terça-feira, 9 de setembro de 2014

Eu, amador de livros

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Por Germano Xavier


Eu não saberia precisar quando foi mesmo que passei a nutrir amor pelos livros. Não tenho esta certeza dentro de mim. Sou ruim de memória, esqueço com facilidade certas coisas. Se não sei com exatidão numérica, não me custa nada inventar uma contação para criar uma natureza real sobre tal fato ou acerca de tal ocasião. Digo que fora num dia bonito de inverno lá pelas tantas auroras de minha pré-adolescência, eu misturado aos encantos de minha Chapada Diamantina e pronto, está tudo certo. Muito justo, até, pois foi lendo que aprendi a inventar-me e, mormente, a reinventar-me.

Carpinejar escreveu, certa vez, que livros o ensinaram a abrir portas. Livros, para ele, eram como chaves douradas e potentes, capazes de nos indicar estradas a seguir e rotas a alterar. Achei bonito o fraseado do poeta. Meus livros me ensinaram a pular muros, os mais altos. Eu, que sempre fui um serzinho meio esquisito, sem muitas gritâncias de exteriorização e de pés quase sempre atados ao regolito visível, precisei conhecer as palavras para descobrir que o mundo era bem maior que aquele até então conhecido por mim. Foi justamente nesta época que aprendi que sonhar era bom. 

Lá em casa, as coisas não favoreciam muito a quem pretendesse cultivar o amor por este objeto sagrado ao qual chamamos livro. Meu pai, profissional de saúde bucal, era detentor de uma coleção razoavelmente pequena de obras referentes ao seu fazer diário e alguns títulos avulsos que me cobririam de luz tempos depois, como a citar os quatro títulos de José de Alencar de capa dura amarela que leria antes dos vinte anos. Minha mãe, católica interessada, lia livros de orações ou com assuntos semelhantes. Meu irmão mais velho esqueceu-se de percorrer o nutritivo caminho da literatura e debandou por outras paragens, mais pragmáticas e descansadas que as escolhidas pelo caçula do lar. Devia ele ter coisas mais interessantes a pensar e a fazer.

Não obstante a pouca oferta de livros nas estantes da casa onde cresci, ainda sofria com o fato de ter de morar numa cidade sem uma biblioteca propriamente dita. Entrementes, segui lendo o que podia ler. Os livros, acessados com dificuldade considerável, aos poucos foram pousando em minhas mãos, em meu colo, como se quisessem estar em minha companhia. Destarte, eu, que no auge de minhas sandices pós-infância já havia me divertido juntando embalagens de shampoo e etiquetas de roupa, dei início ao meu acervo pessoal de livros. Minha biblioteca, enfim, entraria em construção. Uma construção eterna.

A partir dali, troquei livros, comprei muitos, perdi outros, ganhei alguns e até “roubei” exemplares com a desculpa de pedi-los em empréstimo. Li muitos de meus livros, outros deixei de lado, li livros que nunca estiveram em minha casa – livros do mundo – e só por isso hoje posso contar tais figurinhas. Se não fossem eles, meus queridos e amados livros, eu não seria este que hoje sou e suspeito de que este texto também não existiria. Ser um amador de livros é como estar entre borboletas, num dia de sol elas todas se vão por entre os feixes límpidos das claridades do dia, mas deixam suas cores estampadas na pele de nossos olhos para que não haja sequer uma noite sombria.


* Germano Xavier e seus livros. Acervo pessoal.

Um comentário:

Maria Eu disse...

Quem ama os livros ama o mundo inteiro!

Beijinhos Marianos! :)