segunda-feira, 25 de julho de 2011

Úrin e o segredo de Vó Lia


Por Germano Xavier


“Os gnomos nem saíram ao dia, bichinhos esquisitos!”, pensava Vó Lia em voz alta.
Era outono.

Estes pequenos espíritos de matéria parecem gostar de surpresas, pois é de supetão que sempre surgem. Quando estão felizes, deixam as plantas mais verdes, o sol mais amarelo, os frutos mais maduros, a terra mais fértil. Quando estão chateados com alguma coisa, zangam-se e fazem maldades.

Vó Lia era quem conversava muito com eles, a qualquer hora que quisesse ou quando não estava atarefada com as coisas de dentro de casa. Eu nunca os tinha visto, mas ouvindo sempre as histórias que minha avó contava sobre eles, parecia que moravam nos fundos do velho casarão e que éramos, mesmo distantes, confidentes convivas, o que, óbvio, não passava de uma inverdade. Estes anões, doutores da natureza, liderados pelo rei Ghob, apenas povoavam a minha imaginação de moleque.

E foi assim durante toda a minha infância. A imagem mais comum era a da minha avó Lia sentada na cadeira de balanço a tricotar o tempo, amiúde, e eu, seu netinho querido, jogando com as horas os mais edificantes desperdícios que o instante me emprestava, ali, ajoelhado a brincar nas proximidades do olhar da velha.

A cadeira ainda está lá, depois de todos esses anos, assim como as paredes conservam as tonalidades de outrora, como o ar do interior dos cômodos mantém o fresco aroma da mata nas laterais da casa, onde corríamos até o riacho aos tropeções, eu e minha irmã mais nova a desbravar as trilhas.

Minha irmã nem era nascida quando escutei pela primeira vez Vó Lia falar dos gnomos que habitavam os arredores do casarão. Eu sabia que ela gostava muito de ler e, por isso, pensava sempre que era apenas coisa da cabeça dela, que tudo era fantasia. Tio Mário sempre dizia que quem lia muito ficava lelé-da-cuca mais ligeiro. Pensava, eu disse, até o dia em que fui tocado por um.

Eu devia ter meus seis ou sete anos e naquele exato momento do dia Vó Lia quarava as roupas no quintal. Ele me tocou duas vezes, mas imaginando ser o raspão de minha pele em algum objeto, não fiz o necessário volteio da olhadela. Achando-se sem resposta, ele me deu um beliscão na perna esquerda. Eu, em contrapartida, um sobressalto danado de doido, um pulo para trás, desengonçado, meio-medo-meio-espanto. Foi quando me dei conta de que tudo que ouvira de minha avó era verdade, e uma verdade esverdeada com alguns centímetros de altura.

Logo veio em minha direção, e aproveitando que eu me encontrava caído e com as pernas a dar nó, aproximou-se do meu rosto.

— Olá, garoto! – disse, aparentemente confuso.

— Oi! – respondi, perplexo.

— Você tem nome? – continuou.

— Tenho. Me chamo Pedro. E você?

— Pode me chamar de Úrin.

— De onde você vem?

— Eu venho de dentro do jardim. Moro embaixo daquela baraúna, vê?

— Aquela enorme? Sim, eu vejo. Mas...

A princípio, fiquei com medo do homenzinho verde de barrete vermelho, que esbanjava sabedoria. A voz dele era rouca e não tinha sotaque estranho. Parecia aflito, pois mexia os bracinhos num molejo ávido.

— É a primeira vez que vejo um gnomo. Por que está aqui, Úrin? – perguntei, desconfiado de sua reação.

— Eu preciso te mostrar uma coisa. Preciso que venha comigo.

— Mas... como assim? Ir para onde? Agora?

— Sim. Venha. Basta que siga minhas pegadas.

— Mas eu tenho medo!

— Venha, eu te ajudo.

E quando dei por mim, lá estava eu, até então o único neto que Vó Lia tinha, enveredando pelo jardim repleto de plantas a me arriscar por inteiro, guiado por um gnomo e na direção do desconhecido.

Por inúmeras vezes, pensei ter perdido Úrin de vista. Um frio curto me invadia os braços, mas ele sempre aparecia quando eu empacava no meio do nada, perguntando-me sobre o que andava eu a fazer e por que tanta demora. E me puxava novamente para o interior do verde vegetal.

Diante da imensa baraúna centenária, ele apontou a mão para uma pequena abertura na base do tronco da grande árvore. Era uma pequena porta, e por ela entramos. Descemos por um longo corredor, cujo teto era formado por um emaranhado de raízes, de grossas espessuras. O ar era úmido e havia um forte cheiro de terra molhada. E também minhocas, muitas minhocas.

No fim do longo túnel de terra, uma outra portícula, onde dois gnomos pareciam fazer guarda. O ambiente era festivo, com gnomos dançando e bebendo, outros tocando pequenos berrantes feitos de caules ocos. Quase todos barbudos, vestindo roupas coloridas e capas grossas de couro.

— Venha, Pedro, por aqui! – disse-me Úrin, apressado.

Eu o segui, sem titubear.

Úrin pediu que eu me sentasse sobre um pequeno tronco cortado. Tirou de um baú um embrulho com cuidado extremo e o colocou ao centro, sobre a terra avermelhada. Depois, com gestos, incentivou-me a desembrulhá-lo. E, com cautela, fiz o que me pedia ao passo que foi me dizendo...

— Sua avó, em nossa última visita coletiva ao casarão, rogou-nos guardar um segredo, Pedro. Um segredo que só ela sabia. Sua avó está morrendo, e com ela todo o jardim morrerá também. Somos todos filhos de sua avó e a ela devemos nossas vidas. Você chegou à maturidade e precisa tomar uma decisão.

— Mas isto é um barrete vermelho e uma vestimenta de gnomo, Úrin! – gritei, esbaforido.

— Sim, Pedro, e cerzidos por tua avó!

Nenhum comentário: