quinta-feira, 6 de agosto de 2015

A estrada

*
Por Germano Xavier


você quer acelerar, vencer o tempo, matar a distância. você pensa. você age. você acelera. mas o carro é fraco. você é forte. mas o carro não é forte. você é forte. você acelera. você não vê resultado algum. você se sente fraco por acelerar sem piedade, apertando fundo o pedal contra o assoalho do carro. o tempo vence você. a distância mata você. você pensa. você não sabe o que fazer. o carro é fraco. a estrada é comprida. o horizonte é distante. o coração pulsa. o corpo se altera. o pensamento se atordoa. você olha para uma nuvem no céu. você se espanta, sente medo por um instante, revira o olhar, reolha, vira-se para o relógio no painel do carro, você está lento, queria correr, devastar a vastidão, você queria, mas o carro é fraco, a liberdade é longe, o céu é infinito, você é forte. você pensa. você quer fugir. você não quer ficar. sente uma vontade de ir em frente, dobrar a curva que se anuncia, você quer a reta destruída, a linha de chegada, alguém para segurar a fita do final, alguém para aplaudir o seu feito quando extenuado você descer do carro e esboçar um sorriso de glória. você sente saudade de alguma coisa. quer acelerar, gerar história, contar todos os seus ânimos. você quer chegar. você se declara ao espelho retrovisor central. de fato, você quer a consagração. você afunda o pé no acelerador. mais, mais e mais. você ignora as regras de trânsito. você trafega. mas o carro é fraco. você é forte. você imagina. você se encanta com a possibilidade. quer a aventura de ir. você precisa durar mais que a hora. você se volta ao mundo. repara. você leva um tempo para perceber. você sofre. você nunca mais. você poderia. vê o câmbio, aciona a embreagem, troca de marcha. você quer marchar. você teima, insiste. você vê placas. são amarelas, azuis, verdes, toda-cor. setas indicam caminhos. pontes, viadutos, canais, ruas, avenidas, semáforos, guias, calçadas, pessoas, árvores, postes, animais. você olha para uma moça que passa vestida de supermercado. você olha para a criança indecisa do outro lado da pista. você atropela uma carreira de formigas saúvas. você não é mal. você nem sabe que acabou com todo um formigueiro. você quer acelerar. você acelera. mas o carro é fraco. o carro não responde. o carro sentencia você. a vida é tão curta. você pensa. você poderia estar lá. você se anima novamente. viver é prematuro em você. você começa. você não tem pena. você mira o pedal direito. acerta-o em cheio. você quer acelerar, abocanhar o tempo, desdenhar das distâncias. você não pensa. você não age. você não acelera. o carro não é fraco. você é fraco. o carro não é fraco. você é fraco. você não acelera. você não sente nada por não acelerar, não aperta fundo o pedal contra o assoalho do carro. o tempo vence você. a distância mata você. você nada pensa. você não sabe o que fazer. o carro é forte. a estrada é comprida. o horizonte é distante. o coração pulsa. o corpo não se altera. o pensamento erra, perde-se. você olha para uma nuvem no céu. você não se espanta, não sente medo do desconhecido, revira o olhar, reolha, enxerga o relógio preso ao painel do carro sob o volante, você está devagar, não quer correr, não quer devassar a imensidão, mas o carro é forte, a liberdade é longe, o céu é infinito, você é fraco. você pensa. você não quer fugir. você quer ficar.


* Imagem:  http://www.deviantart.com/art/Anti-Road-105338294

Um comentário:

Daniela Delias disse...

Você precisa durar mais que a hora.

Lindo.