Sylvia, por quê?
Eu sabia ler tuas aflições, não era como o Ted. Eu te respeitava. Eu te amava, mas tu preferistes a sublimação. Adorava quando tu me confessavas o todo dos teus dias, sempre infames. Teu Ariel quase pronto, deixado na cabeceira de tua cama em Londres, matar-me-ia anos depois. Teu vago aposento não era vago, Sylvia, era turba. Não me perdestes, nem eu a ti. Estou contigo, nestes nossos tons confessionais, isentando-te de qualquer culpa. Onde quer que estejas, estarei ao teu lado, lendo-te em devaneios e surfando-te em instituições nefelibatas. Naquele 11 de fevereiro de 1963 eu te amei como ninguém poderia.
Um beijo, Sylvia, do teu amante eterno.
Um bilhete para dizer adeus
Eu deixo estas palavras sobre a cama porque ainda estou com você. Apesar de nossas brigas, quase sempre tão tolas, ainda não posso. Lembra de fechar o registro da água quando for sair. A pia está vazando e a prestação do sofá já chegou. O dinheiro está em teu porta-jóias. Eu vou indo porque preciso. Jamais me esquecerei de você. Mas a memória é também o esquecer-se, e eu devo. Amei você quando pude.
Desculpa, não posso mais.
Teu.
Um último dia
Eu não sabia que ontem era meu último dia. Talvez eu jamais desconfiasse de tal acontecimento. Um último dia é sempre algo tão longe, tão dissoluto. O derradeiro dia é tão... tão... infinito. Distante! E também impalpável, sem medidas. Mas, então, o que me faz escrever senão a existência de um fim, de uma presente imagem do que se acaba? Por que não deixar um último registro de mim, para que um derradeiro olhar atinja meu universo, mesmo que seja apenas a forma de minha arcada dentária num pão dormido, ali mesmo, sobre a velha mesa de todos os dias?
* Imagem: https://www.deviantart.com/janek-sedlar/art/Secret-path-through-valley-of-upside-down-carrots-411772114
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