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Por Germano Xavier
em memória de meus avôs João Pimenta e Elizeu Xavier.
O pai do meu pai, pernambucano da região de São Bento do Una, chamava-se Elizeu Xavier. O pai da minha mãe, um baiano da pacata Canarana, chamava-se João Pimenta. Meus avôs, portanto. Sobre eles, não tenho quase nada a dizer. Não conheci meus avôs, digo conhecer de verdade. Até poderia recordar de algo, já que tive contato nos anos primevos com os dois, mas minha memória curta e falha não me permite absolutamente nenhuma reminiscência mais real acerca da presença deles em minha vida.
Elizeu foi um homem matuto, pai de quase uma dezena de rebentos, mas com um respeito bem definido nas redondezas. Homem daqueles com cheiro de curral e gado pastando. Pelo menos, ele foi e ainda é assim na minha imaginação, que sempre teima em colocá-lo sobre o lombo de um cavalo lustroso a trotar no meio de uma paisagem rude, tropeira, mas muito significativa.
O que sei de meu avô Elizeu é somente o que ouvi falar dele até hoje, principalmente durante as viagens que fazíamos para a terra natal do meu pai, quando eu era apenas uma criança descobrindo o mundo. Escutava meus tios e tias nas rodas de conversa relembrando, vez ou outra, os modos dele, suas aventuras de perfídia, a bravura, a cegueira, os últimos dias, as nuances mais emocionantes de uma vida severina e de muito orgulho.
João Pimenta foi um grande comerciante, dono de fábrica de bebidas e proprietário de muitas terras também. Bem de vida, possuía caminhões, tratores e carros do ano, com os quais levava os filhos para passear nas tardes de um ontem nem tão distante assim. Minha avó Isaura, sua viúva, vez ou outra contava alguma coisa sobre ele nos almoços em família nos domingos de outrora. Eu escutava tudo, como sempre prefiro fazer. Num certo dia úmido e pós-chuvarada, meu avô João escalou uma escada para consertar uma telha que se achava fora do lugar dentro de um de seus galpões. Segundos depois, meu avô estava estirado no chão, caído e quase imótuo. Levado ao hospital na cidade vizinha de Irecê, não resistiu. Morreu ainda muito jovial.
É mais ou menos assim o que sei sobre meus avôs, tudo muito simples aparentemente. Meus avôs morreram antes mesmo de eu ter a capacidade de guardá-los dentro de mim, de selecioná-los em minha mente como uma fotografia eterna que fosse capaz de resistir ao passar dos anos. É como se meus avôs simplesmente tivessem ido embora em determinado momento para algum lugar muito distante sem que ao menos se despedissem de mim.
Hoje, com quase trinta anos nas costas, eu penso neles como ausências que me fazem falta. Não falta como sentimento simplesmente mórbido e ruim, porque pode ser também boa e desafiadora. Todavia, e apesar desse esforço que efetivamente faço para tornar tudo mais ameno dentro de mim e que creio ser símbolo de amadurecimento pessoal, não dá para escapar de questões do tipo: Que criança eu teria sido nos domingos em família em Canarana se meu avô João estivesse no meio de nós? Que conselhos teria ele me dado? Será que gostaria de brincar comigo? Será que eu teria aprendido a cavalgar se tivesse conhecido de verdade o meu avô Elizeu? O que teria eu aprendido na companhia dele? Enfim...
Observo o menino que não teve avôs dentro de mim na perspectiva do movimento. A ausência é uma espécie de movimento, ar que toca a pele feito ventania. Leva e traz, carrega algo e se esquiva, posto entidade dotada de flexibilidade. Por assim me deter diante de tal evento, preservo meus avôs do esquecimento que de fato sepulta algumas das mais belas e frágeis imagens memoriais. Receio até que os mantenho tão ou ainda mais vivos pelo fato de imaginá-los tão puramente. E acho a resolução das imagens que formulo demasiado interessante. É quando me vejo correndo por entre os enormes vasilhames da fábrica de bebidas do meu avô João Pimenta ou passeando calmamente num carro de boi cantador pela Fazenda Cajarana, local onde meu pai andou seus primeiros passos, tendo como guia meu avô Elizeu Xavier. Falta que não se fazem ausências.
* Imagem retirada do site Deviantart.
2 comentários:
Por ter sido criada ate minha primeira infancia por meus avos... nao consigo imaginar como seria se nao tivesse tido a oportunidade de conhece-los...
Que lindo, Gê... Fiquei emocionada.
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