domingo, 14 de outubro de 2018

Uma presença incômoda



Por Germano Xavier



Hoje, véspera de feriado, beiro a morte. A minha morte. Por onde passei, pessoas denunciaram preocupações, perguntaram-me sobre o meu estado, se eu estava passando por algum problema ou se tinha acontecido algo comigo. Porque, nas vozes e mentes destas pessoas, meu rosto aparentava cansaço, sofreguidão e uma tristeza de rios. Não havia resposta em mim, nem teria como. Creio que morri um pouco hoje. Um pouco de manhã, um pouco de tarde e, finalmente, um pouco de noite. Engraçado, também morro agora enquanto escuto os passos da proprietária deste hotel, um pouco é certo. Morro, mas é um morrer para se viver, um morrer para se prosperar, um findar-se no digno intento de renascer-se. Não tenho mais dúvida, preciso continuar morrendo. É uma questão de sobrevivência, de encontro, de fuga. Necessito da morte para viver. Todavia, enquanto ela não me abraça com o todo de sua envergadura, sigo a viver, em reduzidas linhas, minha morte. Persisto, sempre, a viver do meu ar, do meu sopro, inalando minha existência, absorvendo com a alma minha morte mais vital.




Eu moraria. Eu morar ia, eu amaria e amar iria caso fosse possível atravessar a ponte aquática do destino. Distância atenta ao andar dos passos do coração, vergel cruzado pelo verde de se querer, aleia albina essa toda em torno de transcender o ser. Uma pintura cravada na tela do amor é uma celebração inteira. Nós. Fogos seriam acesos nas madrugadas frias e o júbilo das estrelas encontraria no escuro o abrigo dos brilhos. Eu estaria aberto sobre a fenda dos sentimentos e uma cor de presente o mundo teria na lançada curva da estrada. Eu moraria no mar-céu que é só teu. Eu moraria na dor marítima do teu gemido. Moraria no encontro de tuas marés. Eu moraria. E você estaria sempre no pedestal da calçada mais alta na rua enladeirada mais densa de sabores. Cinzento, o firmamento velho se contorceria em lágrimas e uma chuva de vivas lamberia o ácido de tua pátina amorosa. Bronze, prata e ouro. O amor em lumes em ti. Eu. Raso. Passo alto sem tocar superfície. Saudade é uma verdade doída, menino. Amor nem pensar. Café seco com instinto na manhã decorrida ativa o nada que não suportamos. Eu viajo pensando na esquina onde dobram as pernas. Estar sentado é estar pronto para alguma coisa também que não ou que sim. Raso, insisto. Assim, sem nem. Um universo tão distante. Uma força. Uma forma. Evoco essa prosperidade dos tempos idos em mim. Eu costumava achar diamantes sem me esforçar tanto. Achava-os, empós um mundo em punhado puro. Cascalhada era a minha sina. E hoje? Não é mais fundo, tudo? Jaçados seixos pontificam a trilha de se ir. Para onde, quando nada? Para quando, quando sempre? Refugo. Pareço partida. Vejo diamantes na água que bebo. Me diamanto. A água traz um reflexo. Há alguma coisa nela que adocica. Acendo e incendeio. Há um fogo molhado. Arreio minha cavalgadura e teimo. Teimo.



* Imagem: https://www.deviantart.com/deviousclown/art/Waiting-for-something-180810558

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