o percurso até a finalização da obra.


2. NEPENTE, desde a epígrafe que abre o portal poético do livro, passando por referências a grandes escritores do passado e indo até a escolha das imagens que vão ao miolo, possui uma atmosfera de estampa demasiado clássica. Até que ponto este aspecto é proposital em sua escrita de agora e o que isto significa?

O próprio título do livro, Nepente, é originário de uma obra clássica, a Odisseia de Homero. Ocorre que talvez essa atmosfera tenha acontecido a partir de minhas leituras, que têm referências de importantes autores clássicos, alguns citados-homenageados no livro, como Dante Alighieri e William Blake. A capa e as imagens do livro são obras do maravilhoso pintor inglês, do meio do século XIX, John William Waterhouse. Elas casam bem com esse universo, entre o que leio e o que tentei viver na obra.

Não foi nada proposital, aconteceu simplesmente surgirem os temas, os poemas, a junção do todo. Mas o meu livro é um amador, um iniciante, todo cru mesmo – foi somente o meu saltar, a engatinhar na Literatura. E se me perguntares, te direi como sempre o quanto eu sou exigente comigo mesma. Então, não consigo vê-lo como um ar realmente clássico, mas compreendo que, comparado a várias coisas que vemos na poesia contemporânea, ele pode ser visto por várias pessoas como algo que emana essa atmosfera.

Enfim, vejo o Nepente como uma criança a tentar descrever várias coisas, muito vagarosa ainda, insegura. Mas que vai adiante.


3. Em alguns poemas, é perceptível o tema da fuga, da busca, do itinerário a seguir... a poesia serve para que se chegue a algum lugar?

O livro começa com poemas envolvendo, dor, morte, sofrimento, e desenvolve-se em alguns questionamentos, fugas, transformações, até tornar-se mais leve, a voar.

Quando os escrevi, foi como viver várias fases que vêm e que vão muitas vezes em nossas vidas; escrevê-los foi então uma forma de superação das coisas.

A poesia serve para que não sejamos engolidos pelas dificuldades cotidianas, para que não nos alienemos com as dores e as barbaridades que muitas vezes vivenciamos ou sabemos que existem, simplesmente. Ela existe para eclodir um tudo, mesmo que exista um nada. Para mim, a poesia é um portal para se ser plenamente, no campo da alma, no fundo dos nossos olhos.


4. Se há uma palavra que me chamou a atenção em seus versos, foi a palavra ETERNIDADE. Qual o sentido da “eternidade” em NEPENTE?

Tem um sentido espiritual, místico – de uma possibilidade de existência para além de elementos de vida e morte. O sentido foi libertário, de se existir para ser eterno, ao menos por instantes, sentir-se eternamente ligado aos elementos místicos, naturais, sentimentais – para sermos outros, sermos sempre levados a uma transformação.


5. Por que poesia, Mariana?

Por que a vida, Equador das Coisas?

É isso. Como dizia Herberto Helder: o poema faz-se contra o tempo e a carne.


NEPENTE (Giostri, 2015), de Mariana Basílio.
* Imagens: Acervo pessoal da autora.

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Olhares sobre linguística, gramática e seus usos

*
Por Germano Xavier


NEVES, M. H. M. Que gramática estudar na escola?. São Paulo: Contexto, 2003.


Logo no início do capítulo do livro Que gramática estudar na escola?, intitulado de Para uma gramática escolar. Linguística, uso linguístico e gramática na escola, de Maria Helena de Moura Neves, visualizamos facilmente a presença de um esboço acerca da importância e, também, da dificuldade que é pensar o supracitado tripé dentro da heterogeneidade do ambiente escolar. Neves, considerada uma das maiores vozes do pensamento linguístico nacional, opera seu discurso partindo do pressuposto de que ainda não se deu uma junção clara e ideal entre o que Clairis (1999, p.35) chama de “dinâmica linguística” e as possíveis referenciações paralelas à “descrição gramatical” relacionada aos processos da língua que se relacionam com a gramática. Publicado em 2003, o livro da professora aposentada da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp é um esforço em prol da construção de uma visão de gramática funcionalista, onde o que mais interessa é, deveras, a língua em funcionamento e todas as suas respectivas determinações a partir de seu uso ou de sua manipulação.

No referido capítulo, a pesquisadora traça, em diálogo com Clairis (1999), uma grade de perspectivas envolvendo o portfólio histórico que abarca as visões gerais acerca da gramática, assim como de seus usos mais antigos e duradouros. A conclusão a que se chega indica que a gramática, enquanto elemento público cultural demasiado prático sempre se revelou um grande artefato constitutivo de representações de poder e/ou de autenticidades identitárias mundo afora, fato que sempre a manteve num alto patamar de relevância dentro dos alicerces sociais e políticos dos povos.

Apesar de divergirem em muitos aspectos, as visões mais comuns acerca de gramática que se têm hoje ainda não conseguiram fugir do ideário de que ela, a gramática em si, é, no fim das contas, um arcabouço de base dogmática que visa exclusivamente à obtenção de esclarecimentos da ordem do Certo X Errado, uma das dicotomias discutidas no texto em questão. Se formos fazer um pequeno apanhado histórico tendo em ponto maior a gramática, esta aqui observada tal qual um campo de estudo da língua, perceberemos que seu surgimento se deu ainda na Grécia Antiga. Naqueles idos, a gramática possuía caráter essencialmente normativo (grammatiké, pois, significa “a arte de ler e escrever”) e, por um ou outro motivo, alongou-se a manter tais propósitos.

Ao analisar a conduta agregada à noção de gramática dentro da esfera da escola e, no mesmo compasso, no interior de um turbilhão de filosofias educacionais e ideologias pedagógicas que parecem florescer a cada nova estação, Neves (2003) discute algumas dualidades conceituais que elaboram hoje o básico das discussões que tematizam o uso gramatical, a começar pela já referida noção de Certo X Errado, passando pela problemática do Uso X Norma Padrão, Língua Falada X Língua Escrita, indo até desembocar em quesitos referentes à Descrição X Prescrição.

Em tais interlúdios conceituais, que nem sempre dizem respeito apenas ao domínio do uso linguístico, a linguagem viva de todos os seres humanos mostra-se não linear, mutante e cada vez mais arisca aos cimentos do tempo. Por trás de todo este fenômeno, a gramática se esconde em entendimentos inúmeros e de certa maneira comumente equivocados, que muitas vezes a impedem de seguir seu caminho com uma maior desenvoltura.

Decerto, a principal imagem construída ao se usufruir da leitura do texto da professora Maria Helena de Moura Neves é a de que o conceito de gramática é muito extenso, já que graúda é a esfera do saber linguístico ao qual ele está imiscuído. Por grande ser este espaço de averiguação científica, fica instalada aí uma problemática de igual dimensão. Afinal, como usar a gramática e qual a melhor forma de enxergá-la ao se tratar do ensino de língua?


* Imagem: http://www.deviantart.com/art/In-one-word-179108260